Capítulo um





 


Anteriormente, em Sonhos e Ilusões...


No segundo seguinte, um estrondo inundou a sala e uma
bala voou a caminho de Rony, atingindo-o no coração; Hermione empunhava uma arma
nos dedos trêmulos.


Rony tocou o sangue salpicando na roupa e então
deixou-se cair no sofá, os olhos vidrados, perdendo vida. Sua respiração
tornou-se cada vez mais pesada e sofrida, até que ele finalmente parou-a e seu
olhar vidrou-se em um só ponto.


Morrera...


*-*





15 anos depois...


Hermione deixou que a carta caísse de seus dedos frouxos
e nem se deu ao trabalho de pegá-la do chão; ficou com o olhar perdido por
alguns instantes, sem direção. A neve alva caía em pequenos e puros flocos,
formando uma camada grossa de vinte centímetros do lado de fora; a superfície
fria da janela estava embaçada com o ar quente que vinha do quarto e, lá fora,
diversas luzinhas espocavam, desfocadas. Hermione estava sozinha em casa; Harry
estava trabalhando. Como sempre, aliás... ele sempre estava trabalhando. Ela
achava aquilo estranho, mas resolvera não comentar nada. Nunca comentava nada...
sempre deixava que as coisas passassem, sem que ela tomasse uma posição. E com
isso, a vida passara e ela ficara. Não sabia ao certo quando perdera Harry e os
filhos. Peter estava com vinte anos e trabalhava incansavelmente em uma empresa
bruxa, na Alemanha; era difícil que ele mandasse alguma informação ou contasse
algo do que acontecia em sua vida. Nem por cartas, nem por telefonemas. Quando
ela o perdera? Quando ele deixara de ser o filhinho preferido para ser o filho
ausente que sumira no mundo?


Sobrara Kaitlin. Mas Kaitlin e os pais não tinham uma
relação muito amigável; a garota tinha quinze anos, mas agia como se tivesse
vinte e um e soubesse tudo sobre a vida. A verdade, é que eles só se viam nas
férias de verão, quando ela voltava de Hogwarts e passava a maior parte dos dias
trancada no seu quarto, ou saindo com alguma amiga. Hermione sabia que ela
estava longe de ser a filha perfeita. Uma vez entrara em seu quarto para
arrumá-lo e encontrara um maço de cigarros escondido na bolsa da filha. Resolveu
não comentar nada sobre o caso e aquilo morreu ali.


Porém agora, ela olhava incrédula para o papel de carta
e para a caligrafia fina e rígida, dançando pelas linhas. Kaitlin vinha para o
natal. Kaitlin vinha passar o natal com eles. E não com as amigas, como
sempre fazia. Ou com rapazes, como Hermione tinha certeza que acontecia. Ela
resolvera passar o natal junto da família.


Seria um dia e tanto, afinal. Mesmo se Harry resolvesse
sair de última hora com a desculpa de trabalho extra na firma, ela iria
aproveitar a filha. Ou tentaria.


Hermione fechou os olhos por alguns instantes e seu
corpo todo pareceu flutuar em uma névoa densa e fria; a lembrança de quinze anos
atrás irrompeu em sua mente dolorosamente e seu corpo todo oscilou em um
espasmo. Até quando aquilo iria atormentá-la? Até quando iria sentir a arma em
seus dedos trêmulos e rever a cena mais drástica de toda a sua vida? Será que
chegaria à velhice ainda se lembrando de tudo e sofrendo por tudo - e todos?


Buscou a carta no chão e releu-a pela vigésima vez.



Mãe e pai,


Tudo bem com vocês? Eu estou ótima. Bom... como vocês
sabem, o natal está vindo aí e eu resolvi passar o natal com vocês esse ano, ao
invés de ficar aqui em Hogwarts. Eu sei que pode parecer estranho e que coisas
mirabolantes vocês vão pensar que eu estou fazendo para ir para aí, mas é a
saudade mesmo.
(Aqui, a caligrafia oscilava um
pouco e Hermione teve certeza que ela estava mentindo.)

E o Peter? Como vai? Fazem alguns anos que não o vejo.
Dois? Acho. Desde que ele se mudou para a Alemanha e resolveu seguir aquela
carreira misteriosa dele, longe da família. Não que eu de fato me importe, não
é...


Bom, eu tenho aula de transfiguração agora e eu
realmente preciso ir ou vou acabar tirando 'trasgo' em todos os N.O.M's.


Beijo. Amo vocês,


Kaitlin.



