Morte Lenta
Outro sonho doido com ele. Mas desta vez, pelo menos, não era nada de que eu devesse me envergonhar. Era um sonho completamente louco; era como se... como se ele fosse me amar um dia. Patético, eu sei; essa história de aluna sofrendo de um amor platônico por seu professor é bastante comum. Só que ninguém imaginava que algo assim fosse acontecer com Hermione Jane Granger. Principalmente se esse professor fosse Severo Prince Snape, o cruel Mestre de Poções.
Passei tempo demais sendo humilhada para saber o quanto ele me odiava. Ou porque sou amiga do Harry, ou porque sou uma grifinória melhor que os preciosos sonserinos dele (oh, sim, eu tenho plena consciência do quanto sou boa aluna; sem hipocrisias de falsa modéstia).
Minha vida foi um inferno desde o 4º ano, quando descobri essa paixonite idiota e irracional. Percebi que eu era atraída por ele pela primeira vez quando eu o vi conversando com uma belíssima professora de Poções da Academia de Beauxbottons. Nossa, que mulher linda ela era! Se eu fosse pelo menos a metade... será que ele olharia para mim? Quando me surpreendi com esse pensamento, finalmente percebi o que eu sentia. Ciúmes. Não fui estúpida ao tentar negar. Seria imbecil demais da minha parte se eu fizesse isso. Mentir para mim mesma tornaria as coisas umas dez vezes piores.
Então o quinto ano, o sexto ano, a falsa morte de Dumbledore, Snape desaparecido, as provas reunidas para provar sua inocência (ajudei em algumas delas, mas só Dumbledore sabe disso), a morte de Voldemort, a morte de Rony, a morte de tantos dos nossos... Só Harry e eu estamos aqui, fazendo o sétimo ano junto com nossa antiga turma, pois Hogwarts ficou fechada durante a guerra.
Snape quase morreu, mas madame Pomfrey sempre foi uma medibruxa das melhores; salvou-o com dificuldade. E agora ele voltou ao cargo de professor de Poções (recusou DCAT em favor do Lupin!). Não sei nada do que aconteceu. Só o Harry sabe de certas coisas.
Os comensais foram todos mortos. Era um perigo mantê-los vivos, mesmo que em Azkhaban, pois era possível que as velhas idéias de Voldemort voltassem. Bom, a minha vida estava mesmo um inferno. Agora o Snape conseguia me humilhar mais do que fazia antes – sim, isso é possível. Minha vida na sala de aula é insuportável. Não sei o que se passa na cabeça dele, mas tenho que confessar que, por causa disso, estou em estado de semidepressão. Harry já não sabe o que fazer. Ele desconfia que seja por causa das humilhações a que Snape me submete constantemente, mas ele não faz idéia de que essas mesmas humilhações são mil vezes mais insuportáveis porque amo Snape até mais do que eu mesma.
Sim, Hermione pode amar alguém. Uf! Outro dia, há uns dois meses, algo aconteceu (paciência, chegarei lá em breve), algo que mudaria tudo, tudo mesmo.
Bem, o começo.
Estava eu indo para a sala de Poções. Acho importante descrever o quanto estou feia. Realmente feia. Engraçado, porque dizem que o amor deixa as pessoas mais bonitas. Mas o fato é que tenho chorado tanto que vivo com constantes olheiras. Quase não durmo. Para compensar isso, estudo feito louca, ainda mais do que antes. Isso pode me matar, como Harry bem gosta de lembrar, mas eu já não me importo. Harry foi o único que me sobrou como família nesse mundo, e mesmo ele não precisa muito de mim, já que vai se casar com a Gina depois que terminar o Treinamento de Aurores que vai começar no ano que vem.
Meus cabelos estão mais armados. Eles tinham tudo para ser perfeitamente ondulados, mas eu não cuido deles, porque não faço a menor questão de estar bonita. Ou seja, eu não me arrumo, e os meus cabelos ficam em seu estado selvagem. Façam uma figura da outrora altiva e antipática e confiante Hermione Granger: agora estou mais magra, com os cabelos ainda mais armados, com olheiras quase permanentes.
