Único
6. Horas – A Desculpa dos Acônitos
Lílian Evans era monitora da Grifinória, sua casa em Hogwarts. Também era monitor ao seu lado Remo Lupin, um garoto franzino e introvertido que, segundo Lílian, parecia sempre muito abatido. E de nada adiantava ela comentar com o diretor, Alvo Dumbledore, que sempre escutava frases como “não se preocupe” ou “não, ele não está anêmico”. Por fim, ela deixou de procurar o diretor, mas ficava cada vez mais de olho no colega.
Já era a terceira noite seguida que ele simplesmente sumia da escola e ela tinha que dar conta de todos os alunos sozinha. Não que ela ficasse irritada – dificilmente Lílian era vista de mau-humor – mas queria saber porque aquilo acontecia. E era todo mês. Ela se sentia no direito de saber se ele ia visitar seus pais, se tinha parentes doentes ou qualquer outro tipo de eventualidade. Mas ninguém lhe contava – tinha certeza que Dumbledore sabia, mas ele sempre tentava tranqüilizá-la com um sorriso, convencendo-a de que, seja o que fosse, nada seria de grave.
Esta noite, porém, teria que ser diferente. Ela fingiu que estava dormindo na poltrona quando o colega passou pela sala comunal da Grifinória e, discretamente, passou pelo retrato da Mulher Gorda, achando que ninguém o tinha visto. É agora, ela pensou, e poucos segundos depois passou pelo mesmo retrato, seguindo o colega.
Já era tarde. Possivelmente, já havia passado das sete horas e, com a proximidade do verão, os dias eram mais longos, demorando mais para escurecer. O pôr-do-sol, no entanto, já tinha ido embora, mas a lua ainda não despontara no horizonte.
Desceu as escadas e atravessou o corredor do castelo que dava no Salão Comunal, tomando cuidado para que Remo não a visse. Ele parecia aflito e apressado, como se estivesse atrasado para um compromisso importante. Tomou cuidado ao abrir as portas – que, segundo Lílian notou, Filch tinha displiscentemente deixado destrancadas – e desceu colina abaixo. Ela achou que ele fosse conversar com Hagrid enfim, mas o garoto não tomou a curva para a direita como seria o habitual – e continuou reto. Mal pôde acreditar quando o viu entrando sem dificuldades no salgueiro lutador, e esperou. Não ousaria entrar. Talvez ele estivesse se encontrando com uma garota, afinal. Deveria voltar para a torre da Grifinória? Decidiu esperar, para acabar de vez com as suspeitas. Sua curiosidade agora era maior. Sentou-se na grama e esperou.
Mas Lupin não saiu. Passaram-se horas, e nada. Lílian começou a ficar preocupada e resolveu chegar um pouco mais perto para averiguar. O salgueiro, no entanto, não deixou, e logo ela tinha desistido da tentativa. Estava quase indo embora quando escutou um uivo vindo de dentro da árvore – um uivo de lobisomem. Ficou desesperada – Lupin corria perigo. O que poderia fazer? Talvez não desse tempo de ir atrás de Dumbledore, então a primeira pessoa que pensou foi em Hagrid.
Desceu correndo a colina e foi atrás do guarda-caças, que já estava dormindo.
- Evans? Mas o quê...
- Hagrid, rápido! – ela disse exasperada – Há um lobisomem atacando Remo Lupin, nós precisamos fazer alguma coisa!
Ela puxava em vão a manga da blusa do gigante, que sequer se movia.
- Calma, Lílian, calma. Lupin não está correndo perigo.
- O quê? – ela disse indignada, apertando os olhos – Como pode dizer isso, Hagrid? Eu vi quando o Remo entrou no salgueiro e acabei de ouvir um lobisomem! Vamos, ele pode estar correndo grande perigo agora...
- Lílian. LILIAN – Hagrid aumentou o tom de sua voz para que Lílian o escutasse, então a garota parou de repente, mais com medo do que o gigante poderia dizer do que do tamanho dele em si.
