Aborrecimentos
Depois de tudo o que acontecera naquela última hora, Harry simplesmente não conseguiu dormir novamente. Ficou deitado em sua cama, encarando o teto enquanto seu cérebro trabalhava arduamente revivendo com espantosa clareza a briga que tivera com Rony e Mione no fim da tarde e, mais recentemente, a que tivera com a garota.
Era difícil não pensar nisso quando as palavras de Hermione não paravam de ecoar em sua cabeça.
"Em nome da nossa amizade, eu fingi que estava tudo bem. Então provavelmente você nem imagina quantas noite eu passei chorando, não é? Quantas lágrimas eu derramei enquanto você, Harry, estava muito ocupado olhando para o seu próprio umbigo para perceber!"
Harry revirou-se na cama, incomodado. Ora, como ele podia imaginar que ela estava tão mal assim? Mione era uma excelente atriz, com toda a certeza. Em nenhum momento ela demonstrou sentir qualquer tipo de mágoa com relação ao que acontecera, e fizera isso de uma forma tão perfeita que muitas vezes Harry até se perguntava se aquele beijo não fora apenas um sonho muito real. Então como Mione podia cobrar percepção da parte dele, se ela mesma fizera questão de demonstrar que nada do que acontecera afetara sua amizade?
Mas, pelo visto, afetara.
E se Harry bem conhecia Hermione, ela estivera esperando todo esse tempo por uma oportunidade para despejar em cima dele tudo o que devia estar entalado na garganta dela desde aquele dia fatídico.
O rapaz virou novamente para o lado, e começou a chutar de leve a parede; Rony resmungou, irritado. Com um suspiro, Harry voltou a ficar de barriga para cima. E lá estava o teto outra vez, sorrindo para ele em toda a sua extensão. Era como se seus pensamentos se projetassem nele, como numa tela de cima, tornando ainda mais difícil ignorá-los.
"Ok, já chega" pensou Harry, fechando os olhos firmemente. "Já está absurdamente tarde. Você precisa dormir, ou vai estar um lixo pela manhã". E ele tentou aquela velha estratégia dos trouxas, contar carneirinhos. "Hum... Ovelhas..." Harry pensou, e um sorriso inconsciente se desenhou em seus lábios. Ovelhas lhe lembravam Hermione. É claro que o cabelo dela já não era mais tão cheio ou tão revolto quanto quando tinha os seus 11, 12 anos. Mas os definidos cachos saltitantes que ela agora exibia aumentavam ainda mais a semelhança natural que ela já tinha com uma ovelhinha. Isso era decididamente meigo...
"Seu estúpido. Pense em outra coisa. Trasgos de saia pulando a cerca. É, isso parece ótimo. Um... dois... três..."
Lá estava o rosto de Hermione, tão próximo. E aquele sorriso maroto que só ela sabia dar. Estavam no salão de inverno de Hogwarts, que estava estranhamente decorado como a sala dos Weasley.
- Você é tão bobo, Harry Potter! - ela exclamou, empurrando-o para uma poltrona.
- Harry James - corrigiu Harry, como se aquilo fosse realmente importante. Mione estava em cima dele, o rosto muito colado no seu; Os narizes roçando.
- Harry James Potter - ela repetiu entre beijinhos. Então ele a derrubou na cadeira e beijou-a de maneira intensa.
Harry acordou do devaneio - ou seria sonho? - de um pulo, sobressaltado. Seu coração estava batendo descompassado, e sua boca estava seca. Ele levantou-se, tonto, e cambaleou até o banheiro mais próximo. Jogou uma água no rosto.
Mas que diabos estava acontecendo com ele? Tendo fantasias com a sua melhor amiga que, por acaso, estava namorando o seu também melhor amigo! E, como se não bastasse, ela também estava furiosa com ele por ter levado um fora há menos de um ano atrás. Realmente, aquele não era o melhor momento para se arrepender de ter ignorado de maneira insensível os sentimentos de Hermione.
Bem, é claro, ele não exatamente ignorara. Ficara confuso, simplesmente, pois nunca, jamais em toda a sua vida pensara em Hermione de uma maneira que transpusesse as barreiras da amizade. E de repente ela o estava beijando, e transformando sua cabeça, sua vida e seus sentimentos numa grande bagunça! Certamente, Mione não parara para pensar nisso, parara? E depois era ele quem só conseguia olhar para o próprio umbigo!
Harry praguejou quando ligou o registro do chuveiro e um jato de água fria caiu sobre seu corpo. Como ele realmente não prestara atenção em nada do que a Sra. Weasley dissera, não sabia que aquele banheiro em especial estava com problemas e que deveria usar o de Gina para tomar banho. Mas, mesmo que soubesse, Harry sequer cogitaria entrar no quarto que Gina estava dividindo com Hermione para usar o banheiro.
Em cinco minutos ele tomou seu banho de água gelada, e saiu do banheiro espirrando. Uma gripe era tudo o que ele menos precisava agora, mas como as coisas tinham uma tendência a piorar sempre que ele achava que já tivera o bastante...
Harry vestiu-se procurando fazer o mínimo de barulho possível para não acordar Rony - jeans, camiseta branca e tênis - estava pronto para mais um dia de guerra. Ele não tinha absolutamente nada para fazer no quarto de Rony, de modo que desceu para a cozinha. Para a sua surpresa, descobriu que não fora o única a cair da cama naquela manhã.