Eu poderia ter um belo corpo, poderia sim. Poderia ter lindos cabelos. Mas essa merda chamada amor entrou na minha vida e me desestabilizou. Se não fosse o Snape, talvez eu estivesse nas nuvens, feliz, mas faço tudo errado. Até me apaixonar eu me apaixono pela pessoa errada. Merda!
Mas em fim, chega de divagações. Eu estava a caminho da sala de Poções. Harry não freqüentava todas as aulas; ele tinha uns acertos meio diferentes com Dumbledore e só via metade das aulas. Naquele dia especificamente eu ia sozinha para a sala. Entrei e sentei-me no fundo, como havia se tornado meu hábito. Os alunos começavam a chegar e Snape já estava sentado à mesa, olhando umas redações de alguma turma.
A aula, como tinham poucos alunos freqüentando Poções, reunia alunos de todas as casas, e a sala tinha uns vinte alunos. Eu costumava ser a melhor, mas havia uma mudança: eu já não me esforçava para ser notada. Queria só ficar no meu canto, fazer as minhas poções, entregá-las, conseguir minha nota e ir embora. Já não discutia. Se Snape quisesse me dar sete, que desse. Isso fora estranho no começo, mas fazia cinco meses do início das aulas, portanto todos já haviam se habituado.
De súbito, Snape caminhou naquele passo dele até o fundo da sala e fechou a porta. Caminhou lentamente e posso jurar que olhava para mim, mas não tenho certeza total porque eu me habituara a manter a cabeça baixa e apenas ouvir enquanto ele explicava. A voz dele era a única coisa que eu me permitia ouvir com tranqüilidade, pelo menos quando ele explicava alguma matéria.
Ele foi para a frente da sala e explicou rapidamente as teorias básicas da Veritaserum, e disse que nós começaríamos a fazê-la naquela aula mesmo. Antes, porém, ele perguntou:
- Alguém sabe me dizer qual foi o principal papel dessa poção na guerra?
Ninguém respondeu. Baixei baixou a cabeça, de modo que meus cabelos se fechavam como uma cortina sobre meu rosto, e rezei muito para que alguém respondesse, se não viria mais uma sessão de humilhações. Eu não sabia como conseguia agüentar.
- Bem, bem, parece que ninguém sabe – disse ele, com sua voz letal. Aquela voz que eu tanto desejava ouvir conversar comigo, nem que fosse só sobre o tempo, ou qualquer coisa que não fosse me agredir. – Estranho, achei que era só um papel, mas parece que a nossa cara srta. Granger não quer mais ser notada. Isso deve ser um problema para alguém tão orgulhosa. Decidi que devemos discutir esse problema em sala, certo? Afinal, seus colegas poderiam ajudar.
A voz dele saíra extremamente irônica; Draco Malfoy e companhia limitada gargalharam. Eu sabia que se respondesse seria pior. O jeito era esperar. Os próximos quinze minutos seriam a dose de minha tortura diária. A tortura que eu repassaria de noite na minha cabeça, e que me levaria a uma sessão de umas duas horas de lágrimas.
- Mas você não responde, Granger! Como poderemos saber como ajudar se você não quer ser ajudada?
Eu podia pensar em mil respostas, uma mais grossa que a outra, mas seria pior para mim. Por isso, tratei de continuar calada, de cabeça baixa.
- Srta. Granger, olhe para mim enquanto falo com você – disse ele, de um modo que eu nunca tinha ouvido. Muito mais grosso que de costume.
Obedeci. Tenho consciência de que a minha cara estava horrível, como eu toda, mas isso não me importava. Quando não se tem esperanças, o pouco fio de vida morre.
- E então? O que há de errado com a nobre srta. Granger? – insistiu ele, com um sorrisinho sarcástico dos mais cruéis.
Não respondi logo, mas ele pareceu se irritar com isso, portanto, na voz mais submissa que alcancei, respondi:
- Estou bem, professor.
- Você não parece bem – disse ele, o mesmo ar superior, que quase me levou às lágrimas, mas consegui mandá-las de volta.
- Estou bem , professor – repeti.
- Então responda à pergunta que fiz. Qual a principal função da Veritaserum na guerra?
Eu respirei fundo.
- Saber que comensais eram fiéis a Voldemort, a fim de não cometer execuções injustas – disse, com a voz quase sumindo.
