VEREDICTO
Eu me afasto por um momento do aparelho mágico no qual dito as minhas memórias. Hoje os bruxos usam aparelhos trouxas a torto e a direito e os enfeitiçam de acordo com as suas conveniências. Usamos lâmpadas elétricas enfeitiçadas ao invés das velas e dos archotes do tempo em que eu era jovem. Temos os mesmos aparelhos que os trouxas possuem, só que aperfeiçoados por feitiços. Uma das obras de Arthur Weasley, considerado o melhor ministro da magia que mundo bruxo já teve até hoje. As suas excentricidades trouxas hoje são lendárias, no entanto, ninguém reclama do fato dele ter permitido o uso de engenhocas trouxas com feitiços autorizados pelo ministério.
Mas estou mudando de assunto e divagando. Provavelmente é sinal de que estou ficando velho. Eu sei que todos querem saber o destino daquele Draco Malfoy, que era pouco mais do que um adolescente, no banco dos réus, pronto para ser condenado pelo “Santo Potter”. Aliás, era o que todos esperavam. Era o que eu esperava.
Lembro da aparência cansada de Harry Potter, parecendo tão abatido aos dezoito anos de idade. Ele tinha um olhar perdido, o de um ancião que já havia vivido muito e que aguardava tranqüilamente a hora da morte, perguntando-se porque ela não o havia ainda vitimado. Não que parecesse um velho na aparência. Muito pelo contrário. Tinha aquela cara de bebê abandonado, com os cabelos sempre despenteados e os seus impressionantes olhos verdes. Enfim, tinha aquele ar de abandono que despertava o instinto maternal das mulheres.
Mas eram exatamente os seus olhos que pareciam vazios e perdidos. Soube depois que ele estava destroçado, pois Gina Weasley o havia abandonado. Provavelmente foi nessa época que começou a ter pesadelos e a tomar a poção na qual acabaria viciando-se anos depois.
Hermione Granger ainda estava próxima. Afagou o seu rosto e lhe deu um beijo carinhoso. Afastou-se finalmente, atendendo a solicitação de um dos guardas do tribunal, mas não tirava os olhos do amigo. Eu era obrigado a admitir que num mundo dominado pelo Lorde das Trevas aquele tipo de sentimento provavelmente seria banido. Como qualquer resquício de humanidade. Quando Harry Potter falou novamente, entretanto, o fez de maneira segura, com a sua voz grave, que não parecia de modo algum pertencer a alguém doente:
- Continuo achando estranho que agora vocês estejam preocupados com a minha opinião – afirmou o Eleito – Minha opinião sempre foi considerada pelo nosso estimado governo bruxo como a de um lunático.
- Senhor Potter, limite-se a responder o que lhe foi questionado! – advertiu-o o ministro Blackwell.
- Ah, lamento informar que o senhor não pode me obrigar a fazer o seu jogo. O senhor nunca pôde, na verdade – retrucou friamente o ex-grifinório
- Senhor Potter! – advertiu novamente o ministro.
- Muito bem – disse Harry de maneira cansada – Não sei porque vocês insistem nisso. Meu amigo Rony Weasley já disse o que era necessário, na minha opinião. Se vocês não acreditaram nele e no Professor Dumbledore, entre outros, não sei porque perdem tempo comigo.
- Por favor, Senhor Potter! - quase implorou agora o ministro.
Hermione Granger e Rony Weasley abafavam risinhos ao ver o desespero da autoridade do mundo bruxo. Eram umas figuras esses grifinórios.
Na época eu não estava a par das mesquinharias da política bruxa. Para dizer a verdade, eu estava pouco me lixando para a política bruxa naquele tempo. Não sabia dos conflitos que opuseram a Ordem da Fênix ao Ministério. Pouco havia ouvido falar da tentativa de alguns bruxos de desmoralizar Potter e Dumbledore durante a guerra. Por isso eu estava estupefado ao ver o “todo poderoso herói do mundo mágico” desafiar daquela maneira o governo. Eu não entendia também a mal disfarçada hostilidade do ministro com o sujeito que eu imaginei que todos estariam puxando o saco. Lembrei vagamente da frase de Severo Snape dizendo que Potter não se deixaria usar. Isso significaria o que?
