Único



Aquela era uma quarta-feira quente, decididamente.

Ele odiava o verão, especialmente verões como aquele de 1959. Provavelmente o mais quente da década, ou do século se pudesse prever o futuro.

O sol parecia estar a poucos centímetros de Hants, um condado ao sul da Inglaterra, esquecido em meio a uma imensidão verde e o cálido perfume de madeira.

Apoiou o queixo distraidamente sobre o polegar, o cotovelo direito pousou sobre o braço da poltrona enquanto fingia prestar atenção nas palavras do homem a sua frente.

Cygnus Black, pele morena, olhos negros, sobrancelhas proeminentes e lustrosos cabelos pretos penteados impecavelmente para trás. O “nobre” Cygnus Black. A simples menção dessa palavra, bordada com orgulho em prata na tapeçaria às costas da escrivaninha, causava-lhe asco. Como se algum dia os Black pudessem ser uma família de nobres.

Nunca. Os Black tinham pose, só. E aparentemente estavam ficando sem dinheiro...

Representavam a metáfora da decadência dos puro-sangue.

Era repulsivo.

A cada semana alguma família renomada sucumbia à crise. Os Black eram os próximos, ou deveriam ser.

Mas Cygnus Black, o nobre, era bem relacionado. Tão bem que, quando percebeu que seu precioso sobrenome estava prestes a pertencer à longa lista de falidos da alta sociedade, procurou o velho Lestrange.

Lestrange Sênior, o patriarca detentor de um dos poucos clãs totalmente imunes a qualquer tipo de reconvenção.

Ricos? Mais que isso. O único braço existente da antiga linhagem era reduto de administradores, e inteligentes acima de tudo.

E era justamente em horas como aquela que Rodolphus percebia que a astúcia do pai era assombrosa. Uma velha raposa, como era chamado.

Emprestar dinheiro. Parecia simples.

Mas a maneira com que eles conseguiam deixar um assunto tão interessante, como a quebra de uma das famílias mais influentes da sociedade bruxa européia, tão tedioso era um mistério. Mistério esse que Rodolphus Lestrange não estava nem um pouco interessado em desvendar. Não pela boca do “nobre” Cygnus Black, e decididamente não naquela sala sobre o efeito irrespirável da avassaladora onda repentina de calor.

Ele via os sinais de nervosismo estampados de maneira tão óbvia nas feições cuidadosamente aristocráticas de Cygnus Black, que toda e qualquer palavra tornava-se completamente desnecessária.

Venderia sua alma se fosse preciso. Não que ela valesse muita coisa...

Mas os velhos tinham a abominável mania de falar muito, florear as verdades para que não pareçam tão deprimentes quanto realmente são.

E tinha que admitir, Cygnus Black era um mestre na arte da Retórica. Ou pelo menos parecia ser.

Por mais que se esforçasse para prestar entender as palavras pronunciadas naquela sala, sua atenção era constantemente desviada para qualquer outra coisa, como por exemplo, a abelha que insistia inutilmente em tentar passar pelo vidro da janela.

Um fino risco de suor correu sua nuca.

- Está se sentindo bem, filho? – perguntou o “nobre” com a voz amigável. Amigável suficiente para tentar um gordo empréstimo talvez.

- Sim senhor... Aliás, não senhor. Onde posso encontrar um lavabo?

- No fim do corredor, primeira porta a direita. Tem certeza que não prefere que eu chame um elfo?

- Não senhor, é só o calor. Afeta minhas faculdades. – respondeu com um sorriso enviesado.

- Jovens... – escutou seu pai dizer antes de fechar a porta.


A água gelada foi como um alívio delirante, embora momentâneo.

Molhou os pulsos e a nuca demoradamente.

“Danem-se!”

Aquilo não era assunto para uma quarta-feira excepcionalmente quente na vida de um jovem de pouco mais de 18 anos.

Quando saiu não voltou na direção do escritório, mas tomou o outro corredor que desembocava no “hall”.

Não, o calor não melhorou, Continuava sufocante. O lugar era mesmo perdido no tempo e no espaço. O vento parecia ter se tornado lenda, ao longo da extensão via algumas árvores esparsas, e nada, absolutamente nada se mexia.