- Por Merlim, Hagrid, diga logo...
- Lupin é um lobisomem – disse Hagrid de uma vez, deixando a moça atônita – Pronto, é isso. Sei que não devia contar, mas contei. Remo lupin é um lobisomem. Ele não corre perigo, mas se você entrar lá, com certeza estará em apuros!
- Ele é um lobisomem? Mas como... o quê...
Lílian estava perplexa. Tudo agora fazia sentido – as saídas noturnas mensais, a palidez no rosto, o mal-estar, os comentários freqüentes de dor de cabeça que o colega fazia... Olhou mais uma vez para Hagrid com o rosto tenso, exalando preocupação, tentando acreditar. Virou-se em direção do salgueiro e, se despedindo, resolveu sentar ali perto e esperar. Já estava tarde – não teria mais como fazer seu trabalho mesmo. Precisava conversar com o amigo, e esperaria o quanto fosse.
Já era quase dia quando Remo Lupin saiu de dentro do salgueiro. Lílian tinha adormecido na grama e teve a impressão, ao acordar, que um cervo a observava de longe na entrada da floresta, mas ao olhar novamente, nada havia lá. Limpou suas calças ao se levantar e foi em direção a Lupin, que caíra de joelhos a poucos metros do grande salgueiro. Sequer viu quando Lílian se aproximou.
- Remo?
Lupin levantou o rosto. Estava horrível. Tinha olheiras profundas e estava pálido como jamais tinha-o visto antes. Estava muito fraco, mas seus olhos arregalados demonstraram choque ao ver Lílian ali, se aproximando. O sol nascente refletia a luz amarelada em seus cabelos, e a brisa refrescante do vento de um novo dia fazia com que eles dançassem pelo seu rosto. Não sabia se era toda a ocasião que proporcionou aquilo, mas sentiu algo pela garota que jamais tinha sentido antes.
- Evans? O que faz aqui? – disse surpreso, olhando à sua volta, preocupado, como se estivesse se certificando de que mais ninguém estava observando.
- Eu já sei de tudo, Remo, mas não quero que me diga nada agora – disse, ajudando-o a se levantar – Venha, vamos para a torre da Grifinória. Você precisa dormir um pouco, ao menos... Mas depois conversamos, está bem? Se você quiser conversar.
- O quê? – ele disse, se precipitando sobre ela – O que você sabe? E como...
- Shhhh – ela respondeu somente, e segurou em seu ombro para levá-lo, no que ele assentiu, cansado demais para discutir.
Ele se escorou em Lílian e juntos entraram no castelo, seguindo para os dormitórios. Lílian o deixou na Sala Comunal e ele se despediu com um aceno de mão que mais parecia uma tentativa de mover os braços, e subiu. Um turbilhão de pensamentos passou pela mente de Lílian, mas ela capotou pouco depois que deitou na cama. Acordou horas depois, com as colegas de quarto zombando e dizendo que ela era dorminhoca.
- Parece até que passou a noite fora! – brincou uma das colegas.
Lílian se levantou e viu no relógio que já eram quase quatro horas da tarde – perdera todo o sábado e tinha ainda muito a fazer. Além disso, esperava falar com Lupin antes do anoitecer, mas já era tarde e a essa hora ele já deveria estar à espreita, esperando o momento certo para sair da torre. Juntou então seu material e desceu com as meninas para o Salão Principal. Comeria alguma coisa e, então, iria até a biblioteca começar um dos inúmeros trabalhos que deveria entregar durante a semana.
Era época de exames em Hogwarts. Não tão preocupados como seus colegas do quinto ano, que enfrentam seus NOMs, os alunos do quarto ano se descabelam para conseguir entregar os trabalhos em dia. Nem a final entre Corvinal e Sonserina no quadribol levou os alunos ao campo – a maioria, infelizmente, preferiu ficar na biblioteca ou em seus dormitórios, terminando a quantidade abissal de deveres que deveriam ser entregues durante a semana vindoura.