- Muito bem – declarou Harry Potter com uma formalidade claramente fingida e irônica – Não há qualquer prova de que Draco Malfoy é ou tenha sido algum dia um Comensal da Morte. Não acho que ele deva pagar pelos erros dos seus pais. Seria uma forma absurda de justiça.
- O senhor está dizendo que Draco Malfoy é inocente das acusações? – perguntou o interrogador, incrédulo.
- Vocês nem mesmo me esclareceram do que ele está sendo acusado – disse Potter de maneira cínica – Acho que vocês estavam muito ocupados tentando pegar o dinheiro da família dele.
Risos foram ouvidos por todo o tribunal, enquanto Georgius Blackwell tentava inutilmente colocar ordem no recinto.
“Boa, Potter!”, alguém gritou da audiência, iniciando uma nova ameaça de tumulto.
- Não há prova alguma de que Draco Malfoy seja ou tenha sido algum dia um Comensal da Morte, se é isso que vocês querem saber – reafirmou o Eleito tranqüilamente – Digo mais: sua informação sobre a localização da fortaleza de Voldemort (foram ouvidos novamente gemidos e lamentos no plenário) foi fundamental para a nossa vitória. Não gosto de Draco Malfoy. Mas ele nos foi mais útil do que muitos dos que estão aqui hoje julgando-o. E loucos para que o governo ponha a mão no ouro da sua família. Se esse governo quiser cometer uma infâmia, cometa sozinho. Sem a minha ajuda.
Uma tempestade de aplausos seguiu-se ao último comentário. Vários funcionários tinham o rosto retorcido pela contrariedade. Potter havia desmoralizado publicamente o governo e me inocentado.
Meu cérebro demorou a processar essa informação. Harry Potter estava me isentando das acusações de ser um adepto de “você-sabe-quem”. Enfrentou o governo e os burocratas que queriam me condenar e colocar as mãos no ouro da minha família.
Georgius Blackwell parecia que tinha tomado uma poção particularmente amarga. A contrariedade do seu rosto estamparia no dia seguinte a primeira página do “Profeta Diário” e essa imagem passaria à posteridade. É claro que tenho essa edição do jornal guardado até hoje.
Houve um burburinho entre os membros do Grande Conselho e entre as pessoas que assistiam ao julgamento. O ministro havia emitido a sentença. Estava tão abismado que a princípio não entendi que ele falava alguma coisa a meu respeito.
- Esse tribunal isenta o Senhor Draco Lucio Malfoy de todas as acusações – declarou Georgius Blackwell, profundamente contrariado.
Sem esperar mais nada, Weasley e Hermione Granger saltaram novamente a grade e ajudaram seu amigo a se levantar. Os três pareciam realmente muito satisfeitos. Tive vontade de me aproximar deles e agradecer ao Eleito por ter salvado a minha pele. Mas estava totalmente paralisado. “Esse tribunal isenta o Senhor Draco Malfoy de todas as acusações”, a frase ainda martelava a minha mente.
- Vamos embora, Draco – disse Severo Snape ao meu lado – Você está livre.
- Não, Severo, é um truque deles, você não vê? – disse fora de mim.
A minha aparência quando pronunciei essa frase deveria ser a de um lunático, pois o antigo professor me encarou como se estivesse olhando para um. Flashs das máquinas fotográficas dos jornalistas espocavam à minha volta. Naquele momento acreditei de maneira insana que era tudo um truque. Que me prenderiam assim que eu ameaçasse sair do tribunal.
- Você não vê, Severo? – perguntei, a voz rouca como a de um louco varrido – Potter estava só se divertindo às minhas custas. Eles vão me mandar para Azkaban. É lá que eu mereço estar! – quase gritei.