- Bom dia! - saudou Gina alegremente.
- Bom dia, Gin - ele disse, distraído, abaixando-se para receber um beijo na bochecha. - O que você está fazendo acordada a essa hora?
- Eu estou fazendo o café, o que você acha? - indagou ela, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo. Harry ergueu uma sobrancelha. - Quando eu acordo cedo, sempre faço o café para a mamãe. - Gina explicou. - E você, caiu da cama?
- Não exatamente - suspirou Harry, apanhando uma jarra em uma prateleira para Gina. - Eu nem dormi direito essa noite.
- É, eu reparei - falou Gina. - Isso tudo é por causa do namoro do Rony e da Mione? - ela brincou. - Dor-de-cotovelo mata, mesmo...
Harry olhou feio para ela, mas não disse nada. Se havia uma coisa que aprendera nos quase quatro meses em que namorara Gina fora a não se abalar com suas brincadeiras, que sempre vinham com alfinetadas disfarçadas. Fora uma relacionamento legal, até o momento em que Gina decidira dar-lhe um pé-na-bunda para ficar com outra pessoa... Mas isso era uma outra história dolorosa em sua vida, e Harry não gostava de pensar muito a respeito. Ao menos ganhara uma boa amiga no final de toda a confusão, e por isso o garoto não se arrependia da decisão que tomara na época.
- Tem alguma coisa no meu nariz ou algo do tipo? - indagou Gina, percebendo que ele a observava fixamente.
- Como? Ah... Não, não.
- Então o que você está olhando? - ela perguntou com um certo ar de desconfiança.
Harry ia começar a explicar a garota que, apesar de estar olhando para ela, ele não estava prestando atenção, mas uma grande coruja amarela entrou voando pela janela da cozinha trazendo a correspondência. Gina correu para examinar o pequeno montinho de cartas.
- Contas, contas, uma carta da tia Marge - mamãe vai adorar essa - e, ah! Uma carta da Luna para mim!
Gina apanhou a carta rapidamente e colocou no bolso, deixando o resto da correspondência empilhada num canto da mesa.
Harry ajudou Gina a colocar a mesa, enquanto ela fritava os ovos com bacon tagarelando qualquer coisa na qual ele não estava prestando atenção. Essa foi uma das primeiras coisas que ele descobriu quando começou a namorar com ela: Rony não estava brincando quando dizia que Gina falava sem parar, ela realmente falava. Às vezes ele apenas desligava e deixava ela falando pelos cotovelos, exatamente como estava fazendo agora.
-... e você não está prestando atenção, para variar - cantarolou Gina, despertando Harry para a realidade.
- Bem, desculpe - disse Harry. - Mas você fala tanto que é difícil se concentrar por mais de cinco minutos.
Gina empertigou-se, parecendo ofendida. Harry deu uma pequena risada, fazendo-a fechar a cara ainda mais.
- No que você está pensando, afinal? Não, não precisa responder. É óbvio. Você está pensando na Hermione - Gina disse melosamente. - Que feio... Ela é comprometida agora.
- Eu não estou pensando na Hermione, por que eu estaria? - perguntou Harry rabugento.
- Porque, de um modo geral, vocês, homens, só dão valor ao sentimento de uma garota quando percebem que a perderam - Gina disse como quem explica a uma criança que dois mais dois é igual a quatro. Harry decididamente odiava quando ela fazia isso.
- Não é verdade! - protestou Harry, indignado.
- O que não é verdade? Que você só está dando valor para a Hermione agora, ou que você a perdeu? - indagou Gina irritante.
- Os... os dois! - resmungou Harry, começando a ficar realmente irritado com aquela conversa. - Eu não quero falar sobre isso, ok?
- Como quiser - disse Gina encolhendo os ombros. - Então eu não vou te contar o que ela disse essa noite, depois que vocês brigaram...
- Ela disse alguma coisa? - perguntou Harry repentinamente interessado.
- Disse. Mas você não está afim de falar sobre isso, certo?
- Ok, ok - exclamou Harry, impaciente. - O que ela disse?
- Que você é um idiota, insensível, convencido, arrogante... O de sempre. - a garota falou displicente - Você gosta dela, não gosta? - perguntou marotamente. - Admita...
- Gina - Harry disse lentamente. - Caso você não tenha reparado, é isso que eu estou tentando descobrir desde que a Hermione me atacou no ano passado!
- Você também estava tentando descobrir isso quando nós estávamos namorando? - perguntou ela com reprovação.
- Não vamos entrar nesse assunto outra vez, está bem? Se um de nós dois teve qualquer tipo de pensamento ou atitude infiel durante o nosso namoro, não fui eu.
Gina revirou os olhos.
- Certo, esqueça. Mas Harry, se você não gosta da Hermione, por quê todo aquele papelão de ontem?
Harry abriu a boca para protestar, mas percebeu que não tinha uma resposta. Ele respirou fundo, afastou os cabelos dos olhos e disse num tom de voz controlado:
- Talvez, só talvez, eu goste um pouco dela.
- Temos um ganhador!
Harry resmungou.
***
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