Entre eles, é claro, estava Severo Snape. Não que ele não gostasse de quadribol – até gostava, apesar de nunca ter montado muito bem uma vassoura – mas estudar, para ele, sequer se comparava. Sempre preferiu mofar com os livros no quarto que tomar banho de sol à beira do lago. Isso ficava para os mais fúteis, segundo ele.
Para piorar sua situação, no fim de semana seguinte seria Dia dos Namorados e, como acontece tradicionalmente em Hogwarts, haveria uma visita ao vilarejo de Hogsmeade. Severo virava os olhos cada vez que ouvia alguma garota da Sonserina comentar com outra que convidaria não sei quem, que fulano havia convidado sicrana e tudo o mais. Já estava ficando irritado com toda essa situação e desistiu de estudar na biblioteca justamente porque um bando de garotas da Lufa-Lufa chegou quicando, só porque uma delas iria com o apanhador do time de quadribol. Pegou seus livros e saiu bufando, sequer pedindo desculpas quando esbarrou grosseiramente no ombro de uma delas.
- Ai! Seu grosso! – ela gemeu.
O corredor para as masmorras era longo. Odiava isso de Hogwarts – a biblioteca ficava muito longe de seu dormitório e, no meio do caminho, estava passivo de encontrar as pessoas mais bizarras – ou então, as que mais odiava, especialmente se referindo a um certo grupo de grifinórios.
Mas não vinha ao caso. Estava tudo tranqüilo desta vez – pelo menos por enquanto. Carregava meia dúzia de livros e alguns pergaminhos, mas isso já era normal. Sequer ligou para os comentários e risadinhas habituais quando passou por um grupo de garotas da Grifinória. Simplesmente abaixou a cabeça, deixou os cabelos cobrirem seu rosto e continuou. Mas ouviu uma voz.
- Severo! Ei, Severo!
Olhou para trás. Era ela, Lílian Evans. Não que ele estivesse interessado – mas não poderia negar que a considerava diferente das outras. E, mesmo não ligando para isso, a considerava muito bonita. E oras, já tinha quinze anos! Não era mais vergonhoso dizer tais coisas! Porém, jamais contou a alguém. E para quem contaria? Lúcio Malfoy? Certamente riria durante horas do fato de a primeira garota que mencionara fosse “uma sangue-ruim”, como chamavam. Ele mesmo odiava esse termo, mas também jamais dissera ao amigo.
- Oi, você está indo fazer algum trabalho? – ela perguntou, ainda esbaforida, arrumando os cabelos ruivos atrás das orelhas.
- Estou, fazer o quê – ele respondeu, indicando os livros no colo com os olhos.
- Você já fez o de Poções? Puxa, o Prof. Slughorn caprichou desta vez, hein?
- É – ele disse, se perdendo nos olhos verdes da garota, que pareciam anormalmente cansados – Mas... bom, sim, sim, já fiz o trabalho. Por quê?
- Porque eu queria que você me desse uma mãozinha... – ela disse – Quer dizer, se você não se incomodar e eu não for te atrapalhar, é claro.
Snape torceu as sobrancelhas. Lílian era tão boa quanto ele em Poções – aliás, costumavam fazer dupla nas aulas. Por que ela precisaria de ajuda? Então perguntou.
- Você é boa em Poções, por que precisaria de ajuda?
Ela olhou para os lados, parecendo um pouco apreensiva, antes de responder.
- Bom – ela disse, com a voz quase sussurrada – Eu... tive um problema... ontem à noite... e não pude fazer. Só tenho amanhã, porque segunda-feira temos prova de Feitiços e depois preciso entregar um trabalho super complicado de Defesa Contras as Artes das Trevas, que vou fazer hoje. Na verdade, já estava indo para a biblioteca. Por que você não faz seu trabalho lá?
- Eu... prefiro o meu quarto. Mais silêncio, sabe.
- Ah, sei – ela disse, visivelmente nervosa, olhando cada vez mais repetidamente ao redor – Bom, então você pode me ajudar depois?