Snape nada disse; apenas mandou os alunos começarem a seguir as instruções. Peguei meus ingredientes e comecei a fazer o que fora mandado. Sem olhar em volta, sem reparar em nada. Quanto mais cedo eu terminasse, mais cedo eu poderia ir.
Só que não sei o que deu em mim. Enquanto eu cortava ingredientes, minha mão ficou meio mole, a faca fez um rasgo no meu punho. No começo ninguém viu, e eu mesma estava meio em estado de transe; não reparei muito. A dor mesmo não me importava. Minha mente repassava furiosamente o diálogo.
Snape estava à sua mesa; nem via os alunos. Até que um grito fez todos olharem para mim:
- Professor, olhe a Granger! – era a Amanda Bonés, da Lufa-Lufa.
A sala inteira olhou para mim, e só então eu percebi o quanto eu estava sangrando. O corte devia ter uns cinco, seis centímetros, e sangrava muito, fazendo uma poça na minha bancada. Os ingredientes estavam inutilizados. Pela primeira vez na minha vida, quando ergui o olhar, vi um Snape preocupado, sem nenhum traço de desdém.
- Mas o que você fez aqui, Granger? – esbravejou ele, recuperando-se rápido, voltando ao tom normal, enquanto abria caminho entre as bancadas até chegar a mim.
Não respondi. Estava num estado em que ouvia, mas tão avoada que não chegava a processar informações e não respondia.
Ele aproximou-se às pressas e a última coisa de que me lembro é que tudo ficou muito escuro de repente.
Quando acordei, estava na ala hospitalar, deitada numa cama, com vestes de hospital. Dumbledore conversava com Snape e McGonagall a um canto, junto a madame Pomfrey.
Quando abri meus olhos, a vice-diretora aproximou-se correndo e sentou-se a meu lado na cama. Pegou a minha mão e, com aquele ar maternal que ela só tinha para mim, perguntou:
- Você está bem, minha querida?
Não respondi. Não estava assumindo o total controle das minhas palavras ainda.
- O que foi que aconteceu? – perguntou ela gentilmente.
- Eu... eu não sei – respondi. – Sei que me cortei... Mas não senti... Nem reparei...
- O cúmulo da distração – vociferou Snape com os dentes cerrados. Meus olhos voaram rapidamente para ele, mas logo voltaram à vice-diretora.
- Severo, é muito estranho que uma aluna faça um corte desses no braço e não sinta! – disse Dumbledore daquele jeito dele. – Até porque você disse que viu fazer o corte, não é srta. Granger?
Fiz que sim com a cabeça.
- Não sei o que deu em mim – murmurei com cuidado. – Devo ter causado muita preocupação, me desculpem, senhores. Prometo que isso não acontecerá mais e...
- É claro que não – cortou Snape. – Está proibida de entrar na minha sala até aprender a se concentrar no que faz.
Eles acharam que eu retrucaria, mas eu apenas disse:
- Sim, senhor.
Eles se entreolharam, quando madame Pomfrey aproximou-se.
- Acho bom que ela ouça. Fiz uns estudos e anotações... Faz uns quatro meses que venho observando esta mocinha aqui... Aqui estão umas anotações e o resultado dos exames que fiz – ela parecia muito preocupada. – A srta. Granger está com um quadro de anemia profunda. Caso de internação. Por isso a demora em responder às poções de cicatrização. Ela perdeu muito sangue, para alguém com esse grau de anemia devia ter sido fatal. E... – ela olhou para mim e acrescentou: – Ela está com depressão.
- Frescura adolescente – resmungou Snape.
- Não – disse Poppy firmemente. – Isso é médico. A imunidade dela tende a baixar. Ela tem dois problemas que já são muito perigosos isolados; juntos... Céus, Alvo, eu sei que ela tem NIEMs, mas aconselho St. Mungus o mais rápido possível.
Os professores se entreolharam. Pela primeira vez em meses, retruquei.
- Senhores... – eles olharam para mim. – Me desculpem, mas.. eu não quero ir... Isso tudo que a madame Pomfrey disse significa que vou morrer, não? Bom, não se achem culpados, eu... só quero ficar em paz.
Eles, com exceção de Snape, pareciam escandalizados. Tentei me levantar, mas Poppy me segurou.
- Querida, você não tem forças nem para andar. O que comeu na sua última refeição?
