Começando a viver



Capítulo 1 – Começando a viver


“O futuro está no ar
Eu posso senti-lo em todos os lugares
Soprando com o vento da mudança”
(Wind of change - Scorpions)




Paz - Uma palavra tão simples, pura e direta; mas que continha um significado tão amplo e tão forte. Esse estado de quietude que pairava no ar, como o mais delicioso dos perfumes, o qual, por mais que aspiremos não nos enjoa e nem se torna cansativo. Além da magia em si, que aqueles centenários muros carregavam, havia aquele clima sereno que nos envolve após uma devastadora tormenta.

Gina Weasley sentia isso facilmente enquanto caminhava nos corredores silenciosos de Hogwarts. Era a última manhã que passaria naquele lugar como estudante. Após tanta luta, após tanto sofrimento e pesar, finalmente a guerra passara, deixando suas dores e cicatrizes, mas com a sensação de plenitude e dever cumprido que nem mesmo as palavras seriam capazes de descrever.

A ruiva acordara cedo naquela manhã de verão, desperta pelos primeiros raios de sol que despontara no céu e se insinuara sutilmente para dentro das cortinas do dossel de sua cama. Aproveitara para se despedir sozinha daquele lugar, palco de uma das batalhas mais sangrentas e violentas que a comunidade bruxa já presenciara.

Quase um ano se passara desde a queda do Lorde Negro, mas Gina ainda podia ouvir os sons da batalha final: os feitiços que eram lançados e que ricocheteavam nas paredes e abalavam as estruturas de pedra, o lamento de dor daqueles que foram feridos; as pessoas furiosas e desesperadas que corriam por todos os lados na tentativa de proteger os estudantes e o sussurro da morte que parecia preencher cada espaço vago no ar.

Noite mais sinistra do que aquela Gina poucas vezes vira exceto o momento de terror que passou na Câmara Secreta ou de quando a escola fora invadida por Comensais da Morte e Dumbledore se fora... Entretanto, o que a verdadeiramente aterrorizou naquela noite decisiva não foi o medo de perecer, Gina nunca temera a morte. Mas a perspectiva do que estava prestes a acontecer lhe angustiava o peito: a profecia finalmente se cumpriria!

Desde o momento em que o ataque à escola começou que a jovem Weasley era capaz de sentir todo o seu interior contorcer-se de aflição, sabendo que sua vida estava ligada à de Harry para sempre e que, não importando o que acontecesse, o destino dele também seria o seu.


As aulas daquele dia haviam acabado de terminar. Solitária, Gina Weasley caminhava apressadamente para a torre onde ficava a sala comunal da Grifinória com a intenção de deixar sua mochila e retornar ao salão principal, onde haveria o tradicional banquete do dia das bruxas.

Poderia parecer irracional manter aquela tradição quando lá fora havia uma guerra impiedosa e sangrenta. Entretanto, apesar de se ter passado mais de um ano da morte de Albus Dumbledore - o que para muitos significava que a escola de magia e bruxaria se tornaria um alvo fácil para o Lorde das Trevas - nenhuma investida ameaçara Hogwarts. Ao menos até aquela noite.

O Lorde Negro prosseguia com suas ofensivas de violência e terror, mas para surpresa de muitos, não fora algo tão intenso quanto se esperava. Os ataques de dementadores, gigantes e lobisomens eram aleatórios por todo o país, e os comensais da morte que estavam em liberdade continuavam torturando, ameaçando e matando a população... mas nada parecia diferente de antes da morte de Dumbledore.

Era quase certo: Lord Voldemort estava planejando algo e certamente seria grandioso. Mas não havia como se ter certeza absoluta já que o espião infiltrado nos Comensais da Morte, Severus Snape, não só estava sendo procurado pelo Ministério da Magia, como também tivera o seu disfarce revelado. A Ordem da Fênix estava totalmente no escuro, tentando descobrir quase que por intuição o que Voldemort faria a seguir. E com a ausência de Dumbledore, as coisas ficavam ainda piores.

Pouco antes de chegar ao corredor onde ficava a passagem do quadro da mulher gorda, Gina sentiu uma mão puxá-la pelo braço e arrastá-la até uma sala vazia.

-Hermione? – Gina espantou-se ao ver a amiga, que parecia mais pálida e com um olhar assombrado. Não se viam há algum tempo, já que após concluírem os estudos em Hogwarts, Harry prosseguira em sua busca pelas horcruxes, tendo Rony e Hermione com ele. – O que aconteceu?O que você tá fazendo aqui? Cadê o Harry?