- Sim, claro, amanhã?
- Amanhã às seis horas, na biblioteca, pode ser? Acho que só vou terminar meu trabalho de Defesa esse horário – na verdade, ela esperava sinceramente poder conversar com Lupin antes disso.
Snape queria perguntar porque ela estava aflita daquele jeito, mas achou que não era de sua conta. Perguntaria depois, se não parecesse tão invasivo.
- Ta. Até amanhã então – simplesmente respondeu.
Ela deu um sorrisinho e voltou para o grupo de amigas. Snape não entendeu nada, mas enfim, tinha que se preocupar com o seu trabalho de Defesa Contra as Artes das Trevas, então foi o mais rápido que pôde até o seu quarto e escreveu até cair no sono, às quatro da manhã.
Já eram quase duas horas da tarde de domingo e nada de Remo Lupin aparecer. Lílian acordou cedo, determinada a encontrá-lo quando voltasse, mas até agora nada. Ela disfarçou quando suas amigas lhe chamaram para sentar perto do lago, dizendo que estava estudando. Não foi muito difícil convencê-las, visto que freqüentemente fazia isso.
Remo, no entanto, desceu as escadas pouco tempo depois, vindo dos dormitórios com os cabelos molhados. Tinha acabado de tomar banho.
- Ué, mas... – Lílian disse surpresa – Como você poderia estar lá se eu estou aqui há horas e não vi você passar?
Remo abaixou a cabeça e sorriu. Olhou novamente para Lílian e, sentando-se na poltrona ao lado dela, disse baixinho:
- Você estava cochilando quando eu cheguei e não quis te acordar. Sabia que estava me esperando e, devido ao estado deplorável, achei melhor que me visse somente depois que eu tomasse um banho. Só que eu dormi antes e acabei de acordar, então peço desculpas.
- Bom, então tá – ela disse, meio sem reação – Mas então, como você está? Ontem você... você...
- Se me transformei em – e disse baixinho – lobisomem? Sim, mas foi menos intenso. O pior dia é o primeiro dia da lua cheia, sabe? Depois vai amenizando, até ela ficar minguante.
- Remo, isso é inacreditável... Como... Quando?
Remo sorriu timidamente de novo. Estava achando incrível como de repente Lílian Evans passou de uma simples colega de monitoria a uma grande confidente. Afinal, ela sabia o que pouco na escola sabiam. Tirando ela, somente Dumbledore, alguns outros professores e alguns colegas. Mas só.
- Fui mordido quando era pequeno – disse finalmente – Não me lembro muito bem, então não foi tão... traumatizante. Foi bem pior para a minha mãe.
- O que aconteceu com ela? – Lílian perguntou.
- Foi mordida também – ele respondeu – Mas morreu.
A garota levou as mãos ao rosto, horrorizada.
- Não precisa ficar assim – ele disse – Eu era muito pequeno, não me lembro dela.
- Bom, mas mesmo assim...
- É, eu sei – ele continuou – Mas não se preocupe, sério. Já estive pior.
- Você quer conversar sobre isso? – ela perguntou gentilmente – Mesmo porque já li este livro aqui tantas vezes que já estou quase decorando cada palavra!
Os dois riram e foram para o jardim da escola, em um lugar onde pudessem conversar sem que ninguém os ouvisse.
Enquanto isso, na biblioteca, Severo Snape chegara mais cedo para separar os livros necessários ao trabalho de Poções que ajudaria Lílian a fazer. Já tinha feito o dele, que era o mesmo, então era mais fácil. Faltavam cerca de três horas para se encontrarem, mas ele estava – sem saber porque – ansioso. Já tinha separado os livros em três pilhas de tamanhos iguais, depois separou por cor... e por fim acabou deixando-os em ordem alfabética, que seria a maneira mais fácil para encontrar a matéria.
