Playstation
- Posso falar com você, cara?
Essa foi a primeira coisa que Harry ouviu ao acordar, aquela manhã. Ele piscou, esfregou os olhos e colocou os óculos. Então encarou um Rony de cabelos desgrenhados, sentado em sua cama com uma aparência completamente desolada.
- Que horas são? – Harry disse com a voz abafada.
- É bem cedo, ainda – Rony informou. – Eu sei que eu não devia acordar você a essa hora, mas é que eu realmente preciso falar com alguém... E você é a única pessoa com quem eu sei que posso me abrir.
Harry suspirou.
- Tudo bem. Eu só vou jogar uma água no rosto, e já desço para falar com você.
Rony concordou com um aceno de cabeça, e Harry cambaleou até o banheiro. Ligou o registro da torneira, e mergulhou o rosto nas mãos em concha cheias de água. Esfregou os olhos, e fitou por alguns momentos a sua imagem no espelho. Nada havia mudado desde a última vez em que fizera isso, na manhã passada, mas dessa vez seus olhos pareciam mais escuros do que o normal. Talvez porque não tivera um noite de sono muito tranqüila, mas isso já estava se tornando uma rotina.
Harry voltou para o quarto, e apanhou um casaco qualquer. Então desceu para encontrar Rony. O amigo estava sentado em uma poltrona perto da lareira, observando o fogo com o pensamento perdido em algum lugar distante. Harry aproximou-se e sentou de frente para ele. Rony virou o rosto para encará-lo.
- O que houve? – Harry perguntou.
- Bem, sabe, é meio difícil para mim falar sobre isso com alguém. Mas, sendo você... Acho que vou me sentir um pouco menos patético.
- Ok. Pode me contar, então. Qual é o problema? – Harry indagou.
Agora que a luz do fogo iluminava o rosto de Rony, podia ver que ele estava anormalmente pálido, e que haviam olheiras escuras sobre seus olhos, dando-lhe um ar bastante abatido.
- É a Hermione – Rony disse, desviando os olhos para a lareira. – Cara, ela está muito diferente comigo. Ela... Ela esteve falando em terminar... Eu realmente não sei o que fazer.
Harry olhou para Rony, sentindo-se o maior crápula de todos os tempos. Como poderia aconselhar Rony sobre Hermione, quando estava dando tudo de si para tirá-la dele? Que tipo de amigo ele era, afinal? E o que Rony faria quando soubesse?
- Eu... eu não sei como ajudar, Rony... sinceramente – Harry falou.
- Você já passou por algo assim antes, quer dizer, com a Gina – Rony disse apressadamente. – Você tem alguma experiência com essas coisas.
- É, mas a Gina e a Hermione são duas garotas completamente diferentes – Harry retrucou.
- Mesmo assim – Rony disse. – Eu preciso de um conselho... uma ajuda, qualquer coisa.
- Rony...
- Eu não poderia suportar ficar sem ela – Rony murmurou lentamente. – Quero dizer, eu realmente gosto da Mione. Muito mesmo. Acho que posso até dizer mais, sabe. Acho que eu a amo.
- Amor é uma palavra muito forte, Rony – Harry disse, remexendo-se incomodamente em sua poltrona.
- Eu sei que é – Rony suspirou. – Mas tudo o que nós passamos... eu e ela. Foram tantas coisas, tantos momentos legais. Era praticamente perfeito, Harry. Eu não sei o que está dando errado agora. Não sei como, mas sinto que a estou perdendo.
Harry sentiu que preferia levar uma surra a ter que suportar aquela situação. Estava se sentindo incrivelmente sujo e podre. Rony estava ali, desabafando suas angústias com ele, sem fazer a menor idéia de que estava olhando para o responsável pelos problemas de que se queixava.
- Por que você não tenta conversar com ela? – Harry falou, a garganta seca.
- Já falei – Rony sacudiu a cabeça. – Ontem à noite, depois que você foi dormir. A gente brigou feio. Hermione disse que achava melhor terminarmos, porque já não estava dando certo e... e ela não estava mais certa do que sentia por mim. Você acha que ela gosta de outro?
- É uma coisa complicada de se dizer – Harry gaguejou, mas Rony não estava prestando atenção. Falava mais consigo mesmo do que com Harry, de fato.
- Então eu praticamente implorei. Foi humilhante. Eu implorei para que ela me desse outra chance, e nós poderíamos tentar concertar o que estava errado.
- E ela?
- Ela disse que precisava de tempo. Tempo para pensar. – ele ergueu os olhos para Harry, desconsolado. – Estamos dando um tempo, cara. Você acredita nisso?
- Talvez seja... hum... O melhor a fazer nesse momento – Harry disse, arriscando um sorriso que não foi retribuído.
- Harry, falando sério, que tipo de pessoa pede um tempo? – Rony disse pálido. – É apenas uma desculpa para terminar depois.
- Bem, é o que dizem, mas...
- Ela não pode terminar comigo. Hermione não pode fazer isso, não pode.
Harry não conseguiu pensar em nada para falar em consolo ao amigo. Estava se sentindo incrivelmente péssimo e culpado, e nada do que dissesse intimamente a si mesmo conseguiria aliviar o peso em sua consciência. Aquele era certamente um legítimo momento “Quero Enfiar Minha Cabeça Em Um Buraco e Desaparecer”. Mas, infelizmente, ele não podia fazer isso, e Rony estava ali parado esperando para ouvir uma palavra amiga que levantasse seu astral e lhe desse alguma esperança.