Fechei os olhos. Eu não sabia a última vez que havia comido. Foi quando Harry entrou correndo na ala hospitalar, meio que gritando:
- Faz duas semanas que ela não come nada!
- Mas o que há de errado com você, srta. Granger? – perguntou Dumbledore. – Tenho observado você mais tristonha, mas não pensei que o caso fosse tão grave... O que houve?
Harry parecia furioso, e apontou Snape com expressão de ódio:
- Ele! Ele é o que há de errado! Está fazendo da vida dela um inferno desde que ela voltou a Hogwarts! Não há uma só aula em que ele não use uns quinze ou vinte minutos numa calorosa sessão de humilhações!
- Harry... – murmurei, tentando interrompê-lo.
Mas ele não me ouviu.
- Porque a Mione é a mais inteligente e é da Grifinória!
- Harry...
- Porque ela me ajudou muito durante a guerra! Porque ela salvou...
- Harry James Potter! – gritei não sei com que forças. Todos olharam para mim. – Obrigada pela defesa, mas não pedi a sua ajuda. Se eu quisesse fazer alguma queixa, já teria feita eu mesma.
Harry me olhou entre magoado e confuso. Snape... não me atrevi a olhar para ele, mas eu encontraria uma expressão de ódio, levando-se em conta o ar sério de Dumbledore e de McGonagall...
- Severo... – começou Dumbledore.
- Olha, Dumbledore, nunca foi minha intenção... – começou ele, mas eu interrompi.
- Não usem um bode expiatório – eu disse, minha voz mal saindo, mas o suficiente para eles ouvirem e se voltarem para mim. – Eu estou assim há cinco meses e só agora que estou à beira da morte vocês me vêm com essa falsa preocupação moral. O professor Snape faz da minha vida um inferno desde que cheguei a Hogwarts, isso não mudou. O problema é comigo, só comigo. Ou seja, eu morro e tudo se resolve. É simples. Agora parem com essa discussão estúpida, que estou ficando com dor de cabeça.
Sei que fui grossa. Provavelmente magoei meus amigos. Mas eu vi a morte como uma formidável saída para todo aquele inferno em que eu vivia.
- Uma menina tão cheia de sonhos... tão cheia de virtudes, coisas para mostrar... Tanta inteligência... – disse Dumbledore, olhando para mim com um carinho paternal. – O que leva uma jovem tão formidável a desistir de tudo assim?
Senti lágrimas enchendo meus olhos e vi Dumbledore olhar para dentro deles com firmeza. Desviei o olhar.
- Sou uma boa oclumente, professor, mas sem a minha varinha estou inútil. Não jogue sujo assim – murmurei. – Harry, obrigada por ter vindo, mas eu quero ficar sozinha. Professora, a sua preocupação é muito importante para mim, mas eu não quero nada disso. Madame Pomfrey, não duvido da sua capacidade de avaliação, mas estou viva ainda, depois desses meses de aula... Vou sobreviver ainda o bastante para terminar meu 7º ano. Agora, alguém me traga um livro... Tenho que ler alguma coisa...
Não dirigi palavra a Snape, sequer olhei para ele. Harry disse:
- Não. Professor Dumbledore, ela está obsessiva por estudo, só para fugir de tudo! Ela não come, não dorme, não faz nada!
Dumbledore assentiu.
- Poppy, vou desobedecer você. Quero tirar a srta. Granger daqui... Vamos passear pelos jardins?
Eu não tinha ânimo para nada, nem para discutir. Poppy reclamou muito, mas ajudou-me a levantar.
- Vamos conversar – disse o diretor. – Mas antes de tudo quero pedir desculpas por ter me preocupado com você menos do que devia e menos do que você merecia.
Ensaiei um sorriso. Minhas pernas tremiam muito; sentei-me na cama.
- Acho... acho que vou descansar um pouco... Até ter firmeza nas pernas – eu disse, muito sem graça.
Dumbledore assentiu e disse:
- Depois do almoço, então.
Eu disse que sim e deitei-me na cama outra vez.
- Severo, na minha sala – disse o diretor, com uma voz séria demais para o velho Dumbie.
Vi Snape me lançar um olhar furioso, e lágrimas me vieram aos olhos.