Desceu os degraus e sentou-se a sombra. Tirou uma cartela de cigarros de cravo do bolso.

Nem o pai ou a mãe sabiam que ele fumava, não que fossem se importar de alguma maneira, mas fumar era uma coisa que queria ter só para si. Como um segredo entre ele e ele mesmo. Um mundo particular que não tinha interesse em exibir para ninguém.

De alguma maneira o sol o encontrou, e pouco a pouco começou a sentir os cabelos em chamas. Notou que as árvores ficavam longe demais.

Talvez a Mansão Black não fosse tão bonita.

Levantou-se e começou a andar rapidamente em torno da casa em busca de abrigo. Voltar para a reunião estava completamente fora de cogitação.

Era inacreditável como parecia não haver nada que o protegesse do calor.

Uma cabana, um estábulo, um maldito sombreiro que fosse!

Levou o cigarro à boca, mas não tragou. Alguma coisa chamou-lhe a atenção. Mais do que isso. Gritou. Exigiu atenção.

À sua frente uma estufa, embora os vidros estivessem embaçados e esverdeados, conseguia distinguir os contornos de uma criança pequena. Uma menina de longos cabelos de nanquim.

Tão negros que refletiam intensamente a luz solar. Como se dançassem ao som de uma melodia muda, e dançassem unicamente para ele. Ela se mexia alucinadamente, e eles mais ainda. Agitava as mãos e delas saiam milhares de pétalas de rosas vermelhas.

Apagou o cigarro e foi em direção a porta. Um esboço de sorriso bailou estranhamente em seus lábios ressequidos quando tocou a maçaneta.

Tomada por um impulso a menina virou-se rapidamente em sua direção escondendo as mãos nas costas. O peito subia e descia convulsivamente, seu semblante exauriu-se da pouca cor que exibia e seus grandes orbes negros estiraram-se preocupadamente. As pétalas flutuavam como plumas sobre sua cabeça, pequenos pedaços em tons de vermelho se destacavam ainda presos em suas madeixas.

- Bellatrix, não é?

Ela fechou olhos entediada e concordou com a cabeça, empinou o nariz de maneira altiva e arrogante. Um traço muito marcante da família.

Foi estranho como um movimento tão simples, como fechar os olhos, prendeu a sua atenção por mais tempo que normalmente aconteceria.

Os longos cílios descendo lentamente em direção às maçãs do rosto tão perfeitas quanto os finos lábios, o queixo delicado acompanhando o formato de formato elíptico do rosto. Não, não parecia um anjo, decididamente não. Aqueles olhos continham um furor incomum, estavam longe de pertencerem a um anjo. Talvez uma boneca, a pele era tão pálida quanto porcelana.

- E você é o Lestrange que veio conversar com papai.

Não era uma pergunta, mas uma afirmação. Crianças normais não faziam afirmações com tanta certeza, crianças normais questionavam.

Crianças normais decididamente não possuíam uma voz tão dura e decidida.

- O que você estava fazendo Bellatrix?

- Nada – respondeu sistematicamente.

O lábio inferior tremeu e os olhos piscaram em uma atitude de quem tinha acabado de ser pego em flagrante. Rodolphus não fez questão de disfarçar as sobrancelhas exageradamente arqueadas ou o sorriso incrédulo.

A menina bufou irritada e olhou para baixo mordendo o canto direito da boca, logo vermelha.

Ele desceu os olhos passando do rosto contrariado para o vestido azul-marinho levemente amarrotado e sujo de rubro, as pernas finas cobertas até o joelho emendando a barra do vestido às meias pretas, até os sapatos de ponta redonda sobre talos de rosas pisoteadas.

Levantou o rosto e fitou um canteiro, no qual supôs que deveriam existir uma quantidade relativamente maior de rosas do que agora exibiam, cerca de uma dúzia.

Não eram rosas comuns, reconhecia bem aquelas. As Scarlet Carson.

E o único motivo de distinguir a espécie das demais era sua namorada, ou quase-futura-noiva. Uma garota apática de cabelos castanhos e olhos murchos, bonita ao seu jeito. Prima distante, rica o suficiente para derrubar empecilhos desagradáveis como a falta de atributos físicos.