- Rony – Harry disse por fim. – Eu tenho certeza de que tudo vai acabar da melhor maneira possível, e se for mesmo para você e Hermione ficaram juntos – ele sentiu seu estômago revirar -, assim será.
***
As últimas semana antes do Natal passaram numa velocidade surpreendente, e Harry mal teve tempo de estudar para os últimos testes antes do feriado. Quando saiu da sala de aula, na noite de Sábado, tinha a plena sensação de que seu cérebro se esvaziara completamente, e que extraíra todo o seu conteúdo aproveitável naquelas últimas horas.
Rony estava esperando na porta da sala, e Harry foi ao encontro dele assim que o viu. O rapaz parecia cansado e abatido, de modo que Harry deduziu que o amigo provavelmente fora tão bem nos testes quando ele próprio.
- Se eu tirar um “Passável” vou pagar promessa até o final do ano – Rony disse sério. – Vou subir a escadaria da torre Norte vinte vezes por dia de joelhos, e descer plantando bananeira.
Harry deu uma risada, sentindo-se um pouco menos tenso. Mesmo deprimido, Rony conseguia fazer piadas sobre a sua própria desgraça.
- Ao menos não teremos mais provas até a segunda semana depois do Natal – Harry disse com um suspiro aliviado.
- Eh – Rony murmurou. – Só espero que meu cérebro já esteja funcionando normalmente até lá.
Nesse momento, a porta da sala de aula se abriu, e os dois rapazes se viraram para ver quem vinha saindo.
- Hermione – Rony balbuciou rouco.
Harry observou a garota ser cercada por um grupo de alunos desesperados para conferir suas questões em silêncio. Nos últimos dias, Hermione evitara ao máximo a companhia deles – conforme Harry previra que aconteceria. Ela passava algum tempo com Parvati e Lilá, mas em geral estava sozinha. Harry precisava sempre controlar o seu impulso de ir até ela e puxar conversa, pois sabia que era jogo sujo fazer isso quando prometera a ela um tempo para decidir o que fazer com relação a tudo o que estava acontecendo entre eles. Além disso, ele sabia que Mione também estava pensando sobre Rony. E não seria justo se aproximar dela nesse momento, quando o próprio Rony não o estava fazendo.
Mas naquela noite, para a surpresa dele e de Rony – que resmungava coisas sem sentido ao seu lado -, Hermione se aproximou.
- Ei – ela cumprimentou.
- Oi, Mione – Harry disse. Rony, aparentemente, parecia nervoso demais para conseguir dizer alguma coisa.
- Harry, eu poderia dar uma palavrinha com você? – Hermione perguntou, erguendo uma sobrancelha.
- Pode – Harry disse, tão surpreso que demorou a perceber que Rony estava puxando a manga do seu casaco.
- Vejo você depois – ele murmurou, e tentou sem sucesso capturar o olhar de Hermione. Então se afastou bastante desolado pelo corredor.
Harry voltou-se para Hermione. Ela parecia exausta, e a julgar pelo modo como mordiscava seu lábio inferior de cinco em cinco segundos, também estava muito ansiosa. Alguns fios de cabelo caiam sobre seus olhos castanhos, e Harry conteve um impulso de afastá-los com a mão.
- Então... – ele disse, quebrando o silêncio. Isso pareceu despertar Hermione para o que ela viera fazer.
- Como você está? – ela perguntou rapidamente.
- Nada mal – Harry respirou pesadamente. – E você?
- Ok, na medida do possível – Hermione sorriu. – Você já tem planos para o Natal?
Harry fitou Hermione, um pouco confuso.
- Bem... Não. Estou esperando Rony me convidar para passar o Natal na Toca ou coisa do tipo... Mas talvez eu fique em Hogwarts mesmo.
- Você gostaria de passar o feriado comigo? – Hermione perguntou ansiosa.
Harry franziu o cenho.
- Você quer dizer, na sua casa?
- É, pode-se dizer que sim – Hermione deu um meio sorriso. – Meus pais disseram para eu convidar você.
- Entendo – Harry disse lentamente.
Passar o Natal com Hermione? A idéia lhe parecia ao mesmo tempo maravilhosa e aterrorizante. Nunca tivera muito contato com os pais da garota, e agora que a via de uma maneira muito diferente de uma amiga, não tinha certeza se estava pronto para passar alguns dias em companhia deles. Mas – uma vozinha sussurrou em seu ouvido – se Hermione o estava convidando, isso significava que ela queria estar com ele no Natal. E Harry sentia tanta falta dela, que a perspectiva de passar aqueles poucos dias com a garota fazia seu coração dar cambalhotas.
- Eu não quero incomodar ninguém... – Harry disse.
- Oh, francamente, Harry – Hermione falou depressa. – Nós o estamos convidando. E é claro que você não vai incomodar.
Harry pesou a idéia por alguns momentos, e então se decidiu.
- Se é assim, acho que eu vou aceitar o convite.
Hermione sorriu.
- Sério? – e antes que Harry pudesse dizê-lo – Eu sei, eu sei, você sempre fala sério.
Harry empurrou a ponte dos óculos para cima do nariz.
- Você tem Playstation?
- Como?
- Playstation – Harry repetiu. – Meu primo Duda tem um. Às vezes, quando não tem ninguém em casa, eu jogo. Você tem?
- Bom, sinto muito, mas eu não tenho – Hermione disse, e Harry fez uma careta de desapontamento.
- Você não tem Playstation? Acho que vou repensar a minha ida para a sua casa...
Hermione fez uma careta indignada e Harry gargalhou. E, apesar de todos os problemas, ele sentiu-se mais feliz do que estivera nas últimas semanas.
***
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