Capítulo três
Anteriormente, em Sonhos e Ilusões:
Porém agora, ela olhava incrédula para o papel de carta
e para a caligrafia fina e rígida, dançando pelas linhas. Kaitlin vinha para o
natal. Kaitlin vinha passar o natal com eles. E não com as amigas, como sempre
fazia. Ou com rapazes, como Hermione tinha certeza que acontecia. Ela resolvera
passar o natal junto da família.
- Talvez seja porque você está sempre voltada para si
mesma, nesse seu mundinho depressivo e pequeno. Tem sido difícil para nós
dois... eu me acostumei com eles aqui. Eu me acostumei com toda aquela vida que
eu tinha. Eu sinto falta dos tempos da escola... de tudo o que eu vivi. Do que
nós vivemos.
Aspirava por uma vida mais agitada; por sair daquela
cidadezinha sufocante; por abandonar aquela família sufocante e aquele noivo
sufocante.
- Você tá me cantando?
- Ficou tão evidente assim?
*-*
- Bom dia, mãe - Alguém puxou seu cobertor e Hermione
cerrou o punho e socou o travesseiro, formando um sulco profundo no tecido.
- Como você entrou?
- Pela porta - disse Kaitlin, sorrindo inocentemente. -,
você sabe. É um buraco tampado na parede, mas você consegue abrir e entrar.
Fácil. E bom-dia para você também. Hum... - Ela pegou uma das garrafas que
Hermione bebera na noite anterior e analisou-a no ar. - Vodca. Essa aqui é
whisky. E essa é cachaça. Meu Deus, como você consegue beber tanto álcool assim.
Nem eu consigo! Qual é a da vez? Peter ligou e falou que está namorando um
homem? Papai está te traindo? Você está falida? Ou será que é porque eu vim? É,
essa é a melhor alternativa.
- Cale a boca - murmurou Hermione. -, você quer café da
manhã?
- Panquecas. Não muito queimadas.
- Ótimo - Hermione enrolou-se firmemente no robe
azul-escuro e tateou os pés no chão, a procura do chinelo; desistindo, foi
andando até a cozinha, sentindo que a cabeça explodia.
- Você não parece muito bem - disse Kaitlin. - Parece
cansada... onde está o Papai?
- Eu gostaria de saber... sumiu há dois dias.
- Você não conseguiu segurar ele? E agora ele está com
uma loira gostosa e com peitos grandes?
- Acho que é isso...
- Tsc... tsc... tsc... patético.
- E você? - retorquiu Hermione, erguendo os olhos com a
raiva saindo deliberadamente de seus poros. - O que houve para vir para o Natal?
- Ãah... diversão em família, espera de presentes,
árvore colorida - respondeu Kaitlin, sorrindo. -, e falando nisso, eu gostei
muito da decoração de natal, mas pensei que nem fizesse mais.
- Não faço - disse Hermione. -, na verdade... só fiz
porque você veio mesmo. E encare isso como um convite de boas vindas. E diversão
em família? Kaitlin, você pode me detestar, mas eu sei exatamente que diversão
em família não é algo que você deseje.
- OK. Mas não me obrigue a falar a verdade.
- Tudo bem - Hermione terminou de fritar as panquecas e
colocou-as cuidadosamente em dois pratos rasos, sentando-se à mesa e olhando de
esguelha para a filha. -, você não está bebendo, não é?
- Ah... teria problema se eu pegasse um pouco das suas
garrafas... eu quero dizer, você não ia sentir verdadeira falta. Ia? Seriam só
umas... sete?
- Se você quer beber, compre com seu próprio dinheiro.
Não vou te incentivar...
- Como se você já não fizesse isso, não é? - Kaitlin
bateu os talheres na mesa displicentemente e encarou Hermione com aquele olhar
de 'quem-você-pensa-que-é?' - Ótimo então.
Silêncio. Hermione terminou a sua panqueca e carregou
seu prato até a louça; com uma estocada de varinha, a torneira abriu um jorrão
de água limpa e ele começou a se lavar.
- Você pretende ficar para o ano novo também? -
perguntou ela, virando-se para Kaitlin.
- Eu pretendo ficar menos tempo possível... - respondeu
Kaitlin, séria.
Hermione ficou parada por alguns segundos, sentindo que
a respiração doía.