Scarlet Carson eram as rosas que ela adorava, e cultivava em abundância, de maneira que ele não precisaria nunca comprar um buquê.

Rosas vermelhas era um clichê feminino que o jovem Lestrange detestava. Pelo menos tinha ancas largas e boa saúde, qualidades incontestáveis para uma “parideira”... Mulheres não seriam um problema. Nunca foram antes de casar, e seriam menos ainda depois.

- Por que acabou com as rosas?

- Quem disse que fui eu? – ela fechou os olhos desafiadoramente elevando o queixo.

Rodolphus não respondeu imediatamente, apenas riu uma risada provocativa. A pequena crispou os lábios acabrunhada.

- Eu vi.

Bufou mais uma vez, e ele percebeu que toda vez que Bellatrix fazia isso, seu rosto corava de leve, exatamente no meio das maçãs.

- O que você quer Lestrange?

A certeza que aquela não era uma criança comum veio a partir desta pergunta. Do tom desprezivelmente superior que despejou ao pronunciar seu sobrenome, e da maneira imperativa que articulou aquele “quer”.

Talvez tenha sido por isso que se sentiu tentado a continuar a conversa, visto que não nutria qualquer simpatia por crianças. Já bastava Rabastan com quase três anos, um bebê insuportável.

- Pode me chamar de Rodolphus.

- O que você quer Rodolphus?

Uma menina arrogante demais para a pouca idade. Talvez fosse algo já impregnado no sangue dos Black... Os “nobres” Black.

- “Evanesco” – murmurou e em um piscar de olhos a sujeira do chão se dissipou, e embora não tenha ficado nem por um milésimo de segundo impressionada, ela lançou um olhar decididamente cobiçoso à varinha. – Se me disser por que estragou o canteiro, eu não conto pra ninguém que foi você...

Bellatrix molhou os lábios com a fina ponta da língua e engoliu em seco.

- Andrômeda, minha irmã... E não são qualquer tipo de rosas. São “Scarlet Carson”, as rosas de Andrômeda.

- Certo, e por que você queria destruir as rosas da sua irmã?

Ele viu o peito da garota inflar e vagarosamente esvaziar, voltando seus olhos para cima e com uma voz entediada e sem emoção ela continuou:

- Foi por causa do Tibério, o peixinho dourado dela. Aconteceu um acidente, e ela colocou a culpa em mim.

- Que tipo de acidente?

Os orbes negros da menina brilharam tanto, que ele duvidou que o que quer que tivesse acontecido ao Tibério fosse um acidente.

Bellatrix não era, nem por um segundo, inocente.

- Eu só queria ver ele, pegar. Nunca tinha visto um peixe de perto, queria sentir a “pele” dele. Acontece que o imbecil do Tibério não parava de pular na minha mão, e sem querer ele caiu no chão. Andrômeda chegou e começou a gritar como uma louca histérica, e acordou Narcissa que dormia no quarto ao lado que logo começou a berrar também. Ao invés de me ajudar a pegar o Tibério a única coisa que ela fazia era gritar e chorar... foi então que acidentalmente eu pisei nele. Ela soltou um berro tão agudo que acho que escutaram até em Londres. Aí, é claro que minha mãe chegou, entendeu tudo errado e me colocou de castigo aqui...

Seu rosto era completamente vazio de emoção.

- Você matou o peixe?

- Foi um acidente. – respondeu articulando exageradamente a palavra.

Não que isso fizesse diferença, porque não fazia. A história da menina era tão cheia de falhas quanto qualquer uma contada por uma criança travessa. Bellatrix parecia saber exatamente o que estava fazendo quando acidentalmente pisou no peixe. Mas ela não tinha ares de pureza como crianças comuns têm.

Ela cruzou os braços casualmente.

- Estou aqui desde as nove horas da manhã, sem almoçar.

- Sua mãe não lhe escutou?

Fez que não com a cabeça, e sorriu. A menina que estava trancada há quase cinco horas na estufa, suportando o calor absurdo do dia, sem comer nada sorria.

Sentiu-se momentaneamente perturbado, não só com o sorriso ou com o olhar da menina, mas como isso tudo contradizia com a aparência dela.

