REI E PRÍNCIPE
CAPÍTULO 6:
REI E PRÍNCIPE
- Kay, olhe aquilo!
Kay Patrick Monmouth, segundo filho varão do Barão de Woodcroft, afastou os cabelos claros da fronte, enquanto endireitava-se para seguir com os olhos a direção indicada pelo amigo.
- Caled, nunca terminaremos este piso se ficares... Por Cérbero e seu portão! O que?...
Os rapazes observaram intrigados a cena que se desenrolava entre dois de seus mestres e a recém chegada Lady Ravenclaw. Bem como a participação mais que surpreendente de um belo Falcão das Neves, que agora batia as enormes asas ameaçadoramente próximas à cabeça de Salazar Slytherin.
- Se ninguém agir, aquele belo animal terá seus momentos contados... – Sussurrou com pesar Caled, imaginando quais feitiços a Serpente dos Brejais utilizaria para tal fim.
Antes que Kay pudesse concordar com ele, viram Lady Helga avançar e pousar os dedos da mão direita sobre o braço erguido de Salazar, enquanto dizia algo em voz baixa para ele. Ao mesmo tempo, a misteriosa lady Rowena assoviava alto e brevemente, levando com tal sinal o falcão para junto de si.
- Cheguemos mais perto! Talvez consigamos escutar o que se passa... Tyl está lá, com eles. Vamos até ela! – Declarou Caled, já caminhando rápida e discretamente pela borda das tendas.
- Como se precisasse de tal argumento para procurar a companhia de Noir... - Disse astutamente Kay, acompanhando-o de perto.
- Duas coisas, Monmouth: não sei do que falas, e ela não gosta de ser chamada assim!
Kay sufocou a risada franca que lhe subia do peito, já que haviam se aproximado bastante do estranho grupo e logo se encontravam ao lado de Tyl Adele Noir, que ergueu-lhes um dedo aos lábios, pedindo silêncio. Os cabelos escuros e olhos cinzentos eram idênticos ao do irmão, mas seu comportamento em tudo a diferenciava dele.
- Já gosto dessa Ravenclaw!- Sussurrou ela, os olhos brilhando divertidos. – Fala de igual para igual com Lord Slytherin!
De fato...
- Peço desculpas se Gibbor o assustou, milord! Mas é uma criatura dedicada a mim, e reage se sentir qualquer tipo de antagonismo... –Explicou Rowena, colocando uma pequena máscara de couro sobre os olhos amarelos de Gibbor, que acomodou-se quieto em seu braço.
- Antagonismo? Mas que exagero!... Apenas fiz uma observação, guiado pela minha curiosidade. - Respondeu Salazar, que tinha os pés separados e as mãos juntas às costas, numa atitude pretensamente relaxada. Havia recolhido a varinha após o aviso de Helga de que Gibbor apenas defendia a dona e não merecia castigo.
- Foram tua postura e movimentos que despertaram a suspeita da ave, Salazar. E não tuas palavras. O que acontece contigo, afinal? Onde estão teus bons modos hoje? – Concluiu Helga, olhando-o contrafeita.
Os olhos de Salazar luziram duramente em direção às mulheres, e por alguns momentos a tensão reverberou pelo ar. Entretanto, com um suspiro profundo, Salazar relaxou os ombros e exibiu um meio sorriso arrependido, enquanto curvava o corpo em discreta reverência.
- Percebo que não agradei às damas, e por tal feito devo desculpas. Só posso usar em minha defesa e justificativa o fato de que tais tempos nos tornam assaz desconfiados e arredios... Queira perdoar-me, milady Ravenclaw! Não é minha intenção fazê-la sentir-se mal vinda. E tão pouco à magnífica ave que traz consigo! Se me permitires...