Hermione dobrou a carta e colocou-a de volta no
envelope. Levantou-se e estacou defronte à janela, encarando por alguns segundos
as luzes borradas e brilhantes de natal; seu hálito quente embaçava o vidro e
ela apoiou o rosto nele, comprimindo-o. Seus lábios se entreabriram, mas ela não
conseguiu falar; sibilos roucos chamaram por Harry. Pela filha. Por Peter. Onde
vocês estão e por que se distanciaram? Eu sou uma idiota mesmo. Uma completa
idiota. E nem os trinta e cinco anos me ensinaram a viver.


Batalhara tanto para chegar aonde chegara. Para
reconquistar Harry depois dos anos de distância; matara um homem. Matara um
antigo amor, por sua filha. E agora lá estava ela, alguns dias antes do natal,
sozinha em seu apartamento pequeno e aconchegante, sem uma árvore alta e
brilhante montada na sala, sem luzinhas comemorativas penduradas pelas paredes,
sem meias coloridas presas na lareira. Precisava arrumar tudo. Hoje mesmo.
Precisava trazer um pouco de vida àquele apartamento. Vida que não existia de
fato, mas que teria que ilusionar.


Hermione puxou uma gaveta da cômoda e ficou alguns
minutos entretida procurando alguma coisa. Quando seus dedos finalmente tocaram
algo quente, ela envolveu-os no objeto e trouxe para si. Uma garrafa de vodca.
Que ela escondera para que Harry não descobrisse, mesmo que soubesse que ele
estava ocupado demais para abrir a gaveta da esposa e procurar bebidas. Depois,
foi ao banheiro da suíte e abriu o espelho acoplado à parede e vários frascos de
antidepressivos brilharam à luz dourada. Ela pegou dois comprimidos e engoliu-os
em dois segundos, com ajuda da vodca. O líquido amargo desceu queimando-lhe a
garganta, mas ela sorveu-o em goles longos, até que sua cabeça começou a rodar e
sua visão ficou turva. O álcool voltara a ser seu companheiro... um companheiro
não tão amigável. Mas um companheiro.


*-*




- Você quer vinho? - Hermione colocou a garrafa de vinho
tinto sobre a borda da taça de Harry e encheu-a do líquido escarlate.


- Obrigado. - disse ele. Ele estava ficando velho,
Hermione percebeu. Havia alguns fios brancos a mais se infiltrando entre a
cabeleira negra que ela conhecera. A barba por fazer cobria uma parte de seu
rosto retangular e os olhos extremamente verdes estavam cansados e abatidos.


- Nada. - respondeu ela, sentando-se na cadeira defronte
a ele e sorrindo. - Como foi o seu dia?


- Normal - disse Harry, meneando a cabeça. -, e o seu?


- Ah... como todos os outros, você sabe... eu recebi uma
carta, de Kaitlin.


- E o que dizia?


- Que ela vai vir para cá no natal. Não é ótimo? - Ela
hesitou por alguns instantes, encarando o rosto inexpressivo de Harry e, então,
deitou os talheres sobre o prato displicentemente. - Você... não acha?


- Claro. - murmurou ele. - Por isso os enfeites?


- É... eu achei que traria mais cor para essa casa...
desde que Peter viajou e Kaitlin foi para Hogwarts tudo tem sido tão...
estranho. Eu estava acostumada à casa cheia, sabe? Quando eles ainda eram
crianças... quando tínhamos que trocar as fraldas da Kaitlin...


Silêncio.


- Agora eu sinto como se não a conhecesse mais... Ela
vivendo naquele castelo. E se trancando no quarto quando está aqui... - Harry
levou o vinho aos lábios, sem dizer nada. - Eu sinto também... que não te
conheço mais... Você de uns tempos para cá se distanciou tanto. Eu errei em
alguma coisa? Porque... não tem uma explicação óbvia para isso tudo. Você
trabalha quase vinte e quatro horas por dia. Não me beija mais. E nem demonstra
me amar. - Uma lágrima deslizou por seu rosto. - Você tem outra? Uma segunda
Kirsten? - Harry ergueu os olhos. - Porque... talvez possa ser isso. Ou ela foi
liberta e você está tendo um caso com ela? Porque também pode ser. Eu não sei o
que pensar... eu nem sei se nós ainda estamos casados... você me ama? Você me
ama ainda? Ai meu Deus... - Hermione apoiou o rosto nas mãos trêmulas. - Porque
se não ama, não há porque mantermos uma relação mentirosa, não é? Talvez seja
difícil para você a pressão de ter os dois filhos fora de casa... e todo o
trabalho. Trabalho... – ela riu amargamente – Como se de fato você estivesse
esse tempo todo no trabalho, não é?


