Parte Dois



Voltei para a mansão do Lorde das Trevas vários dias depois. Estive engajado em um serviço altamente secreto juntamente a Avery, sabíamos que nosso retorno deveria vir acompanhado por ótimas notícias, caso contrário, o mestre ficaria realmente zangado. No entanto, além de não se preocupar muito com os aliados que trouxemos, o mestre estava diferente. Tudo na casa estava diferente. Nas reuniões com os Comensais era explícito que nenhuma esposa, que não fosse Comensal, permanecesse na casa, Malfoy, porém, aparecia sempre de braços dados à dele. E Karkaroff não estava mais presente, fora mandado à Bulgária em busca de aliados. Ninguém parecia se importar com Aubrey, pois era óbvio que o mestre a tinha afastado de todos, apenas eu temia por ela, temia pelo jeito como Voldemort deveria estar tratando-a. Apesar disso, surpreendi-me com o caminhar das coisas. Nenhuma reunião era feita na grande sala, agora as reuniões agora eram realizadas no porão. Os assuntos subdivididos em hierarquias de maior ou menor confiança. Nunca mais de cinco pessoas permaneciam na presença do mestre. Voldemort estava muito cauteloso. Demais. Ninguém desconfiava do por quê.

Seguramente digo que, no momento em que Aubrey pisou na cozinha, naquela repugnante e fria manhã de domingo, cuja madrugada fora lastimável, enfurnados num casebre, em tocaia aos aurores, eu soube que nada seria o mesmo naquela casa. Eu soube exatamente qual era o motivo da prudência do mestre. Aubrey tinha os olhos pequenos, as escleras completamente vermelhas, indicando pouco ter dormido durante a noite, ou então chorado muito. A princípio optei pela primeira opção, o mestre foi quem me mostrou a verdade.

― O que houve, minha querida? - perguntou Voldemort interessadíssimo nas feições de Aubrey.
― Não foi nada, milorde - respondeu baixando o rosto, pegando qualquer xícara sobre a mesa e servindo-se do café. Ele não se deu por convencido, forçou o corpo sobre o dela, prendendo-a contra a mesa.
― O que foi? - perguntou inquieto, segurando-a pelo queixo, obrigando-a a encará-lo. - O que aconteceu?

Ela sorriu brevemente para ele, a xícara tremendo tanto quanto as mãos, mas foi para mim que olhou, implorando por uma saída, uma ajuda.

― Olhe para mim! - ordenou Voldemort. E os dois cruzaram os olhares em absoluto silêncio durante minutos. Por fim, ela respirou profundamente e as lágrimas lhe correram pela face rosada. - O quê? - urrou ele em seguida. - Como é? Não! Não pode ser?! - e a empurrou para o lado, afastando-a de perto de si como se fosse um objeto sem valor.

Pela primeira vez pude ver que ele a repudiava, que a queria bem longe de si e daquela casa, e de sua vida, mas não teria acreditado se eu mesmo não o tivesse presenciado, se não fosse tão receptivo às coisas mágicas. Naquela manhã, o Lorde leu a mente de Aubrey e, acredito, nunca o tenha feito antes, mas naquele dia, ela não era a mesma mulher, não era nem sombra da bela e forte mulher que sempre se mostrara ser, estava preocupada, desolação era o que demonstrava sua aparência, permanecera acordada noite adentro remoendo um breve sonho.

“Alguém observava uma casa pequena de dois pavimentos pelo lado de fora, pelo outro lado da rua. A luz no andar de cima estava acessa, nenhum barulho vinha de lá, mas vez ou outra um vulto aparecia por entre as cortinas alaranjadas. Um cachorro latiu quando, longe dali, uma lata de lixo caiu. Outros cachorros latiram também, dando início a um coro. Então, um encapuzado se aproximou do portão de madeira que dava acesso a casa, fazendo-o ranger baixinho ao ser aberto, e caminhou pela calçada de pedras até a porta de entrada. Um brilho saiu das mãos do encapuzado e mostrou uma varinha apontada para a fechadura da porta. Silenciosamente entrou e fechou a porta atrás de si! Um breu invadiu tudo por dois segundos e então um quarto apareceu. Uma mulher com uma criança nos braços. Um pedido, uma súplica. Mais uma morte e se seguiria uma terceira se a varinha não tivesse emitido tanta claridade cegando quem quer que estivesse no quarto! Tudo desapareceu. Apenas um fiapo de vida sobrou e evaporou daquela maldita casa! Não havia mais varinha, corpo ou mágica, somente desespero e dor! Semivida e fim! Voldemort desaparecera!”

Voldemort andou para a porta balançando a cabeça negativamente, não acreditando naquilo. Desapareceu corredor acima, sem aceitar qualquer explicação ou opinião.