Não sei quanto tempo fiquei ali, à toa, esperando. Até que as portas da enfermaria se abriram. Eu esperava ver Dumbledore, mas foi Snape que entrou. Uma entrada clássica; a capa farfalhando às suas costas. Lembro-me que tive um sobressalto e caí da cama. Foi um ato-reflexo, nada consciente. Quando dei por mim, estava já encostada na parede, tentando me levantar e olhando para ele com ar de criança assustada. Sim, Hermione Granger estava com medo!
Ele parou ao ver minha reação e fez que não com a cabeça.
- Srta. Granger, o que acha que vou fazer? – perguntou ele, mas num tom bem ameno, muito diferente do desdém habitual.
- Eu... eu não tenho certeza – murmurei envergonhada por ter reagido de modo tão infantil. – O senhor entrou de um jeito... eu me assustei e...
Suspirei e baixei os olhos. Não conseguia continuar. Não conseguia falar diante dele, não queria me arriscar a falar algo que me comprometesse.
Ele aproximou-se mais, e ficou incrivelmente mais alto quando estava em pé à minha frente, eu meio jogada no chão. Parecia indeciso, mas estendeu a mão para mim.
- Vamos. Levante-se.
Minhas mãos tremiam muito quando estendi uma delas para ele. Ele pareceu achar que eu ia quebrar se me puxasse assim. Abaixou-se e envolveu uma das mãos na minha cintura e puxou-me até me fazer ficar em pé. Não posso descrever o que senti com palavras. Achei que, se morresse naquele momento, teria uma bela lembrança para levar comigo. Mas ele logo me soltou.
Cambaleei e me apoiei na cama, então me sentei e olhei para ele.
- Onde... onde está o professor Dumbledore? – perguntei com a cabeça baixa, e meus cabelos fecharam uma cortina sobre meu rosto.
Eu sentia o olhar dele cravado em mim. Era muito desconfortável.
- Está na sala dele, conversando com a professora McGonagall para decidir se continuo ou não no corpo docente do colégio – respondeu ele simplesmente.
Suspirei. Em fim, compreendi o que ele estava fazendo ali.
- Sinto muito, senhor, eu não pretendia... Foi mesmo uma distração idiota da minha parte... Eu...
Algumas lágrimas vieram aos meus olhos. Ele me humilhava, mas eu ainda o amava. Quando não se dirigia a mim, eu apenas o admirava, sem saber o que dizer, mas era um momento de felicidade interna. Ele iria embora?
- Srta. Granger, eu não estou aqui para obrigar você a dizer a eles que não tenho nada a ver com o seu atual estado, como acho que você está supondo – disse ele.
- Não? – perguntei, ainda com a cabeça baixa.
Eu o ouvi suspirar.
- É... – eu NUNCA o tinha visto gaguejar, mas ele parecia sem palavras agora. – É por causa de... de mim que você está assim? Das coisas que digo em sala...?
Minhas lágrimas traiçoeiras vieram com força e inundaram meu rosto, mas meus cabelos ainda cobriam tudo da visão dele. Eu não confiava na minha voz. Não imagino o que se passava na cabeça dele, se estava com ódio de mim por sua provável saída de Hogwarts. Era o único lugar onde ele tinha o mais próximo de amigos na vida, eu sabia disso.
- Srta. Granger, olhe para mim quando falo com você! – ele parecia ter se irritado, e só agora eu havia me dado conta do quanto ele havia se aproximado. Chegou a sentar-se na beirada da cama. E olhava para mim.
- Estou bem assim, professor – eu disse com o máximo respeito que pude reunir, mas minha voz me traiu. Qualquer pessoa desatenta saberia que eu estava chorando, ainda mais alguém que estivesse prestando total atenção em mim, como era o caso dele.
- Olhe para mim, srta. Granger – a voz dele veio tão leve, tão diferente, tão sem sarcasmo e crueldade, tão com um quase arrependimento, que acabei erguendo o olhar para ele.
Imagino que eu estava absurdamente feia. Meus olhos deviam estar vermelhos, porque as lágrimas não cessavam. Minhas olheiras deveriam estar mais acentuadas. O olhar que encontrei nele era diferente de tudo o que eu já havia visto. Era algo... não sei dizer, mas não tinha a raiva que eu havia imaginado. Ele ergueu a mão para meu rosto, mas no instante seguinte pareceu arrepender-se e baixou-a de novo antes de me tocar.