Tudo depois disso ficou estranhamente escuro. Mergulhei numa bruma espessa sem sonhos nem recordações, acreditando de maneira insana que acordaria em Azkaban. Não era para lá que heróis como Harry Potter mandavam criminosos ou filhos de criminosos como eu?
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Acordei horas mais tarde num dos quartos da Mansão Malfoy. Tentei recordar o que havia acontecido. Estava livre, pensei abobado. O maldito grifinório me livrou de Azkaban e me deu de presente a minha própria vida. Livre!
- Como está, Draco? – perguntou Severo Snape, instalado confortavelmente na sala de estar da mansão, para onde eu acabava de me dirigir. Lia um antigo livro e degustava um excelente vinho feito por elfos espanhóis – Eu disse que aqueles grifinórios não o deixariam ir para a prisão.
- Sim, você disse – respondi como um autômato.
- Você está bem? – perguntou preocupado o meu antigo professor de poções – É compreensível que esteja abalado...
Não deixei que ele terminasse a frase. Abraçado a Severo Snape, fui sacudido por uma crise de choro absolutamente constrangedora. Não conseguia parar. Primeiro a crise que tive no Tribunal, agora isso. Certamente o próximo passo seria a ala dos loucos do St. Mungus. Surpreendentemente Severo me amparou e me consolou durante os breves minutos que durou o meu descontrole, agindo com uma sensibilidade que não imaginava que ele possuísse.
- Por que, Severo? – pergunto depois de me acalmar um pouco – Por que aquele tolo perdeu a oportunidade de me mandar para Azkaban?
- Você subestima o senso de justiça daqueles grifinórios – respondeu o antigo mestre de poções – Mas não fique tão lisonjeado com isso, Draco. Tenho certeza que você não representa nada para Harry Potter. Ele faria o mesmo por um hipogrifo ou por um testrálio.
- Você sabe levantar a moral de uma pessoa – digo irônico. Sorrindo – Acabou, não é mesmo?
- Certamente.
- Eu gostaria que você agradecesse ao Professor Dumbledore e ao Potter.
- O Professor não precisa de agradecimentos, embora eu possa transmitir-lhe a sua mensagem. Quanto ao Potter, bem, acho que ele ainda não gosta muito de mim.
- Sério? – pergunto, fingindo surpresa – Como alguém poderia não gostar de uma pessoa doce como você?
- São uns ingratos esses grifinórios – Severo me devolve a brincadeira.
- E... Severo?
- Sim?
- Obrigado por tudo. Mesmo.
- Eu prometi à sua mãe que cuidaria de você. Isso inclui alguns conselhos, é claro...
- Por exemplo? – pergunto curioso
- Hermione Granger.
- O que tem ela? – fiz a pergunta sabendo exatamente o “que tinha ela”.
- Ela realmente é uma moça extraordinária. A propósito: eu lanço em você uma maldição imperdoável se disser por aí o que eu acho da Srta. Granger.
Bem, o mundo estava realmente de ponta cabeça: Potter me livrando de Azkaban e Severo Snape elogiando Hermione Granger, a melhor amiga do “Potter Perfeito”.
- E qual o conselho que você me dará a respeito da garota?
- Ela não é para você. Eu vi como você olhava para ela no Tribunal.
- Mas...
- Não negue, Draco. Eu nem precisaria ser um bom legilemente, o que eu sou, para perceber. Ela ama aqueles grifinórios. Aliás, eu até entendo que ela goste do Potter. Ele é um idiota, mas é corajoso, rico, famoso. Mas aquele Weasley...
- Você não acha que eu não sou páreo para um Weasley? – pergunto, o meu orgulho levemente ferido.