- Eu vou arrumar o quarto. - disse. - E jogar aquelas
garrafas vazias fora.
- Mãe... - Kaitlin chamou-a, antes que ela saísse do
cômodo. - Eu acho mesmo que você pode vencer da loira peituda. Só não destrói a
sua vida por ele. Não vale a pena... e; seria uma boa idéia ir até o trabalho
dele para tentar conversar. E não acabar de forma assim, tão... abrupta. Você
sabe. - Ela meneou a cabeça e voltou-se de repente para a panqueca pela metade.
- Enfim, é só uma idéia. Não precisa segui-la.
- Obrigada. - E saiu.
*-*
- Já acordou, querido? - Rosean estava linda, como
sempre; a luz dourada e saudável do sol irrompia suavemente dos caixilhos
abertos da janela, banhando-a; no contraste, seus olhos cinzas brilhavam muito e
todo o seu corpo parecia perfeito vestido naquela camisola rosa e curta. - Está
com fome?
- Ahn... claro. - Harry saiu de seus devaneios e sentou
em uma das cadeiras raquíticas. Ela precisava trocar aquela mobília com
urgência.
- O que vai querer? - perguntou Rosean, com a voz
aveludada.
- Ovos com bacon cairíam bem - replicou ele,
calmamente.
- Quando você pretende voltar para casa? - continuou
Rosean, enquanto o bacon começava a saculejar, fritando.
- Nunca serve?
- Não. - disse ela. - Você sabe que hoje é véspera de
natal e a sua filha deve estar lá já. Você precisava ir, Harry...
- E descobrir que ela está drogada ou que se veste que
nem puta ou que está grávida? - perguntou ele, irritado. - Imagina... se
engravidasse.
- É uma possibilidade - murmurou Rosean, com calma. -
apesar de que se eu fosse ela, não contaria a vocês que estava grávida e
simplesmente sumia no mundo.
- Acontece que ela depende de nós para se manter - disse
Harry. -, querendo ou não.
- É, talvez... - Rosean contornou a mesa e depositou os
ovos fritos seguidos ao bacon. - Aqui está.
- E no mais... lá eu não tenho esse tratamento de cinco
estrelas - continuou ele, espetando um pedaço e comendo. -, não quero voltar.
Você quer que eu volte?
- Não - respondeu Rosean, rápida. -, não. Claro que não.
Se pudesse viveria com você aqui o resto da vida.
- Então pronto.
- Mas eu digo que acho que você deveria passar o natal
na casa delas. - ela sugeriu, rindo da expressão de espanto que iluminou o rosto
dele. - quem sabe até comprar um presente para a Kaitlin. Harry! Ela é
sua filha, por mais problemática que seja... merece o mínimo de sua atenção.
- Mas ela já tem uma boa escola, uma mesada boa... -
disse ele, terminando seu café da manhã e afastando o prato com os dedos
nodosos, à contragosto. - O que mais ela quer de mim?
- Talvez... um pai? - murmurou Rosean, hesitante. - Pode
parecer história de psicológa ou neura de mulher... mas talvez todos os
problemas dela sejam em decorrência do total abondono à que foi sujeitada.
- Eu acho que você está exagerando...
- Não... tudo bem. - Ela vacilou e, então, ergueu os
olhos cinzas (como eram perfeitos, meu Deus) para ele. - foi só uma sugestão.
Não foi para te agredir ou dizer que você é um pai ruim. Apenas uma sugestão, ok?
- Rosean inclinou-se para frente, tocando seus lábios nos dele e ele logo
envolveu-a com os braços, fazendo-a sentar-se em seu colo. O volume sob a calça
era incrivelmente visível.
- Tudo bem então - disse Harry, sorrindo e beijando-a de
novo. Introduziu sua língua com suavidade entre os lábios dela, comprimindo-os e
mordiscando-os com os dentes. -, eu compro um presente. E vou para o natal. Mas
depois eu volto. Você não quer vir?
- Não acho que seria uma boa idéia, Harry. - replicou
Rosean, beijando-o a cada palavra. - Hermione não iria gostar e muito menos
Kaitlin. Eu... acho que já me acostumei com o fato de passar meus natais
sozinha. E... acho que é por uma boa causa, sabe? Talvez por eu ter sempre
odiado a minha família e a minha cidade e tudo que me lembrava aquilo, eu ache
que todos necessitam um pouco de uma família... normal. - Harry pôde ver o
brilho incomum de lágrimas marejando os olhos dela, mas não falou nada a
respeito. - Vá, Harry. Prometo que vou ficar bem.
