O Outro Lado
(Karl Kraus)
Talvez ninguém nunca saiba o que realmente aconteceu naquele ano, naquele ano em que o seu mundo desmoronou e lavara o meu junto, mas o que são todas essas frases escritas em um velho diário do que apenas memórias de uma velha bruxa de 93 anos? Sinto que ainda tenho uma dívida com você, uma dívida de 77 anos, por isso talvez quando alguém ler esse velho diário descubra que você não foi tudo aquilo que falaram, mas que foi muito melhor.
Foi no sexto ano de Hogwarts que tudo aconteceu e eu ainda sinto o cheiro da fumaça saindo do trem da estação 9 ¾ , era um dia ensolarado e eu havia chegado a estação junto de meus inseparáveis amigos Harry Potter e Rony Weasley. Lembro de não estarmos tão contentes pelo fato de Sirius, padrinho de Harry e grande amigo nosso, ter sido morto no ano anterior.
Eu deixara os rapazes seguirem a minha frente procurando uma cabine enquanto caminhava atrás deles por aquele extenso corredor do trem, e eu o vi: os cabelos loiros platinados caindo perfeitamente sobre os orbes azuis acinzentados, com seus 16 anos possuía um porte um tanto petulante diga-se de passagem.
- O que foi Sangue-Ruim? Empacou no meio do caminho? – A voz dele soara indiferente e eu sentia o sangue subir a cabeça.
- OLHA AQUI MALFOY NÃO SEI SE VOCÊ PERCEBEU MAS ESTAMOS PROCURANDO UMA CABINE! – Eu berrara, eu não entendia o motivo pelo qual ele me deixava tão nervosa, mas ele realmente parecia ficar satisfeito quando conseguia me tirar do sério.
- Ele está te incomodando Mione? – Harry e Rony haviam-se colocado a meu lado e lançado ao loiro um olhar mortífero.
- Oh! Santo Potter e o Pobretão Weasley, hoje o dia promete! – O loiro ironizara com um sorriso debochado na face que fez os dois gorilas atrás de si e uma garota de cabelos loiros soltarem risadas.
- Some daqui Malfoy! – Harry franzira o cenho e eu pude ver ele deslizar a mão para dentro do bolso traseiro de sua calça.
- Está tudo bem Harry! É só ignorar esse idiota! – Eu segurei o braço de meus dois novos “guardas costas” os retirando dali.
Draco Malfoy, sim este era o nome do loiro que me deixava tão nervosa nos tempos de Hogwarts, eu que sempre fui uma aluna excelente e um exemplo para toda escola perdia a cabeça quando se tratava daquele rapaz, mas aqueles eram tempos difíceis, tempos de guerra e tudo que se deveria ter naqueles tempos era calma.
O dia de chegada em Hogwarts fora bastante diferente, já que depois de minhas tarefas como Monitora, me acomodei na grande mesa da Grifinória, quando vi Harry adentrar o salão com as roupas cheias de sangue. O murmúrio fora geral e pude ver o sorriso vitorioso de Draco Malfoy do outro lado do salão, na mesa da Sonserina. Aquilo para mim havia sido demais, eu sentia que ele tinha algo haver com aquilo e o odiei ainda mais.
Minhas tarefas de monitora haviam sido cumpridas pelo menos naquele primeiro dia de volta as aulas, eu me dirigia ao salão comunal de minha casa, louca para saber o que havia ocorrido com Harry, quando eu o vi novamente. Debruçado numa das janelas do saguão de entrada, admirando o jardim, os cabelos voavam conforme o vento gélido lhe tocava a face, talvez ele não tenha ficado tão belo em tanto tempo para mim.
- Vai ficar me admirando por muito tempo Granger? – Ele perguntara numa voz arrastada.
- Eu não estava te “admirando” Malfoy! – Respondi mal criada. – O que você fez a Harry?
- Por Merlim, agora você virou a defensora número um do Santo Potter? Pensei que este cargo já era ocupado por aquele velho caduco!
Eu sacara minha varinha a colocando no pescoço dele, nós nunca havíamos ficado tão perto quanto aquele dia, pois meu corpo estava a centímetros do dele e eu encarava aqueles orbes cinzas com tamanha fúria que nem me dava conta de tal proximidade.