- Você está exagerando, Hermione. - disse Harry, calmo.
- Eu admito que ultimamente tenho andado ocupado, mas continuo com meu papel de
marido... e pai.


- É... eu não vejo esse papel...


- Talvez seja porque você está sempre voltada para si
mesma, nesse seu mundinho depressivo e pequeno. Tem sido difícil para nós
dois... eu me acostumei com eles aqui. Eu me acostumei com toda aquela vida que
eu tinha. Eu sinto falta dos tempos da escola... de tudo o que eu vivi. Do que
nós vivemos.


- Talvez não tenha muito sentido sair do meu mundinho,
se sempre que eu sair eu encontrar alguém que vive para o trabalho. Se é que é
trabalho de verdade.


- Para mim chega... eu vou para um hotel. Conversaremos
depois.


Harry se levantou e vestiu o paletó sobre os ombros,
buscando suas chaves no bolso e caminhando em passos largos para a porta.


- Nós precisamos conversar agora, Harry. - disse
Hermione, levantando-se e correndo atrás dele.


- Depois...


- Se você sair por essa porta, não precisa vol...


A porta fechou com um estrondo alto; Hermione levou os
dedos ao coração, sentindo que ele congelava. As lágrimas salpicaram sua face,
fazendo com que manchas negras de lápis formassem linhas pelas maçãs de seu
rosto.


*-*



Rosean passou os dedos pelos lábios suavemente, vendo as
unhas escarlates brilharem enquanto fixava seu próprio reflexo no espelho do
banheiro. Apesar de já ter tirado a maquiagem, sua beleza jovem parecia
transpirar e banhá-la. Os olhos brilhavam em uma cor cinza; os lábios sorriam,
carnudos; o cabelo muito negro emoldurava o rosto bem delineado, cascateando-lhe
sobre os ombros. Você é uma belezinha, Rose... não é a toa que o Harry esteja
tão apaixonado por você...


Ela se pegou sorrindo e deslizou os dedos longos pelos
fios do cabelo, assentando-os; sair de North Tustin e vir para Nova Iorque fora,
sem dúvida, a melhor coisa que já fizera. Aspirava por uma vida mais agitada,
por sair daquela cidadezinha sufocante, por abandonar aquela família
sufocante e aquele noivo sufocante. Não que ela não o tivesse amado um
dia... Mas conforme os anos foram passando e ela terminou o colegial, suas
aspirações estavam longe demais daquela cidade de vida limitada. E ela teve que
partir, abandonando tudo - e todos. Mas ela não se arrependia. Agora podia viver
em um confortável apartamento, com alguns artigos de luxo que ganhara de Harry.
Agora ela podia ser feliz; estava feliz de ter comprado aquele jornal em uma
segunda feira, assim que chegara a Nova Iorque e procurar, hesitante, os
melhores empregos, circulando-os de vermelho. E trabalhar de secretária em uma
empresa de ricos pareceu um bom trampolim para algo melhor no futuro. Pelo menos
poderia alugar algum apartamento mínimo onde pudesse encher de mobília usada,
mas útil. E então, encontrara aquele homem perfeito na entrevista, e não pôde
conter o desejo que sentira por ele; viraram amantes.


Ela sabia que ele era casado e que tinha dois filhos;
sabia que a esposa e ele estavam muito distantes ultimamente e que ele não via o
filho há muito tempo. Que a filha estava na fase rebelde e que ele pouco sabia
sobre ela e o quanto ele se sentia culpado em relação a isso.


Rosean já se preparava para dormir quando a campainha
soou ecoando pelo azulejo frio da cozinha; ela enrolou-se confortavelmente em um
roupão branco e foi caminhando o mais lentamente que seus pés conseguiram. Olhou
pelo olho mágico e se sobressaltou quando viu a silhueta distorcida de Harry.


Abriu a porta.


- O que está fazendo aqui?


Ele a respondeu com um beijo cálido e o roupão logo
deslizou de seus braços, caindo no chão. Seus seios rígidos ficaram intumescidos
quando tocaram no corpo quente de Harry e ela deslizou os dedos por seu pescoço,
puxando-o para si. Seus lábios se comprimiram um ao outro, com sofreguidão e ela
logo se entregou ao beijo, sentindo que as pernas oscilavam.



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