- Tudo bem... mas não me obrigue a ir agora de manhã e
ter que passar vinte e quatro horas olhando para a cara daquelas duas. Vou só à
noite. E até lá... - Tornou a beijá-la, dessa vez, deslizando os dedos
habilmente entre suas coxas e fazendo-a ofegar.
*-*
Kaitlin abriu os olhos da maneira mais lenta possível
quando o celular começou a sacudir violentamente na mesa de cabeceira e um toque
simples, sem sofisticações, foi aumentando de som gradualmente. Perguntou-se
quem diabos estaria ligando para ela em uma tarde de véspera de natal; antes de
atender, pôde ouvir os passos duros de sua mãe pelo corredor e balançou a
cabeça. Ainda precisava sair. E como ela iria abortar?
Olhou o visor do celular e sorriu. Abriu-o.
- Ruben - disse ela, suspirando e sorrindo para si
mesma.
- Oi... eu estava me perguntando agora mesmo o que
você estaria fazendo agora... eu estou deitado na minha cama tentando fazer um
dos deveres de poções. Mas eu não consigo pensar direito. Meus pais estão lá
embaixo discutindo sobre como eu ando rebelde e como eles deveriam ter batido
mais em mim - A voz dele era incrivelmente sexy pelo telefone; um som rouco
e cálido, crepitando através do fone.
- Bom... eu estou deitada também. - começou Kaitlin. -,
com a porta fechada e as cortinas fechadas. Ouvindo minha mãe andar pela casa.
Meu pai sumiu. Provavelmente está com a vadia da vez.
- Como está sendo sua
véspera de natal?
- Chata, eu diria. - murmurou ela, desviando os olhos
pelo papel de parede cheio de coelhos coloridos. Sorriu; quanto tempo aquele
quarto ficara sem ela? Quanto tempo ela deixara que fazer parte daquele
quarto? Daquela família? - Mas vai melhorar.
- Sabe que música eu estou ouvindo? Forever young
- disse Ruben, alteando a voz. -, a nossa
música. Eu estou com saudades de você...
- É? Eu também - Não era bem saudades, mas até que
pensara um pouco nele nas últimas horas.
Um silêncio.
- Bom... acho melhor desligar. Eu queria mesmo poder
aparatar até Nova Iorque só para te ver, mas vou ter que ficar por aqui mesmo.
- Tudo bem - ela sussurrou. -, a gente se vê.
- OK. - disse ele. - Tchau.
Kaitlin fechou o celular de flipper e pousou-o na
cabeceira; deviam ser quatro horas da tarde... precisava se arrumar e ir à luta.
Achou que a melhor forma de provocar um aborto seria com uma poção de nome
estranho, mas que fazia efeito imediato; tinha certeza que conseguia sobreviver
sem as drogas e o álcool, mas não queria. Queria se auto-destruir ao máximo.
Essa era a verdade; queria fazer um pedido inquieto de socorro e essa era a
maneira que encontrara, mesmo que não desse certo.
Os passos pesados pelos cômodos começaram a incomodá-la
muito e ela abriu o malão, achando algumas roupas que lhe servissem e foi tomar
banho.
*-*
O peru estava reluzindo, com aquela cor dourada que nem
a da foto e as uvas já estavam arrumadas em enormes potes de cristal, seus
cachos purpúreos implorando para serem mastigados; se era para ser perfeito,
seria perfeito.
Hermione terminou de forrar a mesa com um lençol
vermelho e cheio de vida e foi enfileirando o banquete para duas pessoas; a um
canto, a árvore de natal piscava e brilhava, com suas diversas luzinhas
multi-coloridas; Hermione também colocara algumas guirlandas muito verdes,
afixadas à parede, com alguns passaros encantados pendurados, que ficavam
assobiando canções de natal. Ela queria mesmo, que o espírito de natal
aparecesse de verdade, mas por mais brilhantes e bonito que tudo estivesse, ela
não estava feliz. À sua mente, o rosto de Harry vinha diversas vezes; mas ela
tinha que se concentrar em Kaitlin e apenas nela. Nelas duas, como mãe-e-filha.