Arrumou mais uma vez a pena ao lado de um rolo de pergaminho que havia levado exclusivamente para a ocasião e olhou para o relógio. Três e quarenta. Ainda demorariam horas para Lílian chegar. Não adiantava ficar encarando o relógio – infelizmente, ele não poderia adiantar o tempo.
Porém, à medida que foi adiantando a hora, sua ansiedade foi ficando cada vez maior. Pegou a si mesmo pensando em Lílian de uma maneira que nunca tinha feito antes. Quer dizer, é claro que já reparara em quão sedosos eram seus cabelos durante a aula de Poções, e como ela ficava maravilhosa sorrindo, ou quão feliz ela ficava quando preparavam a melhor poção da classe, situações assim. Estava praticamente sonhando acordado. Só despertou ao ouvir alguns barulhos esquisitos vindos do fundo do último corredor. Não tinha ninguém na biblioteca – sequer Madame Pince estava por ali, em pleno domingo – e ele resolveu averiguar.
Arregaçou as mangas de sua camisa e apertou a varinha que continuava no seu bolso, preparado para qualquer eventualidade. Os sussurros foram ficando cada vez mais altos, à medida que chegava perto, mas logo descobriu o que era. Viu, através de uma das estantes, a imensa cabeleira platinada de Lúcio Malfoy sobre o pescoço de uma garota loira do terceiro ano. Girando os olhos, tirou a mão da varinha e voltou despreocupado à sua mesa. Era só o Lúcio com mais uma garota, pensou. Como consegue?
Foi inevitável pensar naquele assunto. Ele nunca havia beijado alguém. Abriu um dos livros que estavam à sua frente, procurando se distrair, mas a imagem de Lílian Evans não saía de sua cabeça. Perdido em pensamentos profundos, afundou o rosto na palma das mãos e apertou os olhos, angustiado. Não podia, simplesmente não podia. Não tinha nada a ver. Era a proximidade com o Dia dos Namorados – só isso. Tudo bem que Lílian sempre fora a única pessoa que ousava se aproximar, ser sua amiga... Mesmo Lúcio era apenas um colega por falta de opção. Parecia a Severo que só conversavam porque tiveram a sorte de estar no mesmo dormitório – porém, o próprio Lúcio se dava melhor com Crabbe, também seu colega de quarto. Severo não tinha absolutamente nada a ver com ambos, que estavam mais preocupados em sair com garotas do que propriamente estudar – justamente o contrário dele.
E, no mais, não levava jeito para isso.
Talvez tudo o que tinha visto acontecer com a sua mãe tenha-o levado inconscientemente a agir assim. Viu, desde criança, que amar alguém leva essa pessoa ao sofrimento. E estava bem sem amor, obrigado. Pelo menos, até onde poderia evitar.
Cinco horas.
Não agüentava mais ficar ali. Chegou à conclusão de que chegar muito mais cedo tinha sido inútil e que, afinal de contas, Lílian nunca chegaria mais cedo. Ela foi bem clara quando disse que chegaria às seis horas, e que até lá ficaria terminando seu trabalho de Defesa Contra as Artes das Trevas.
Trabalho que, aliás, Severo já tinha terminado e, se pudesse, teria escrito mais. Era sobre dementadores. Lembrou-se da cara da irmã trouxa de Lílian quando lhe contou o que eram, em dezembro, quando chegaram de trem para o feriado de Natal. Riu ao pensar em como seria possível Lílian ter uma irmã tão diferente dela. Aliás, por que ela havia nascido trouxa? Era uma das melhores bruxas da escola, definitivamente. Qualquer um poderia pensar que ela vinha de uma grande família puro-sangue, se não conhecesse sua linhagem.
Severo nem sabia porque estava pensando naquilo. Pouco se importava. Conhecia bruxos puro-sangue medíocres, como por exemplo Régulo Black. Aliás, odiava os Black. Sirius, o irmão de Régulo, era uma das pessoas mais arrogantes e insuportáveis de Hogwarts, ao lado apenas de Tiago Potter. Um era rebelde sem causa, o outro um riquinho metido a besta. Só. E não conseguia entender o que aqueles dois tinham que faziam todas as garotas suspirarem por eles. Fúteis iguais, pensou, e voltou seu olhar para o relógio. Cinco e meia. Faltava pouco.