Sacudiu a varinha e com isso trouxe até suas mãos um galho de árvore, leve, mas de bom comprimento, que a ventania da noite deveria ter trazido da floresta até o pátio das tendas. Girando mais algumas vezes a varinha, fez o galho retorcer-se e girar, a madeira ganhando brilho e textura de metal, até surgir diante de Rowena um belo poleiro, alto e largo o suficiente para acomodar confortavelmente o grande falcão. O pé era de prata trabalhada, os desenhos mostrando corpos de serpentes que se enrodilhavam de baixo para cima, até suas cabeças estreitas encontrarem a haste horizontal lisa, circular e larga, do tamanho exato para as garras de Gibbor.
- Um presente para desfazer qualquer má impressão que, com meu imperdoável mau jeito, deixei na senhora!
Como amante das artes e principalmente da arte da transfiguração, Rowena admirou o belo trabalho na prata polida. Agradeceu o presente discretamente, mas, com visível prazer.
- Não era preciso tanto, milord. – Disse, ajeitando Gibbor em seu pedestal.
- Ah, é necessário! Com certeza, é... E para você, minha doce Helga, pelo desconforto que lhe causei... – Dessa vez, saíram da varinha uma infinidade de pequenas flores amarelas, que caíram em buquê perfumado aos pés de Helga. – Será que poderei ser perdoado? – Indagou com nova reverência, encarando uma após outra com os olhos cinzentos brilhando.
Rowena baixou a cabeça em aquiescência e Helga limitou-se a encará-lo, segurando as flores junto ao peito. Uma ruga formou-se entre as sobrancelhas claras e uma interrogação brilhou nos olhos verdes.
- Acredito que Lady Ravenclaw ainda não tenha tido oportunidade de conhecer melhor nossos domínios, estou certo? Posso ter a honra de ser seu cicerone na primeira exploração, milady?
Helga antecipou-se na resposta.
- Rowena ainda se recupera, Salazar. Acredito que já tivemos bastantes emoções para esse dia! Amanhã poderás mostrar teus domínios com calma, sem fatigar minha amiga...
- Realmente, Gibbor acaba de chegar com minhas coisas, e gostaria de me retirar para ajeitá-las.
Se Salazar ficou desconcertado, disfarçou muito bem.
- Claro, é compreensível! Ela ficará contigo em teus aposentos, Helga? Podemos providenciar acomodações rapidamente, se preferir ficar só...
- Godric deixou instruções para que ela permanecesse na tenda dele, Salazar. Não há sentido em providenciar outra, se ele não deve voltar até nossos aposentos no castelo estarem concluídos.
- Isso é bastante incomum, mas... Se Lady Rowena nada tem a opor, que seja feito à maneira de Godric.
Rowena lembrou-se da sensação de segurança e do conforto do leito de peles, na tenda às suas costas.
- Eu não me oponho, em absoluto...
- Então, vou deixar as damas e voltar aos trabalhos na construção. Desejo-lhe um bom descanso, milady Ravenclaw! Pode deixar que Cygni levará seu pássaro para seus aposentos... – O rapaz, que andava por ali, correu a atender a ordem de Salazar, pressuroso.
- Obrigada novamente pelo presente, Lord Slytherin!
Salazar sorriu de canto.
- Foi um prazer!... Milady! Helga!
E com um aceno, se foi.
- Bem, - disse Caled, voltando com os amigos para os degraus de pedra onde ele e Kay trabalhavam – Lord Slytherin mudou um tanto bruscamente de atitude, não acham?
- Eu queria ter presenciado o início da conversa. – Respondeu Kay, ensimesmado. – Assim teríamos algumas respostas quanto a Lady Ravenclaw, talvez... Pelo que vimos, ela é interessante o suficiente para Slytherin preferi-la como aliada.
- Tudo que precisamos saber é que Lady Helga a trouxe, e Lord Gryffindor acolheu-a, nada mais. – Tyl não parecia tão intrigada quanto seus amigos. – Além do mais, todos nós sabemos que a movimentação desta manhã não foi culpa dela...