E Kaitlin não se preocupara com ela afinal? Ela não dissera-lhe para ir à luta
por Harry?
Mas Hermione não tinha certeza se queria realmente ir à
luta - e perder. Não queria ter Harry de volta e sofrer mais do que ela já
estava sofrendo. Essa era a verdade, por mais que ela não quisesse expô-la. Tudo
bem. Tudo bem... tudo estava na mais absoluta perfeição e calma. O jantar estava
pronto - e muito bem feito. Logo anoiteceria por completo e ela e Kaitlin iriam
sentar-se à luz da lareira e contar histórias dos seus últimos dias; brindar.
Não, brindar não. Nada de álcool. Iriam cantar. Isso, cantar. Cantar músicas
natalinas e ser como mãe e filha devem ser. Amigas.
Seu corpo todo oscilou sob a esperança de que aquilo
finalmente estava acontecendo. Kaitlin aparecera no natal e aquilo não seria de
todo ruim. Elas iriam aproveitar bastante, não iriam? Hermione contornou o
balcão da cozinha e por um instante se encarou no reflexo distorcido do côncavo
da colher; seus cabelos desgrenhados saltavam em tufos castanhos, em alguns
fios; seus lábios estavam trêmulos e sem cor e seus olhos estavam com profundas
olheiras.
Precisava de um banho. E um vestido vermelho. E
maquiagem.
*-*
- Já pensou no que vai dar para ela? - Rosean ajustou a
gravata de Harry pela décima vez, e encarou o rosto inexpressivo dele, como se
perguntasse se ele tinha gostado. - Está ótimo assim, Harry - Envolveu o pescoço
dele com os braços e selou rapidamente os lábios dele com os seus. -, não quero
que vá muito bonito para que Hermione não caia em tentação.
- Mesmo que ela quisesse não ia rolar nada entre a gente
- disse ele, com a voz hesitante. -, mesmo que ela tentasse muito. Acho que a
nossa relação chegou a um ponto em que não dá mais para levar... sabe? - Ele se
levantou e abraçou-a, sentindo que o corpo dela fervia sob seu toque. - E acho
que vou dar-lhe uma jóia. Um cordão talvez.
- É uma boa idéia - murmurou Rosean, deslizando os dedos
macios sobre o blazer dele como para tirar alguma fuligem inexistente. -, agora
vá porque já anoiteceu e as ruas devem estar escorregadias e cobertas de neve.
- Você entende eu ir, não é? - perguntou Harry,
calmamente. - Quero dizer, te deixar aqui na noite de natal.
- Fui eu quem te incentivei a ir - respondeu ela, com um
sorriso. -, espero que dê tudo certo. Com Kaitlin... ela é sua filha, não se
esqueça disso...
Ele envolveu-a com os braços, descendo os dedos por suas
costas e pressionando-os na cintura, puxando-a para si; ela estremeceu e sua
pele ficou rapidamente quente, as maçãs do rosto rubras. Era incrível o poder
que tinha sobre ela. Sorriu, enquanto roçava os lábios úmidos na curva de seu
pescoço, descendo por seus ombros e tocando suavemente os seios sob o tecido
branco.
- Bom... eer... acho mesmo que você tem que ir - Rosean
desvencilhou-se dele, afastando-se alguns centímetros, como que para garantir a
segurança e se abanou levemente, o rosto muito vermelho e os pêlos suaves dos
braços arrepiados. -, te amo.
Harry curvou-se sobre ela, beijando-a novamente e,
então, saiu. Te amo... a palavra se repetiu em sua mente... te amo... não
conseguira responder.
*-*
Kaitlin terminou o último retoque da maquiagem e se
olhou mais uma vez pelo reflexo do espelho. Perfeito. Os lábios carnudos estavam
incrivelmente lindos... pareciam ser algum desenho de um artista muito bom.
Vermelhos e vivos. Chamativos. E os olhos verdes estavam brilhantes; ela
transpirava vida. Mesmo que talvez não estivesse verdadeiramente feliz, a sua
aparência saudável dizia que sim. Rolou o batom e fechou-o, colocando dentro de
sua bolsa preta de couro.