- Srta. Granger, eu... Faz mesmo duas semanas que você não aparece no salão principal para comer, eu já havia reparado nisso, mas achei que você fosse inteligente o bastante para ir à cozinha.
Não respondi. Desviei o olhar, porque aqueles olhos negros estudavam o fundo dos meus.
- Não imaginei que você não comeu nada durante todo esse tempo. Também percebi que você anda me evitando...
Desviei os olhos para os dele, mas foi muito rápido. Eu olhava para o chão enquanto eu o ouvia falar e minhas lágrimas insistiam mais e cada vez desciam em maior quantidade.
- Você anda me evitando, porque só a vejo na sala de aula, durante as minhas aulas. Nos lugares comuns, onde supostamente deveríamos estar ao mesmo tempo, você nunca aprece. Não vai ver o santo Potter jogar quadribol, não aparece nas festas, não apareceu nos banquetes nem de Natal nem de Ano Novo, nem na festa de Dia das Bruxas. Não aparece para comer e, quando o faz, não come e vai embora logo. Na sala de aula esforça-se para não ser notada, embora só na minha sala fique no fundo. É por minha causa que você não aparece em lugares onde supostamente deveríamos nos encontrar?
Suspirei, ainda olhando para o chão. As lágrimas caíam em abundância.
- Professor, eu apenas não faço questão que todos me vejam – murmurei e, sem saber por quê, acrescentei: – agora que estou horrorosa.
Ele não sorriu. Se a situação fosse outra, talvez o comentário fosse engraçado, mas não era.
- Granger, se você começar a mentir para mim, vou usar legilimência em você, e acho que você não quer isso – ele ameaçou, mas no mesmo tom ameno.
Enchi os pulmões e olhei para ele.
- Seria mais fácil, mas eu provavelmente beberia uma boa dose de cianureto se o senhor fizesse isso – os olhos dele se arregalaram em espanto. – Não, não estou brincando. Pergunte pra madame Pomfrey: pessoas depressivas têm muita facilidade em tirar a própria vida. O senhor quer a verdade? Bom, está bem. Já que eu vou morrer e o senhor vai sair de Hogwarts, parece que não tem problema nenhum. O que o senhor acha? Acha que as pessoas gostam de ser humilhadas? Acha que eu gosto de ser humilhada? O que o senhor pensaria se estivesse na minha situação? Sem ninguém no mundo. Uma aluna idiota, num mundo idiota de pessoas idiotas, que não serve para nada além de trazer preocupações para o único amigo que realmente lhe dá algum valor? E depois ainda magoá-lo para defender o pior demônio de sua vida? Olha, professor, desculpe pelo aposto, mas é isso que o senhor é para mim. Quantos pontos vai tirar da Grifinória? Tire todos. Já não me importo.
Snape suspirou; desviei o olhar, agora com medo da reação dele.
- Não pensei que minhas palavras pudessem... fazer isso com alguém... Nem Longbottom levava muito a sério o que eu dizia... – ele parecia mesmo confuso.
Claro, seu idiota, Neville não amava você acima de todas as coisas, pensei. Suspirei outra vez.
- Professor, o senhor está mentindo, ou para mim ou para si mesmo – eu disse e foi a vez dele me olhar, um pouco surpreso. – É claro que o senhor sabe o que suas palavras podem fazer, tanto é que o senhor escolhe cada palavra cuidadosamente para me ferir. Observe minhas olheiras e vai ver o quanto fundo elas me atingem. O senhor sabe disso muito bem. Está aqui para fazer uma média com o Dumbledore, não é? Algo do tipo: estou muito arrependido pelo que fiz.
Nem assim encontrei ódio no olhar dele, mas não o encarei por muito tempo.
- Granger, eu não preciso fazer média com ninguém. Dumbledore já me tirou do corpo docente de Hogwarts, eu menti para você. Eles não estão decidindo nada, estão aprontando os papéis.
Entrei em choque. Não sei o que seria pior na minha vida: viver perto dele sob constantes humilhações ou viver longe dele?
AEWWWWWWWWWW
QUEM GOSTOU LEVANTA A MÃO!!!
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