- O que vai fazer Granger? Me bater ou me azarar? – Ele perguntara friamente, olhando nos meus olhos sem demonstrar nenhuma emoção.
- Eu bem que poderia, Malfoy...
- É sua chance, Sangue Ruim...
Mas eu não o fiz, eu não o bati como o fiz no terceiro ano e muito menos o lancei algum tipo de azaração, fiquei lá encarando os olhos cinzas com o cenho franzido e sentindo aquele cheiro de menta que emanava do corpo dele, ele dera um sorriso debochado colocando o dedo indicador na ponta de minha varinha.
- Boa noite, Granger... – Ele falara simplesmente dando-me as costas e seguindo para seu lado do castelo.
Fiquei atônita, nunca entendi bem o que ele quis dizer com aquele: “boa noite”, afinal eu esperava um escândalo da parte dele, mas não fora isto que acontecera, ele apenas se afastou e me desejara uma boa noite.
Os dias naquele castelo pareciam um tormento, o desejo de Harry de ir atrás de Voldemort aumentava segundo a segundo, e após ele ter achado um tal misterioso livro, ele parecia mais confiante e sombrio do que o normal, talvez fosse por este fato que eu tenha me afastado dele e de Rony naqueles tempos. Eu continuava com minha vida, estudando e cuidando da monitoria do castelo.
O que eu não sabia, era que graças a este cargo de monitora eu iria conhecer o lado de alguém que eu jamais pensara conhecer.
Era uma noite como outra qualquer, eu caminhava pelos corredores, aquela noite estava mais fria do que o normal, e podia-se escutar o vento uivar do lado de fora do castelo, eu havia tido uma daquelas brigas com Rony, mas isso nunca fora novidade, já que eu e ele brigávamos pelo menos dez vezes ao dia. Eu passeava pelos andares e parecia decidida a ir ao banheiro da murta que geme, aquele lugar era o meu favorito em todo o castelo, eu nunca soube bem o motivo, adentrei o banheiro sem nem notar a presença de alguém lá.
Sentado a janela do banheiro feminino, com a face banhada pela luz da luz, ele estava lá, seus olhos pareciam cheios de lágrimas e sua expressão era de pura infelicidade, me surpreendi com aquilo, jamais havia o visto tão vulnerável.
- Err... Desculpe! – Foi a única coisa que eu conseguira falar, ainda estava atônita com aquela visão.
- Não sou o monstro que você pensa Granger, também tenho sentimentos! – Ele falara seco levantando-se de onde estava e caminhando em direção a saída do banheiro parando a meu lado. – Se alguém souber o que você viu, você morre.
Senti meu corpo inteiro arrepiar com tais palavras, virei-me rapidamente para ele, mas ele já havia saído do banheiro, a Murta me olhava com desagrado e eu apenas girei meus calcanhares saindo dali.
- Ele anda estranho... – Comentara Harry sentado a meu lado na mesa da Grifinória.
- Quem? – Perguntei sem entender.
- Malfoy! Eu tenho certeza que ele se tornou um comensal...
- Ficou louco Harry! Malfoy só tem 16 anos! – Eu girara os olhos enfiando em minha boca um pedaço de carne.
- Eu tenho certeza Mione! Ele anda estranho!
- Harry! Por Merlim, será que não podemos ter uma refeição agradável sem você falar mal do Malfoy? Tudo bem que ele é um idiota, mas ele não é um monstro! Ele tem sentimentos! – Eu falara exaltada sem me dar conta de minhas palavras.
Harry e Rony nunca me olharam com tanto espanto na vida, até eu mesma estava surpresa, eu repetira as falas daquele que eu jurei odiar até o fim da vida! Mas a verdade é que a vida é uma grande pregadora de peças, e eu ultimamente andava me pegando pensando naquele loiro que além de aparentar ser frio e cruel, demonstrava ter sentimentos e talvez a única pessoa a enxergar um lado bom nele, havia sido eu.
Eu estava nos jardins naquela noite de outubro, quando escutei passos, logo saquei minha varinha virando-me para ver o que era, ele estava lá. Sua vestes sonserinas imundas e rasgadas, ferimentos evidentes em várias partes de seu corpo, e seu aspecto cansado. Eu poderia ter saído e gritado para todos o que estava havendo, podia o levar a Ala Hospitalar, mas não o fiz, pois eu sabia de alguma forma que seu fizesse isto, ele se prejudicaria.