Jeans, uma camisa verde com uma estampa bonita, um
casaco verde musgo e tênis Converse. Não era um vestido longo e estonteante, mas
não era isso que ela queria.
Saiu do quarto sorrateiramente, caminhando pela casa com
os ouvidos apurados para qualquer ruído. Ouvira água deslizando por um corpo e
supôs que provavelmente Hermione estava se preparando para a ceia; esperava não
encontrá-la e deixar um bilhete sobre a mesa falando que o mais breve possível
iria retornar, mas que precisava sair para resolver problemas seus. Mas esse
plano foi por água abaixo quando ela entrou na sala e encontrou a mãe sentada no
sofá, com uma taça de vinho tinto pela metade e muito bonita, a maquiagem
reluzente em sua face alva.
- Nossa - ela disse. -, fico feliz que tenha se arrumado
tanto assim para a nossa pequena festa particular. Eu realmente queria -
Hesitou por um instante e então, deu com os ombros. - que o seu pai pudesse vir
mas... bom. Você sabe como ele é complicado não é?
- É - respondeu Kaitlin com a voz vaga e sem vida. -,
mas... na verdade, eu antes vou sair... antes da nossa - Parou. - festa
particular.
- Sair? - repetiu Hermione, baixando a taça com as mãos
trêmulas. Fechou os olhos, fazendo com que curtas e frias lágrimas deslizassem
de suas pálpebras e os reabriu, erguendo-os para a outra com desprezo aparente.
- Para onde?
- Eu preciso resolver alguns problemas, mãe - respondeu
Kaitlin, rápida. -, mas eu vou vol...
- Se você sair, você não volta.
- Quê?
- É isso mesmo que você ouviu - murmurou Hermione. -, se
você sair não precisa voltar para a ceia.
- Ótimo então. Não volto - disse Kaitlin. - e para
completar é melhor eu nem voltar para o ano novo também. Veja isso como um
adeus... sabe, mãe... não é o papai que é complicado. É você... você não soube
suportar as dores de ter perdido dois filhos e acabou não cuidando de uma pessoa
que amava (e te amava também). Agora, agüente as conseqüências... e não espere
me ver mais.
Era incrível como a mãe tinha a capacidade
extraordinária de piorar o seu humor em cento e oitenta graus. Do eufórico para
o indiferente. Do alegre para o triste. Mas Kaitlin não podia demonstrar isso na
frente dela e apenas balançou a cabeça como se dissesse adeus e contornou o
sofá, batendo a porta ao sair com delicadeza e não como uma adolescente rebelde
e inconformada que quase destrói os ferrolhos.
A noite estava fria e calma, uma camada branca de neve
cobrindo as calçadas de Nova Iorque; os prédios altos e imponentes pareciam
entrecortar o ar, elevando-se para alturas desconhecidas e inimagináveis. Mas
nada daquilo importava agora; Kaitlin sentia todo o seu corpo desmoronando, suas
pernas oscilantes e as lágrimas rolando por seu rosto e salpicando em sua roupa.
Ela era uma idiota. Devia ter saído sem dar satisfações;
sem brigas, sem palavras.
Acenou brevemente para um táxi e o veículo parou à sua
frente; ela entrou e sentou-se no banco de trás, informando o nome de uma
avenida onde diversas ruazinhas e becos eram ligadas - onde ela realizaria seu
plano - e então, abriu o celular, a luminosidade fraca do visor colorido
iluminando calmamente o ambiente. Discou os números e colocou o fone sobre o
ouvido; o toque de chamadas compassado começou a tocar e ela quase desistiu de
ligar. Estava sendo besta demais, se prendendo assim, rápido daquela maneira.
Mas precisava de uma força agora. De qualquer pessoa.
"Bom... aqui é o Ruben e eu não posso atender no
momento ou não quero. Mas você já sabe. Deixe seu recado que eu ligo assim que
puder."
Kaitlin afastou o celular dos lábios, sua mente
processando informações tão rápido que ela chegava a ficar tonta; falaria? Ou
desligaria e deixaria aquilo passar? Mas precisava mesmo falar, mesmo que Ruben
acabasse pensando que ela estava se excedendo e se prendendo a ele rápido demais
- o que ela decididamente não estava. Ela ainda amava os dois últimos namorados.