Abaixou-se para ficar ao mesmo nível dela.

- Está com fome?

Novamente fez que não, e abriu o sorriso mais ainda. Inclinou a cabeça para o lado direito.

Indescritivelmente infantil.

- Você acha que sua mãe vai brigar quando perceber que estragou os canteiros?

- Você falou que não ia dizer para ninguém.

- E não vou, mas existem muitas flores faltando...

Ela inspirou profundamente, voltou os olhos para o canto esquerdo e depois para ele.

- Você pode dar um jeito nisso, não pode?

- Posso.

Ela entreabriu os lábios e cruzou os braços depois de arrumar uma mecha do seu cintilante cabelo atrás da orelha. Com um gesto da varinha, Rodolphus conjurou as rosas nos canteiros. Vermelhas, intactas, como se nada tivesse acontecido.

A menina nem desviou os olhos, bufou irritada e sentou-se em um banco em frente a bancada onde estava o canteiro.

- O quê?

- Queria que existisse uma maneira de fazer, sem ninguém ficar sabendo que fui eu. – respondeu tocando a copa de uma das rosas com a fina ponta dos dedos de aranha.

Um estranho calor pareceu refulgir aos seus olhos. Talvez fosse o reflexo das Scarlet Carson, mas parecia muito mais. Sua boca tornou-se mais vermelha e úmida, os dentes branquíssimos pareciam querer atacar as rosas.

E por um momento aquela criança tornou-se a pintura mais viva que Rodolphus havia visto. Como se pertencesse a um quadro, mas fosse diferente de tudo o que o autor pintara. Ela contrastava com tudo naquela estufa, porque era mais intensa do que qualquer coisa.

Bellatrix não precisava de ar para respirar, era como se tudo clamasse pela sua existência.

Um estranho arrepio correu seu corpo. A cena congelada. A menina dedilhando delicadamente as pétalas da rosa, como se não pretendesse nada mais do que acariciá-la, quando na verdade o seu real intuito era desintegrá-la.

Mais do que isso.

Pobres Scarlet Carson.

- Existe uma maneira.

- Como?

O brilho inocente do sol iluminou seu rosto de uma maneira quase pura.

Rodolphus sentiu a saliva descendo pela sua garganta. Não era normal. Bellatrix significava problemas.

Nenhuma magia poderia explicar os seus movimentos, ou porque eles eram tão incisivamente perigosos para um homem como ele. Ou como uma criança conseguia prender toda a atenção do mundo com um simples piscar de olhos.

Exatamente quando ela piscava. As longas pestanas descendo e subindo. Quase em câmera lenta.

- Muitas maneiras, aliás. Mas poucas que você – e aqui evitou falar a palavra “criança” que era exatamente o que lhe vieram em mente – possa realmente usar.

- Ensine-me.

E ela inspirou abrindo um sorriso espontâneo. Sentia o coração dela pulsar cada vez mais rápido de excitação. As faces logo se tornaram coradas, as que os dedos se mexiam tocando involuntariamente a base do vestido, as meias pretas.

Sentou-se ao lado dela, pouco mais de trinta centímetros de distância. Já sentia o seu perfume. Inebriante. Embriagante. E tão ridiculamente pueril que se sentiu sujo. Sujo por sentir o seu sangue correr quente, sujo por não querer mais se distanciar da menina.

Pegou um pequeno bisturi à sua frente e mostrou-a:

- Faça pequenos cortes. Talos e raízes. Vai impedir que se alimente...

- Mas vai demorar para ela morrer.

- De fato, mas ela vai sofrer mais, bem mais do que se lhes cortasse a copa. E não acabaria com elas. Tem as raízes, as raízes gerariam mais rosas em algum tempo...

Ela apoiou o cotovelo sobre a mesa e deslizou a cabeça até as mãos. Os fios correndo no mesmo sentido, cobrindo o braço nu por onde as mangas escorreram. Aquele braço de porcelana, aqueles cabelos cor-de-ébano.

- Como você sabe que elas sofreriam mais?

- Imagine-se no lugar delas. Imagine-se perto da água sem poder bebê-la, perto de comida sem poder sentir o gosto, sem poder tocá-la sequer.