- Não nesse jogo, meu caro. Granger considera o Potter como uma espécie de irmão mais novo. Ela o ama, mas de uma maneira totalmente fraterna, se é que você me entende. Mas ela é totalmente apaixonada por aquele ruivo idiota. Completamente. Eu convivi com eles durante a guerra. Mais do que eu gostaria, diga-se de passagem. Sou um bom observador, como já disse antes. Conheço uma mulher apaixonada quando vejo uma. Você não tem a menor chance. Não gostaria que você passasse a vida sonhando com uma mulher inatingível. Não é saudável, Draco. Sei por experiência própria.
- Mas ela...
- Sei. É bonita, inteligente, corajosa, leal. Ela ainda não se deu conta disso, mas pode virar a cabeça de um homem. Virou a daquele ruivo, que é louco por ela. Virou a sua ainda em Hogwarts. Eu notei antes que você mesmo se desse conta. Aquele ódio gratuito que você sentia não era apenas por ela ser uma “sangue-ruim”. Você não suportava a maneira como ela olhava para o Potter e para o Weasley. Você queria aquele olhar para você. Mas sabia que nunca o receberia.
- Como você pode saber de tudo isso? – pergunto, chocado demais para negar.
- Experiência própria, como já disse. Era assim que eu me sentia com a sua mãe. Embora não tenha desenvolvido um falso sentimento de ódio, como o que você desenvolveu em relação à Senhorita Granger. Era daquela maneira irritante que ela olhava para o seu pai.
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Depois da guerra foram selados acordos entre os governos mágicos e os governos trouxas da Europa. Bruxos que se interessassem poderiam cursar universidades trouxas, sendo os diplomas das escolas de magia reconhecidos.
Sabia de várias pessoas que estavam se aproveitando disso. Depois da guerra, aos poucos, o mundo bruxo começava a viver novamente. Um parente distante havia me dito que o quadribol seria um grande negócio dali para frente. Entre os cursos disponíveis para bruxos em universidades européias havia um chamado Administração e Marqueting Esportivo. Lendo o prospecto, aquilo me pareceu muito próximo de algo que os Malfoys sempre haviam sido muito bons: trapaça e influência. Depois, sair um pouco da Inglaterra e me misturar com os trouxas poderia ser saudável. A imprensa bruxa não me deixava em paz. Não conseguia ir para lugar algum sem que um bando de idiotas me seguissem. Era hora de mudar de ares.
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Nos anos seguintes acompanhei com interesse as peripécias do “Trio Maravilha”. O desempenho espetacular de Potter e de Weasley naquele time medíocre dos Trasgos. Soube da separação de Weasley e Granger. Por algum motivo estranho, acompanhava tudo o que dizia respeito a eles.
- Cara, se eu tivesse dinheiro eu formaria um time com esse tal Potter e aquele “Maluco” Weasley – dizia para mim na hora do almoço um colega de classe russo, um dos bruxos que faziam o curso universitário comigo na Alemanha.
Ele estava sempre pensando em alguma forma de ganhar muito dinheiro.
Mas não era má idéia formar um time com aqueles dois. Não achei que seria difícil convencer alguns bruxos ricos a comprar o medíocre time dos Trasgos e fazê-lo um time de verdade.
Ei, que grande idéia! Estava terminando o meu curso e um universo inteiro de oportunidades se descortinava à minha frente. Eu era um Malfoy e Malfoys sempre pagam os seus débitos. Faria um favor àqueles grifinórios cabeçudos, fazendo-os jogar num time de verdade. Time que “por acaso” eu iria dirigir.
Pronto! Já tinha um projeto para os próximos anos. O mundo bruxo que se cuidasse. Draco Malfoy estava pronto para o jogo! E cheio de idéias geniais!
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BOM, AQUI ESTÁ O CAPÍTULO DOIS, QUE NA VERDADE É MAIS UMA CONCLUSÃO DO CAPÍTULO ANTERIOR. NO PRÓXIMO, VOLTAM OS NETINHOS DO DRACO E O SIMPÁTICO VOVÔ VAI CONTAR A HISTÓRIA DO “POTTER 500”. SIM, O “POTTER 500”! ESPEREM E VERÃO!
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