- Cuidado, Tyl! Até o menor pedaço de grama por aqui pode ter ouvidos. Cuidado com quem acusas! – Aconselhou Kay, relanceando os olhos pelos colegas ao redor, entre eles Cygni Noir. A moça acompanhou o olhar e fez uma careta de desgosto ao encontrar o semblante presunçoso do irmão.
- Pois eu digo, - atalhou, baixando a voz – que somente uma causa muda implicância para afabilidade regada a presentes, de maneira tão rápida: culpa.
- Pode ser interesse também. – Opinou Caled, que até ali escutara calado, assentando as lajotas com floreios da varinha. Entre uma e outra pedra, olhou para onde Lord Slytherin sumia dentre as paredes recém construídas, acompanhado de Mutombo, a capa verde esvoaçando às suas costas e a cabeça erguida orgulhosamente. - Há algum tempo tenho tido pressentimentos indigestos... Não sei por que, ou por quem, mas gostaria que Lord Gryffindor não se demorasse na viagem.
==*==
- Bram, diga logo o que está te incomodando! Passaste todo o dia cavalgando com este osso atravessado na garganta...
O rapaz jogou mais um pedaço de lenha na fogueira, antes de encarar seu comandante.
- Estou pensando se está tudo bem em casa, senhor.
Godric sorriu ao ouvir o “em casa”. Era bom saber que Bram finalmente encontrara uma. Entretanto, relutou em admitir para seu escudeiro que a sombra da dúvida escurecera o sol durante todo o dia para ele também.
- Eu coloquei feitiços potentes e olhos de confiança para cuidarem do lugar, Bram. Acredito que tudo estará bem até voltarmos. Devias descansar agora, porque a estrada será longa amanhã.
O rapaz assentiu, e ajeitou-se entre os cobertores para dormir. Godric permaneceu acordado, observando os poucos movimentos de seus homens através da luz bruxuleante da fogueira.
Haviam escolhido uma área de grama rasteira, cercada por olmos centenários de grossos troncos, que lhes ofereciam um pouco de proteção. Tanto da ventania constante quanto de olhares curiosos e indesejados que cruzassem a estrada próxima.
A noite sem lua estava fria e agourenta. Não era de se admirar o humor preocupado de Bram, já que os homens sentiam o clima pesado e andavam cabisbaixos e silenciosos, ao contrário da cantoria habitual da primeira noite de viagem. Entre eles haviam bruxos e comuns, todos valorosos e hábeis, mas talvez apenas Godric conseguisse distinguir o que deixava o ar tão pesado, os corações tão oprimidos.
Depois de algum tempo observando as chamas, levantou-se, decidido a caminhar entres seus homens e aplacar-lhes a ansiedade com palavras confortadoras. Talvez escutá-las em voz alta também calasse o aviso que perturbava seus sentidos há várias horas.
Em algum lugar muito perto deles, magia negra ou matança estavam acontecendo. Provavelmente as duas.
A manhã seguinte veio coberta pela neblina compacta que caracteriza aquela região, e que os acompanhou pelos três dias e noites seguintes. A comitiva avançava lentamente, pois o terreno lamacento era traiçoeiro, e Godric não queria arriscar os cavalos em valas ou buracos do caminho. Foi com alívio que avistaram as primeiras bandeiras com o selo real, que surgiam dentre as árvores, anunciando a aproximação do acampamento de Donald II.
A sentinela, ao reconhecer a bandeira onde um leão vermelho refulgia contra o dourado, soou a trombeta e anunciou em altos brados.
- Eis que chega o Leão de Gryffindor!
O alerta foi repetido e propagou-se entre as várias companhias que ali já se encontravam. Capitães e homens aproximaram-se do caminho que cortava o acampamento, saudando a passagem de Gryffindor e seus homens batendo com as espadas e lanças nos escudos ou no chão.