- Malfoy, por Merlim! O que houve com você? – Eu corria para ampara-lo.
- Me solte Granger! – Ele mandara autoritário desvencilhando-se de meus braços.
Ele cambaleara uma, duas, três vezes até não agüentar e cair naquela grama fofa, corri até ele como uma garotinha assustada o segurando em meus braços, ele tinha os olhos cerrados e uma aparência angelical quase inexplicável, retirei os fios dourados que caíam em seus olhos fechados e murmurei um feitiço que o fizesse flutuar atrás de mim.
Eu o levei até a sede de Armada Dumbledore, o levei até a sala precisa e a fiz ganhar forma de um luxuoso quarto de hospital, o deitei na cama e tirei-lhe a parte de cima da camisa que já estava toda rasgada. O peito nu livre de pêlos, era coberto por cicatrizes e ferimentos, me dispus a limpar todo sangue dali e enfaixar todos seus machucados, notei um rastro vermelho em seu braço esquerdo, não quis mexer ali, talvez por medo de ser a marca negra enfeitiçada, sacudi a cabeça livrando-me de tais pensamentos, Malfoy ardia em febre e eu perdi a hora adormecendo ao pé de sua cama.
O que ele pensou quando acordou e me viu ali dormindo a seu lado eu jamais soube, mas quando despertei ele já estava sentando-se e tentando vestir a camisa da sonserina.
- Se você sair por aí assim vão todos perceber que algo aconteceu... – Eu murmurei o encarando levemente.
- Minha vida não lhe interessa Granger!
- Oh, sim! De nada por te ajudar Malfoy! – Eu falara num tom magoado, ele parecera perceber já que suas sobrancelhas se arquearam para me encarar, eu apenas empinei o nariz apanhando minha capa para sair dali.
- Por que me ajudou Granger? – Ele perguntara jogando a capa da sonserina sobre as costas e ajeitando os cabelos.
- Era a coisa certa a se fazer, Malfoy... – Eu respondera saindo da sala lhe dando as costas.
- Não existe o certo ou o errado Granger, apenas conseqüências e fatos!
- Alguém já lhe disse que você é extremamente mal agradecido?
- Alguém já lhe disse que você fala demais? – Ele girara os olhos.
- O que aconteceu ontem com você? Lhe lançaram um cruccius? Foi Voldemort não foi?
- Que parte de: A minha vida não lhe interessa, você não entendeu Granger?
- Quando a sua vida começa a interferir na minha me interessa sim Malfoy! Eu fiquei a noite inteira aqui tentando diminuir sua febre e enfaixei todos seus ferimentos! Deveria me dar uma explicação se quer!
- Granger, só tenho uma coisa a lhe dizer, se quiser viver fique fora disso e se mantenha o máximo que puder longe de mim! – Ele segurara minha face me fazendo encará-lo.
Foi questões de segundos até ele me soltar e sair dali, eu sentia meu coração saltar em meu peito em um sentimento que eu jamais pensei sentir, eu estava me sentindo atraída por todo aquele ar de mistério que aquele sonserino emanava e por mais que eu tentasse me convencer do contrário eu não conseguia e quando me dava por mim eu estava afastada de Rony e Harry, era difícil para mim já que Rony havia assumido seu namoro com Lilá e Harry e Gina estavam juntos, eu me sentia só e sentia que só podia contar comigo mesma.
Os jardins nunca me foram tão vazios quanto naquela tarde, parecia que todos os alunos haviam combinado de ficar dentro do castelo, eu me sentara debaixo de uma árvore e começara a ler um livro de DCAT, quando uma folha caíra sobre meu livro, ergui os olhos, Malfoy estava lá sentado em um dos galhos me olhando fixamente.
- O que faz aí? – Perguntei surpresa.
- Pansy está por perto? – Ele perguntara sério.
Olhei em volta e balancei a cabeça negativamente, ele apenas suspirara aliviado saltando do galho caindo em pé ao meu lado, ele me encarara sério e olhara a seu redor como se para procurar mais alguém.
- Granger sozinha? O que foi? O Pottinho e o Weasel se cansaram de você?
- Malfoy sozinho? O que houve? Seus gorilas descobriram que você é patético? – Eu falara no mesmo tom. Percebi que ele sorrira.