― Precisa convencê-lo a aceitar, Severo! - era ela aos meus pés agora. Nem a havia notado ali. Ainda estava com os olhos na porta por onde o mestre passara tão alterado. Aubrey me encarava, os olhos marejados, as mãos trêmulas. - Ele precisa desistir desse plano! Por favor, faça-o enxergar isso! - choramingou com a voz tremida.

Não me abaixei para consolá-la, apenas a fitei e pude ler sua mente outra vez e rever tal tormento. Não havia como saber se aquilo fora um sonho ou uma premonição, os acontecimentos recentes causavam a todos nós pesadelos e noites de insônia. Eu queria acalmá-la, queria lhe dizer que tudo ficaria bem, mas ela se apresentava totalmente desarmada quanto ao mestre, mostrava o quanto o amava e se preocupava com ele. Eu a odiei naquele momento. Eu até mesmo achei que ela merecesse sofrer daquele jeito.

― Ele está decidido, mulher. Não há nada que nenhum de nós possa fazer! - foi apenas o que lhe disse, da forma mais brusca e ofensiva que pude buscar dentro de mim.
― Não! - ela berrou agarrando minhas vestes com mais força. - Diga a ele! Você sabe que é verdade...

Abalei-me mais. Como podia uma mulher amar um homem daqueles? Era certo que todos éramos desumanos, não tínhamos um pingo de amor no coração, mas ela amava o mestre, amava aquele monstro. Eu dei um passo para trás e a olhei de lado.

― Não sei de nada! Você teve um sonho que pode ou não se realizar. Levante-se e vá descansar em seu quarto. O mestre já estava nervoso antes de saber sobre seu sonho. Espere-o se acalmar e converse com ele mais tarde.

Aubrey pareceu consentir quando baixou os olhos e saiu soluçando da cozinha. Queria confortá-la, apesar de estar ciente que eu era mesmo um joguete naquelas mãos, porém, o mestre precisava de mim. Segui para a sala de estar e parei perto da lareira onde ele estava. Encaramos-nos, mas ele não disse uma palavra sequer. Sentou-se e fechou os olhos. Fiquei de pé até outros aparecerem e relatarem sobre o andamento do plano. A manhã surgiu devagar, a chuva não queria deixar o dia clarear. Estávamos novamente no porão. Passamos a noite em claro, o mestre nos obrigou, já que ele mesmo não pregou os olhos. Eu sabia que o motivo era Aubrey. Ele nem ao menos a recebera na madrugada quando ela quis lhe falar. Acredito que ele a via como um agouro depois de tudo. Entrementes, a mantinha ainda na mansão.

Os planos, nos dois meses que se seguiram, foram executados à risca, não poderia haver falhas. Logo, muitos aurores, alguns dos mais renomados, e adoradores de trouxas foram exterminados. Não houve piedade. E o mestre se deleitava quando reconstituímos as histórias para ele. Na verdade, eu jamais entrei naquele aposento quando Voldemort e os Comensais se reuniam para saborear as vitórias daquela forma. Mas eu sabia bem que um dos Comensais preferidos dele era Belatriz Lestrange, que torturara uma família inteira, deixando-os à beira da loucura e vegetando para o resto de suas vidas medíocres.

Finalmente voltei. Ah, que resplendor! O sol brindava-me o regresso à mansão do mestre. Iluminava-me o caminho até onde ela estava. No entanto, somente tormento encontrei quando a vi de longe, brincando com as plantas entre os dedos macilentos. Estava pálida e doente, a tristeza a dominara por completo e despedaçou-me o coração não poder acalentá-la. Encontrei Severo ao pé da escadaria, também com os olhos nela, mas quando me viu, desviou o olhar e me fez perguntas sobre a Bulgária. Não as respondi. Pela primeira vez na vida, o enfrentei.