Estava agora com o corpo jogado na cadeira, o cotovelo apoiado na mesa segurando seu queixo. Escutou um gemido mais alto no fim do corredor onde Lúcio estava e teve vontade de dizer em voz alta que tinha gente ali, mas sua irritação permaneceu oculta. Estava tão nervoso por toda a ocasião, que nem aquilo era o suficiente para irritá-lo tanto. Alguns minutos depois, no entanto, ele viu que Lúcio saiu de trás das estantes abraçado com a garota, os dois rindo como dois palhaços. Bufou mais uma vez e o colega percebeu sua presença.
- Severo, que... surpresa – disse Lúcio, enquanto a garota beijava sua orelha suavemente – Você estava aqui... o tempo todo?
- Sim e ouvi tudo o que fizeram – respondeu rispidamente - Agora, se puder, faça o favor de levar essa maluca para uma cama ou qualquer coisa parecida.
Lúcio deu uma risada sem graça para Snape e gritou baixinho quando a garota apertou alguma parte não convencional de seu corpo, enquanto saíam da biblioteca. Severo virou os olhos e começou a rabiscar sem nexo qualquer coisa em seu pergaminho.
Nunca as horas demoraram tanto a passar. Parecia mais fácil chegar o ano seguinte que o momento em que Lílian entraria por aquela porta. E Severo esperou. Esperou. Esperou.
Seis horas. Ninguém..
Olhou ao redor, batendo a ponta da pena na mesa. Deslizou as costas na cadeira, esticando as pernas. Fitou a porta. Hogwarts estava em silêncio, tirando um ou outro gritinho ocasional pelos corredores, acompanhado de passos. Mas nunca Lílian. Nunca ela.
Seis e quarenta e cinco. Nada.
Esticou os braços pela milésima vez e levantou assustado, ouvindo passos em direção à biblioteca. Era a voz de Lílian com certeza, finalmente, mas ela estava... com alguém?
Resolveu se esconder atrás de uma das estantes, esperando para ver o que estava acontecendo. Logo a imagem de Lílian Evans e Remo Lupin surgiu em seu campo de visão, caminhando juntos e... rindo. Lupin?, pensou, mas resolveu esperar.
- Veja, não disse, ele estava aqui – disse Lílian, mostrando a Lupin os livros sobre a mesa – Ele já deve ter ido embora a essa hora.
- Sinto muito por atrapalhar seus deveres – disse Lupin – Sente-se, vou tentar te ajudar.
- Acho que não vai dar, é sobre Poções – disse, rindo – E você decididamente não é bom na matéria!
- É, pois é! – riu Lupin também – Ainda se fosse de Defesa Contra as Artes das Trevas...
- Ei! – lembrou Lílian – Eu tenho que terminar o meu trabalho de Defesa Contra as Artes das Trevas também! Será que você poderia me ajudar então?
- Sim, claro! Posso ficar a noite toda aqui se precisar, ainda mais depois de ter tomado aquela poção.
Poção?, Snape pensou intrigado.
- É mesmo – disse Lílian – Ainda bem que o Prof. Slughorn tinha em estoque um pouco. Ouvi dizer que é dificílima de ser preparada.
- Bom, pra mim, até uma Poção do Sono é difícil de ser preparada...
Os dois riram. Ridículo, Snape pensou. Sim, estava com ciúmes. O que aquele retardado do Lupin estava fazendo com Lílian? E onde estavam? E como assim, “poderia ficar a noite inteira, se precisar”? Será que Lílian sentia alguma coisa por esse... esse cara esquisito?
Bom, mas quem era ele pra falar em cara esquisito? Sem dúvida, ele era um dos esquisitões de Hogwarts – porém, sabia que, ao menos, também era inteligente. Agora esse Lupin, uma aberração em Poções, querer algo com Lílian Evans? Inadmissível!