Bellatrix sorriu. Um sorriso de rosto inteiro. Um sorriso onde todos os músculos estavam. Não um simples curvar de lábios.

Rodolphus sorriu também.

E sentiu-se mais sujo do que nunca. Um sorriso lascivo para uma criança. Uma menina que não tinha 10 anos.

Novamente um arrepio incômodo eriçando todos os pelos do seu corpo. Desconfortável. Sórdido.

- Acho que está certo, Sr. Lestrange...

E tomou o bisturi de suas mãos. Fez um corte profundo o cabo da rosa, e foi quando notou o metal em suas mãos percebeu, não o vermelho das Scarlet Carson, mas o carmim de sangue.

- Suas mãos?

- Por isso não gosto de rosas. – respondeu largando o bisturi.

Machucadas. As mãos delicadamente esculpidas tingidas de sangue. Seu sangue.

- Dói?

- Não muito.

E estendeu-as. Macias, pequenas. Como tocar seda, ou melhor.

Vertiginosamente melhor do que qualquer outra coisa.

Deslizou seus dedos sobre os machucados até quase o pulso. E ela riu.

Contra todos os seus esforços de controle, não percebeu enquanto abaixava a cabeça, não era consciente. Definitivamente.

Seus lábios contra à mão dela. O sangue. Metálico. Venenoso. Viciante.

E durou uma eternidade, embora tivesse sido por segundos, ou milésimos de segundos.

Imediatamente ela puxou a mão. Arisca. Queria parecer ofendida.

Queria.

- O que o senhor está fazendo? – ela ofegava. Pálida, os olhos arregalados.

Imundo.

- A saliva, salgada. Ajuda no fechamento dos machucados. É assim que os antigos faziam...

De fato, era.

Ela não parecia satisfeita com a explicação. Continuava imóvel, acuada, não piscava.

Rodolphus não hesitou. Não sabia hesitar. Não queria hesitar.

Por mais abrupto, obsessivo ou passional que fosse qualquer um dos seus atos, sempre conseguia uma explicação racional. Sempre. O cérebro rápido buscava justificativas.

Ficar sem palavras? Nunca.

Mas ele não buscava justificativas, não naquela hora. Por mais absurdo que fosse.

- Os antigos dizem que você pode adquirir força do outro com o sangue alheio.

- Você quer tirar minha força?

- Não.

Ela virou o rosto contrariada.

Uma nuvem cobriu o sol.

Espessa e inesperada nuvem antes inexistente.

- Olhe. – disse pegando o bisturi e cortando a palma da mão.

Estendeu a ela.

A princípio teve a impressão de nojo impressa nos cantos dos olhos, e depois nas sobrancelhas.

Não recolheu.

Sentia o sangue quente correr por ela, mas não doía.

Oscilante a pequena estendeu o seu braço, fechou os dedos finos sobre seu pulso e puxou mais para perto.

A língua áspera beijou a palma mão.

Fechou os olhos.

O tempo é relativo, poderia fazer durar uma eternidade.

- Sou forte agora? – perguntou ela com pouco depois. Os lábios ainda vermelhos, molhados, sujos de sangue.

- Mais forte...

E ela sorriu.

- Obrigada, Rodolphus.

- Disponha, Bellatrix.


Bellatrix. Bellatrix.

O modo como a os lábios se juntam e se separam ao som do “BE”, a língua contra as costas dos dentes no “LLA”. E depois do “TRIX”. Aquele marcante “TRIX”, diferente da harmonia do “BELLA”.*


Bellatrix

Bellatrix


Não era paraíso. Não, aquela criança era inferno. O mais próximo que fosse possível chegar.

Mas o seu inferno tinha uma coisa que o paraíso nunca conseguiria ter. Não é puro, não é casto, mas, sobretudo, não é suficiente.

Agradável? Não. Uma sensação doentia de mal-estar que ele queria ter sempre.

Quem precisa do paraíso quando o inferno parece uma alternativa infinitamente mais proveitosa?


Bella





* adaptado do livro “Lolita” de Vladmir Nabokov

~*~


N/a: A Tia Lara agradece especialmente à Morgana por ter tido paciência pra ler a fic e consertar as coisas erradas...
=**

Feliz 2007 “folks”!
\o\

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