― O que está acontecendo?! Tudo isso está fugindo ao controle dele, não é? - o peguei pelo braço, puxando-o para o vestíbulo, ele arregalou os olhos, totalmente espantado com minha atitude.
― Karkaroff, eu não sei o que deu em você...
― Estou farto disso tudo! Estou farto de ficar longe dela! - respondi com voracidade. Eu não deveria, mas realmente estava descontrolado.
― Aubrey pertence ao mestre. Sempre soubemos disso. Nunca mais fale nela desse jeito, muito menos do mestre... Não quero nem imaginar o que lhe aconteceria. Agora, largue-me! - foi o que me respondeu. E então apontou o dedo na direção do jardim e, sob a treliça onde uma trepadeira florida sombreava um banco largo e confortável, o mestre tomava a mão de Aubrey. Eu o soltei. Eu o deixei seguir em frente, continuar a obedecer ao Lorde das Trevas. E não fiz nada em relação à mulher que amava. Desejei que Severo tomasse uma atitude, sabia que ele era capaz e muito corajoso, porém, ele mesmo se encontrava diferente. Parecia mais cuidadoso do que de costume, mais discreto, mais restrito às palavras. Taciturno. Parecia premeditar os acontecimentos. Queria ser um inseto para poder ouvi-los lá no jardim.
― Milorde, que bom que veio me ver.
― Não se empolgue, minha cara - ele disse sem rodeios -, eu quero que você me diga... foi apenas um sonho, não foi?
― O senhor quer ouvir a verdade? Ou quer que eu lhe diga o que deseja ouvir...
― Mulher tola! - berrou ele lhe dando as costas.
― Por favor, mestre, ouça-me. Entenda que só lhe peço para ter mais paciência. Não haja imprudentemente...
― Tenho que seguir o plano! É preciso destruir todos! - ele tinha os olhos vidrados. - Eu quero o poder absoluto!
― Mas, milorde, o senhor domina muitos e é temido por milhões! Descanse um pouco. Dê um tempo e então retorne com mais força...
― NÃO! - berrou esbofeteando-a. - Saia da minha frente! Não quero vê-la mais!
― Milorde - ela implorou.

Voldemort ergueu a cabeça, girou sobre os pés e afastou-se da mulher. Não havia retorno. Ele a rejeitara definitivamente. Aubrey, porém, não agiu com discernimento. Correu atrás do mestre e o alcançou nos primeiros lances da grande escadaria.

― Milorde! - chamou ofegante, apoiando-se no corrimão.

Ele estava impassível. Continuou subindo os degraus.

― Milorde, por favor! - impetrou num tom mais alto.

Nós o conhecíamos muito bem, súplicas, por mais insistentes que fossem, o deixavam unicamente com mais ânimo para o pior. Eu vi os olhos de Severo marejaram ao som da voz dela. O mestre seguia subindo a escadaria sem demonstrar qualquer afeto. Então ela gemeu alto, com as mãos no ventre. Eu arregalei os olhos, Severo correu até ela, o mestre parou e se voltou para fitá-la.

― Você está bem?
― Severo, convença-o! Por favor!
― Ah, mulher - rosnou Snape revoltado -, cale-se ou vai perder a criança. Vou levá-la para seu quarto.
― Não, Severo - era a voz do mestre, vinda de trás dos dois -, deixe-a ai mesmo.
― Aq... Como?! - gaguejou Snape. - Deixá-la... aqui?! Seu filho...
― Severo, meu caro, eu sou Voldemort! Eu sou o único! - estava implícita a ordem. Snape se pôs de pé lentamente, sem tirar os olhos de Aubrey.
― Milorde... - ela suplicou uma última vez ainda, as mãos apertando o próprio corpo, o sangue correndo pelas pernas.
― Implora para que a ouça. Vejam! - riu o mestre. - Mas ela não entende que não aceito discordâncias. Seguirei meu plano, com ou sem você, Aubrey - e voltou a subir a escadaria, deixando-nos sem poder fazer nada, ele a queria morta.

Eu não fui homem o suficiente para desacatá-lo. Nem mesmo Severo foi. Ele apenas pôs a mão sobre a boca, abafando o desespero e o choro, os olhos mantidos fechados a todo custo. Uma única coisa, porém, não podíamos impedir a nós mesmos de fazer: ouvir os gemidos cada vez mais abafados dela, que desapareciam em fiapos, juntamente à respiração e ao sangue.

Ó, dia fatídico! Dia da perdição. Carregarei comigo a maldição de ser eternamente malvado. Nem mesmo o próprio Deus poderá me absolver de tamanha crueldade que deixei acontecer. Hoje sei que jamais fui merecedor do amor daquela beldade. Que me adiantou desejar desesperadamente tal mulher se nada pude lhe dar? Nada poderia ainda que tivesse sido minha! Mais do que qualquer homem eu a quis, aspirei viver a seu lado... Todavia, jamais poderia satisfazê-la. Ela era muito! Mais que isso! Era o infinito, o impossível! O que ambicionava ia além de qualquer sonho mortal! A viver outra vida aprendi, enquanto vivi sob o sabor dela. Por Merlin, como sinto sua falta! Sinto, em suma, jamais ter espalhado ao mundo que foi minha, porque em um breve momento verdadeiramente foi!

O sonho se tornou realidade. A premonição dela foi sua sentença de morte. O bastardo também morreu, um pequeno consolo. Mas eu o servi. Pior! Eu o servi e venho pedir clemência ao inimigo dele, um homem cujos olhos vêm o que não está em sua frente, um homem que sabe que para sempre impregnada em mim estará a lembrança de que não mereço ser chamado de humano, e sim de monstro. Carregarei a morte por onde caminhar, jamais esquecerei que deixei inocentes morrer, e por tal irredimível ação, seguirei acreditando que nenhuma remissão posso merecer.

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Fim.

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