-Calma Gina! – Hermione tentou tranqüilizar a outra garota, mas sua voz parecia levemente trêmula. – O Harry também está aqui em Hogwarts, pediu que eu te chamasse. O resto nós explicamos lá na sala da diretora McGonagall.

-Mione! – a ruiva parou na frente de Hermione, antes que as duas se encaminhassem para a sala da diretora. – O Harry está bem, não está?

-Está sim, Gina! – Hermione abriu um breve sorriso, que por um momento afastou aquela sombra de apreensão não só de seu rosto, como do de Gina também. – Vamos logo!

Em poucos minutos as duas estavam defronte as gárgulas que guardavam a escadaria que levava ao escritório da diretoria de Hogwarts, cargo ocupado por Minerva McGonagall.

-Balaço errante! – Hermione falou a senha, ao que as gárgulas saltaram para o lado, revelando a passagem para o escritório. Apressadamente galgaram as escadas rolantes em espiral e antes mesmo que pudessem abrir a porta, a figura miúda do Professor Flitwick saía de dentro do escritório, parecendo atarantado.

O escritório, que durante vários anos fora decorado por curiosos e fascinantes objetos de prata, hoje era coberto por livros de aspecto antigo. No entanto, os quadros dos antigos diretores, assim como a espada de Godric Gryffindor e seus magníficos rubis que brilhavam imponentemente quando tocados pelo sol fraco daquele fim-de-tarde, permaneciam intocáveis.

-Harry! – Gina correu para o rapaz que estava de pé perto da janela da sala circular. Ele parecia muito sério, encarando os terrenos da escola com um olhar determinado e ao mesmo tempo expectante. Parecia que enxergava mais do que se era possível ver, como se uma grande sombra estivesse se aproximando e obscurecendo todo o resto.

Como se houvesse despertado de um transe, Harry desviou os olhos do horizonte que começava a escurecer e encarou a jovem que olhava ansiosamente para ele. Suavizou um pouco a expressão, mas não sorriu. Beijou-lhe levemente o topo da cabeça, sem dizer palavra alguma, enquanto Gina o abraçava pela cintura.

Só então Gina notou que havia outras pessoas na sala circular: além da diretora McGonagall, estavam também Hermione e Rony – que estava tão pálido quanto a namorada.

-Por Merlin, alguém pode me explicar o que tá acontecendo? - Gina inquiriu, colocando as mãos na cintura.

-Encontraram o Sr. Olivaras na Travessa do Tranco, completamente atordoado. - Finalmente McGonagall falou. - Por sorte Mundungus estava pela região e conseguiu contatar a Ordem imediatamente. Antes de ser levado ao St. Mungus, ele foi trazido até a Sede da Ordem para que pudéssemos tentar obter alguma informação dele.

Vendo que Gina ia abrir a boca para falar, Hermione explicou:

-Ele ficou desaparecido por mais de dois anos, poderia ter alguma informação útil para nós, entende? Sem contar que já havíamos perdido as esperanças de encontrá-lo vivo.

Gina aquiesceu e continuou prestando atenção.

-O homem não estava em condições de dizer o que fosse. Então, Snape - e nesse momento uma expressão curiosa se instalou no rosto de Harry quando ele disse o nome do homem. - teve de usar legilimência para tentar obter alguma coisa.

-Voldemort... - Hermione sussurrou, interrompendo Harry. - Ele manteve o Sr. Olivaras como refém por todo esse tempo trabalhando para ele. Fabricando varinhas.

-Suponho que Lord Voldemort tenha feito isso pensando em, talvez, evitar o infortúnio do "Priori Incantatem". - Ouviu-se, então, a voz de Dumbledore soando de dentro de sua moldura, sobressaltando todos. – Mesmo sabendo que não poderá obter uma varinha tão poderosa quanto a original, ele tem consciência de que os seus poderes são extensos e se julga capaz de vencer Harry ainda assim.

-Eu não entendo... – Hermione murmurou, encarando o quadro de Dumbledore. – Eu não entendo porque Voldemort não matou o Sr. Olivaras depois de ter conseguido outra varinha... Quer dizer, faria alguma diferença mantê-lo vivo agora?

-Ele deixou o Sr. Olivaras vivo para me dar um aviso. – Harry disse. – Que não importa o que eu faça, ele estará me caçando! Para que eu soubesse que ele está pronto!

Hermione e Minerva emitiram exclamações de pavor: a diretora apertava os lábios com tanta força, que estes pareciam apenas uma fina risca em seu rosto; Rony permanecera calado, os olhos fixos em Harry; e Gina, assim como Hermione, parecia preocupada, mas havia um quê de bravura e confiança brilhando em seus olhos, que deixaram Harry impressionado.