- Você espera aqui enquanto eu pego meu trabalho lá em cima? – Lílian perguntou.
- Ah, então vou aproveitar para ir falar com o Sirius e o Tiago. Eles devem estar preocupados comigo.
- Eles sabem? – Lílian perguntou, um tanto quanto apreensiva.
- Sim, sabem – Lupin respondeu simplesmente.
Sabem o quê? Sabem o quê?, perguntou-se Snape, de repente muito tenso. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Será que Remo e Lílian estavam... namorando? Sequer poderia imaginar que Lílian estava se referindo ao fato de Lupin ser um lobisomem.
Eles saíram da biblioteca em direção à Torre da Grifinória, e Snape aproveitou esse momento para pegar suas coisas e ir embora. No entanto... olhou para atrás e, vendo os livros sobre a mesa, teve a idéia de deixar um bilhete... É, um bilhete não seria mal. Diria que esteve lá e foi embora porque ela não apareceu. Parecia simples e convincente. Ele que não ficaria lá para presenciar mais uma vez Lílian entrando por aquela porta com... Lupin. Justo Lupin?
Foi até a mesa e, rasgando um pedaço do seu pergaminho, escreveu rapidamente. Sua grafia era minúscula e apertada, mas ele pouco ligava, naquele momento. Colocou o bilhete encostado em um livro, mas ele caiu. Nervoso, olhando para a porta, colocou o bilhete embaixo de uma pena e foi embora, esguio e curvado, preocupado se alguém o tinha visto.
- Ei!
E sim, alguém tinha-o visto. Virou-se para trás e viu a irritante figura de Régulo Black parada perto do balcão, com um sorriso de deboche no rosto que lembrava insuportavelmente o do irmão. A única diferença entre eles era o cabelo de Régulo, bem mais curto.
- Ah – disse Snape – É você.
- Apaixonadinho, Severo? – disse Régulo, se aproximando da mesa e pegando o bilhete na mão – Que lindo.
- Deixe de ser estúpido e largue isso aí – Snape queria mostrar que não estava nervoso, mas era bem, bem difícil.
- Está apaixonado por uma sangue-ruim, Snape? Não tem medo de envergonhar sua casa?
Snape apertou o punho e os livros na outra mão. Seus olhos estavam cerrados e suas sobrancelhas mais curvadas do que nunca, expressando seu intenso desagrado.
- Não se meta no que não foi chamado, Black, ou pagará caro por isso – vociferou, empunhando a varinha.
Por incrível que pareça, Régulo mostrou sinais de medo. Era um covarde, afinal, e pouco provavelmente contaria o que presenciara, por medo. Estava, afinal, um ano antes de Snape e ele lhe parecia um bruxo muito mais esperto. Assim, largou o pedaço de pergaminho onde estava e foi embora rápido, lançando um olhar raivoso para Snape, que retribuiu, girando o corpo em 90 graus enquanto o outro passava.
Olhou novamente para o bilhete, respirou e foi embora bufando, pensando no que faria com Régulo quando o encontrasse de novo.
Poucos minutos depois, Lílian e Lupin voltaram à biblioteca e encontraram a mesa de forma diferente.
- Será que ele esteve aqui? – Lílian perguntou, olhando ao redor.
Lupin chegou perto da mesa e leu o bilhete em voz alta:
Lílian,
Esperei até agora e você não apareceu. Parece que conseguiu terminar seu trabalho sozinha ou com a ajuda de alguém, então fui embora.
Obs: Acônitos estão no segundo livro da esquerda para a direita, caso precise.
Severo Snape
- É, esteve – concluiu, colocando os pergaminhos sobre a mesa – Bem, vamos fazer logo isso então? Espero que dê tempo.
E os dois se sentaram e começaram a rabiscar seus pergaminhos, terminando o trabalho de Lílian sobre os dementadores.
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