Foi por apenas um segundo, mas ele dera um sorriso sincero, e talvez fosse a primeira vez que eu lhe dava um sorriso tão sincero quanto, ele me encarara e sentara a meu lado sem ao menos ser convidado, não entendi aquilo, talvez eu nunca vá entender o porque dele agir tão diferente dos outros.
- E então Granger, onde estão seus guardas costas? – Ele colocara os braços atrás da cabeça e se encostara a árvore.
- Minha vida não é de sua conta Malfoy!
- Ah, sim, claro! – Ele concordara com um meio sorriso.
Voltei a minha atenção ao livro, talvez em outro ano eu detestaria a companhia dele ali a meu lado enquanto eu lesse, mas eu estava gostando. Ele era muito discreto em todos seus movimentos, e eu podia perceber que ele também lia o meu livro, sorri quando virei a página e ele soltara um suspiro derrotado.
- Está esperando eu te azarar, te xingar ou te bater até te expulsar do meu lado Malfoy? – Eu perguntara sem retirar os olhos do livro. – Ando muito calma esses dias, não vai conseguir me tirar do sério...
- Não era bem isso que eu estava pensando Granger... – Ele falara calmo.
- E o que seria?
- Além de querer saber de minha vida agora quer saber meus pensamentos?
- E isso é uma coisa ruim? – Eu fechara o livro para encara-lo. – Qual o problema das pessoas te conhecerem de verdade Malfoy?
- Não vai gostar do que vai ver Granger, desista! – Ele levantara-se e começara seu caminho para o castelo.
Eu apenas o fitei, o fitei se distanciar a cada segundo, eu gostava do jeito que ele me desafiava e aquele ritual de conversas apenas de perguntas começaram a se repetir diariamente, dia após dia, fosse no corujal, ou nos jardins ou até mesmo no banheiro da murta que geme. Mas sempre só nós dois, era como um segredo.
Uma bobagem, eu sei... Mas aquele era nosso segredo, ninguém jamais saberia sobre nossas conversas de perguntas sem respostas, ninguém jamais saberia as dores dos outros. Nos encontrávamos apenas para fazermos companhia um ao outro, pois a verdade era que nós dois nos sentíamos sozinhos por demais.
Era um dia comum aquele, uma noite comum na qual eu estava sentada no banheiro da murta enquanto terminava meu dever de poções, Malfoy estava encostado na parede apenas me observando e fazia tempo que não trocávamos ofensas.
- O que foi? – Perguntei erguendo o olhar.
- Por que não se assusta Granger? Por que não abaixa a cabeça ou simplesmente me deixa só?
- Porque isso mostraria que eu tenho medo de você, e eu não tenho isso. – Respondi séria e firme.
- Acha que sou mais forte que Potter?
Aquela pergunta dele, por Merlim ainda me lembro da intensidade que ele me perguntara, me surpreendi com aquilo, era como uma pergunta de esperança, eu sempre soube que a rivalidade dele e de Harry duraria por todo infinito, mas eu realmente não sabia como responder, apenas tomei fôlego e falei o que achava:
- Olha Malfoy eu realmente não sei, você e Harry tiveram vidas diferentes, encararam fatos diferentes, acho que você parece ser forte do seu jeito assim como Harry é forte do dele, sei que a vida de nenhum dos dois é fácil por isso não sou capaz de tal julgamento.
Minha resposta saíra tão sincera que até eu mesma me surpreendera, e foi a primeira vez que vi Malfoy me encarar com tanto respeito, ele apenas deu um sorriso com o canto dos lábios e levantou-se olhando pela janela, levantei-me e caminhei até ele, me colocando a seu lado.
- Eu vou fazer algo terrível este ano Granger... – Ele falara numa voz rouca. – Que nem mesmo você conseguirá me perdoar...
- Você não precisa fazer algo terrível se não quiser Malfoy...
- Se eu não fizer, minha mãe morre.
Os olhos dele estavam vidrados naquela janela, eu engolira seco com o que ele falara, qualquer pessoa engoliria e se assustaria com aquilo, e foi numa ação involuntária que minha mão segurou fortemente a dele, ele não retribuiu, apenas me deixou segurar sua mão fria, eu não o encarei, apenas encarei a janela, e deixei que aquele momento que durou no mínimo cinco minutos virassem uma eternidade para mim.
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