Godric respondia com o mesmo movimento, retrucando aqui e ali aos cumprimentos alegres e por vezes brincalhões que os homens lhe lançavam. Atrás dele, várias filas compostas de um escudeiro, um espadachim e dois arqueiros cada, espalhavam-se pela trilha, todos eles com as cores vermelho e dourado nos escudos e flâmulas. A seu lado direito vinha Ian Huntley, um comum de respostas tão rápidas quanto sua espada, e considerado seu braço direito na batalha. No esquerdo, onde geralmente Salazar era visto, agora estava Bram, austero e atento.
Era esse o quadro que Donald e seu sobrinho e herdeiro, Douglas Alpin, assistiam na varanda coberta da tenda real. A tensão no sobrinho era tão grande, que mesmo o rei bonachão percebeu-a.
- Aquieta-te, Douglas. Se queres a lealdade dos soldados, trata de se entender com Gryffindor!
O mais novo ergueu ao máximo os ombros magros e encurvados, estufando o peito.
- Um rei não precisa adular um desses... feiticeiros, para ter a lealdade de quem quer que seja. Eles ma darão, nem que seja pela força!...Não precisas dele tio, eu dou fim aos invasores para o senhor!
- Silêncio, idiota! – Cortou Donald - Quantas vezes preciso avisar-lhe que a condição de Godric é segredo! Serás um rei bem obtuso se não abrir estas orelhas para o que é sábio fazer!...Ah, como me arrependo do dia em que te contei!
Douglas fechou o cenho e enrugou a boca sobre o queixo fino, amuado. Uma única olhada para tal careta trouxe a certeza, para Godric, de que ele era o assunto entre tio e sobrinho. Chegando a frente deles, desmontou Molnia e curvou-se em reverência diante do rei.
- Ah, meu caro Gryffindor, levanta-te e me dê a mão, como amigos que somos! Não sabes a alegria e alívio que sinto em ver-te entre meu exército, mais uma vez!
- Majestade! – Saudou-o Godric, trocando um vigoroso aperto de mãos com Donald, que o puxou para o forte e breve abraço, típico entre companheiros de armas. O roliço rei era bondoso, à sua maneira, mas um tanto inconstante. Entretanto, sempre fora amigável e correto com Godric e Salazar. Tanto por afinidade quanto por necessidade.
- Venha, venha amigo! Deves estar exausto da jornada... Dispensa teus homens para descansarem também e vem comigo, cear!
Godric acenou para Ian e Bram, que partiram com a companhia atrás de um bom local para alojarem-se, e seguiu o rei para dentro da ampla e confortável tenda. Na porta, cruzou com o príncipe Douglas, que continuava com o semblante carregado de mágoa.
- Alteza! – Cumprimentou com um curto aceno de cabeça. O outro apenas grunhiu em resposta.
Nem bem suas vistas haviam se acostumado com a penumbra no lado de dentro, foi envolvido por um perfume exótico e por braços finos e macios que enrodilharam seu pescoço. Uma cabeleira dourada entrou em seu campo de visão segundos antes de lábios suaves alcançarem os seus.
- Há quanto tempo, Leão! – Ronronou ela contra seu queixo – Não sentistes minha falta, também?...
N/B: Oiiii!! Demorou, mas veio maravilhoso, não é? Eu achei a primeira parte digna de obras de grande, mas grande fôlego mesmo. Ver os protagonistas pelo olhar dos personagens secundários tem a estrutura de uma narrativa de gênio. Agora, vocês não acham que o projetinho de rei vai dar problema? Hummmm, não gostei não. E quem é a bisca loira???? Aiiii... mulher, não nos mate de curiosidade, viu? Segue escrevendo, loogooooo! Beijo. *Beta sussurra baixinho para leitores* Vocês não imaginam, nem em sonho, as maravilhas que vem por aí, rsrsrs.
N/A: Sally e Morgana, obrigada! Sempre e de novo! Adoro vocês!!!!
Fã clube do GG: Não me lancem azarações, pleaaaaseeee... ;D
Beijos muitos a todos! Fiquem bem e até o próximo!!!
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