Não amava? Pelo menos, tudo indicava que sim. Ulysses lhe causava saudade -
muita. Talvez não dele em si, mas dos sonhos, dos planos, das aventuras, da vida
que eles construíram juntos no ano e meio de namoro. Doug estava em todos os
lugares e aquilo a assombrava. Às vezes estava andando na rua e quando erguia os
olhos, se deparava com Doug. Seu coração simplesmente parava, flutuando dentro
de seu corpo sem utilidade, frio e doloroso. Então, todo o seu corpo tremia e
ela não sabia que conseguiria andar mais dois metros sem cair. E então, ela via
que não era Doug e sim sua imaginação. Mas ele sempre estava lá, perseguindo-a,
buscando-a. Aterrorizando-a.
Sua voz hesitou por um segundo e então, disse a primeira
frase.
- Oi, tudo bem?
Parou. Respirou ar frio para os pulmões e expirou ar
quente, uma fumaça prateada perolando de seus lábios.
- Espero que esteja... eu estou ligando para... eu nem
sei porque eu estou ligando. A verdade é que eu precisava falar com alguém e
você me veio à mente... muito forte. Estou com saudades - Odiava ter que
admitir. -, mas espero que você esteja se divertindo aí. Bom, eu briguei com a
minha mãe, o que não é uma grande novidade, mas eu não vou mais passar o natal
com ela. E talvez nem o ano novo. Vou para Hogwarts amanhã mesmo, talvez. Não
quero mais ficar em Nova Iorque, essa cidade de cimento e pedra. Não quero mais
ter que encarar minha mãe - As lágrimas agora saíam em excesso. - nem tão cedo.
Tudo está tão complicado... é isso. Feliz natal... e ano novo. Beijos.
Fechou o celular e ficou encarando o vazio; o mesmo
vazio que agora inundava-a.
*-*
Ela fugira... Kaitlin fugira. E agora, Hermione estava
sozinha. Um natal completamente sozinha. O olhar perscrutou a sala toda
iluminada de pequenos e foscos pontos de luz coloridos e lágrimas deslizaram
pelo seu rosto. Fora tudo em vão afinal; todo o seu esforço. Tudo... jogado pela
janela. Não demorou muito para que a garrafa de vodca estivesse reluzindo entre
seus dedos e uma taça com um líquido âmbar pela metade estivesse indo aos seus
lábios. Não importava se estava sendo fraca ou se estava se entregando ao álcool
novamente; nada mais importava. Ela perdera tudo, não é? Perdera Harry. Perdera
Kaitlin - e meu Deus, que coisas terríveis ela dissera. Terríveis, mas
verdadeiras. Ela não soubera lidar com o fato de ter dois filhos crescendo e
saindo de casa; não soubera prestar atenção no amor de sua vida e então ver-se
perdendo-o para uma mulher qualquer.
E qual era a sua vida agora? Presa a um amplo
apartamento, sem emprego, sem marido... e sem filhos. Desligou todas as luzes
natalinas e o cômodo logo mergulhou em um manto negro e escuro; então, ligou uma
vela e pousou-a sobre a mesa. Pôde ver algumas sombras de objetos ao seu redor,
iluminados pela luminosidade bruxuleante.
O silêncio aterrador da noite inundou o cômodo,
sufocando-o. Ali sozinha, Hermione podia imaginar diversas famílias felizes e
unidas, sacudindo caixas de presentes para descobrir o que ganharam; crianças
correndo pelas casas esperando o Papai Noel; filhos e pais se abraçando e
desejando um feliz natal. Ali sozinha, ela prometeu a si mesma nunca mais
festejar ou preparar-se para ele. Planejou arranjar um emprego e mudar-se assim
que viesse o ano novo. E nunca mais ver Harry; nunca mais ligar para Kaitlin;
esquecer completamente o sumiço duradouro de Peter.
Por alguns segundos ela tentou não respirar, por estar
cansada de sentir seu corpo erguer-se e abaixar-se em busca de oxigênio mas
então, ela soltou o ar em um sacolejo violento e a respiração ficou muito
pesada. Largou a garrafa de vodca no tampo da mesa e fechou os olhos umedecidos
de lágrimas. Parou, em silêncio absoluto e ficou ali pelo que pareceu uma
eternidade, até que uma campanhia pareceu ricochetear no espaço.
Hermione ficou parada por alguns instantes, desejando
ardentemente que a pessoa desistisse de entrar, mas a campanhia ficou reboando
em seu ritmo irritante até que ela pôde ouvir uma chave girando na fechadura, um
ferrolho sendo arrastado e então, a pessoa que ela menos esperava apareceu.
- Harry?
*-*
Rosean apagou a vela que colocara na mesa para o jantar
com Harry e enrolou-se mais forte no roupão de seda branco, abraçando-se. Lá
fora, a neve agora caía calmamente, em pequenos e curvos flocos brancos e puros.
As luzes de natal piscavam, alegres; Rosean pensou nas famílias felizes e
unidas. Pensou na sua própria, que agora deveria estar em NorthTustinham
comemorando e ao mesmo tempo desejando ter a filha de volta. Ela, Rosean Miller.
A ovelha negra da familiazinha calma e sossegada. A que sonhava alto demais. A
que não sabia seus próprios limites. A que desejava ter muita coisa. E
finalmente, a que abandonara tudo e todos em busca de um sonho "tolo" de acordo
com os pais.
A imagem bem definida da mãe, uma mulher gorda e
atarracada, com um punhado de cabelos brancos e embaraçados presos a uma rede,
fiapos escapando pelas frestas; os olhos azuis muito abatidos e empapuçados;
vincos profundos pela pele branca e com pintas e a velha roupa rasgada e
descolorida. Ela não quis admitir para si mesma, mas ela sentia saudades dos
pais. E da casa de dois andares no campo florido. Do ar puro e gostoso de
sentir, dos cabelos esvoaçando ao vento; dos beijos dados entre os milharais...
Rosean percebeu que os pêlos loiros do braço estavam
eriçados e sorriu para si mesma; o calor da lareira a consumiu e ela sentiu uma
vontade enorme de arrancar o tecido branco de si e deitar nua no sofá.
Quando pensava em retrospectiva de seus atos, achava que
fora prepotente e até idiota em sair de casa e abandonar tudo e todos; mas
não... ela fora forte. E lutara com todas as suas forças por seus sonhos. E
conseguira, não é?
Tinha um apartamento; tinha um emprego. Tinha Harry.
Em sua mente, a cena de Harry batendo à porta e encontrando Hermione se
desenrolou como em um filme; eles se cumprimentariam com um sorriso amarelo e um
aperto de mão. Talvez dois beijos do lado do rosto. Mas Harry iria encará-la com
uma expressão de desprezo e indiferença iluminando o rosto. Depois, Kaitlin iria
aparecer com seu olhar superior e um sorriso malicioso nos lábios. Rosean nunca
a vira, mas imaginava-a como uma adolescente esguia e pálida, com lábios rosados
e cabelos longos e loiros. O ar displicente e rebelde vibrava de sua pele e
Rosean tinha plena certeza que ela fazia inúmeros loucuras que ela quando
adolescente, sonhara fazer.
Sentou em uma das almofadas de frente para a lareira e
seu olhar se perdeu vagamente no crepitar suave do fogo, em suas labaredas
calmas e cálidas.
Todo o seu corpo relaxou e Rosean se deitou, sentindo
que o sono chegava... natal e ela ali, sozinha, deitada e quase dormindo... suas
pálpebras pesaram e ela as cerrou mergulhando no mundo escuro dos sonhos.
...
...
Ela estava beijando Harry, deitados na cama quando o
telefone tocou muito alto, ecoando pelo quarto. Mas Rosean nem se moveu, os
dedos enrodilhando os fios de cabelos negros de Harry enquanto comprimia os
lábios sobre os dele. O telefone tornou a soar, ricocheteando pelo ar. Merda,
aquilo era hora de ligarem?
Rosean abriu os olhos lentamente e Harry e todo o quarto
sumiu em uma névoa prateada; o fogo acalmara na lareira e agora a madeira
queimada irradiava em uma luminosidade alaranjada. Levantou-se, afastando o
edredon macio e cambaleou alguns centímetros, até ganhar equilíbrio. A campanhia
tornou a reboar pela casa e Rosean se apressou.
Por que Harry simplesmente não entrara com suas próprias
chaves?
Abriu a porta e a pessoa que ela menos esperara - e
menos queria -, apareceu à sua soleira.
- Z-Zack? - O que seu ex noivo estava fazendo ali?
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