Harry se aproximou mais do quadro, a expressão em seu rosto parecia uma máscara onde um misto de resolução, coragem e certa ferocidade estavam estampadas.

-Vai ser nessa noite, professor! – Ele falou, sem ousar olhar para os amigos e Gina. – Ele se preparou durante todo esse tempo para um duelo entre nós dois e esse duelo vai ser nessa noite.

-Mas como você sabe que vai ser hoje? – Rony perguntou, para logo em seguida engolir em seco.

-Lord Voldemort sempre foi muito ligado a símbolos e datas. Assim como ele achou que o dia das bruxas seria um dia perfeito para marcar a sua supremacia ao matar o bebê da profecia... – E enquanto falava, Dumbledore olhava com confiança para Harry. – Certamente ele escolheu essa data para terminar aquilo que não conseguiu quando você tinha apenas um ano, Harry.

-Ele vai “tentar” terminar aquilo que não conseguiu, assim como vai “tentar” dominar Hogwarts! – Harry falou. – Eu tenho certeza que Voldemort deve estar por perto, apenas espreitando, aguardando o momento certo para dar o bote.

-Eu pedi para Filius avisar aos coordenadores das casas para reforçarem os feitiços de proteção nas entradas do castelo e levarem os seus alunos para as suas respectivas salas comunais. Os membros da Ordem já foram contatados... –E Minerva McGonagall encarou o retrato de Dumbledore. - mas sinto que isso ainda não é o suficiente.

-Minha cara Minerva, quantas vezes achamos que não haveria mais esperança e que as trevas possuíam tal força que nada seria capaz de dissipá-las? - Apesar do sorriso aparentemente calmo, um fulgor quase sobrenatural brilhava nos olhos daquela pintura. Não importava como, Dumbledore sempre instilaria confiança em todos. - E ainda assim nós nunca desistimos e dessa vez não vai ser diferente.

A diretora aquiesceu, voltando a assumir a postura enérgica que lhe era tão característica.

-Gina, preste atenção - Harry se aproximou da garota, fazendo com que ela o encarasse. A ruiva, apesar de saber que Harry sempre fora excepcional, via apenas diante de si um rapaz jovem demais ligado a um destino que poderia ser trágico e que mesmo assim mantinha a cabeça erguida, lembrando os valorosos guerreiros das lendas. – Eu sei que não posso te impedir de lutar, que não tenho poder algum sobre você. – Sorriu brevemente e continuou. – Mas eu não conseguiria lutar sem ter a certeza de que você está bem e está segura. Eu quero que você fique com os outros alunos e só saia se algo realmente sério e grave acontecer, entendeu?

-Sinto muito, Harry, mas não vou fazer isso! – Gina respondeu, jogando a cabeleira ruiva para trás e cruzando os braços. – Eu vou lutar como sempre fiz e como sempre vou fazer. Sendo da sua vontade ou não. Já lhe disse isso uma vez e vou repetir: eu não vou ficar me escondendo e ver o meu namorado, os meus irmãos e amigos lutando na guerra.

-Gina... – Harry começou, mas foi interrompido pela ruiva.

-Depois de tudo o que aconteceu você deveria saber que eu nunca aceitaria essa sua condição idiota.

-Desiste, cara! – Rony tentou parecer divertido. - A ruiva aí é mais teimosa que todos os Weasley juntos.




-Bom dia Gina!

A ruiva sobressaltou-se, ao ouvir uma voz feminina falando com ela. Mal tinha se dado conta do fato, tão imersa estava em suas lembranças. Olhou para trás e se deparou com a amiga corvinal Luna Lovegood, que também estava chegando ao saguão do castelo, onde Gina estava.

-Oi Luna! – Gina sorrira, aguardando para que a outra a acompanhasse. Começaram a caminhar para o salão principal, onde alguns poucos alunos já haviam chegado para o café da manhã. – Caiu da cama?

-Oh, apenas me despedindo da escola! – A loira respondera, olhando sonhadoramente para o céu encantado do castelo que exibia um céu azul e quase sem nuvens. – Assim como você, não é Gina?

-Exatamente! – Por mais que soubesse que poderia voltar a pisar nos terrenos de Hogwarts, nunca mais iria ser a mesma coisa de quando era uma estudante. A ruiva suspirou, olhando ao redor, tentando guardar cada detalhe da extraordinária construção, que tantas lembranças diferentes lhe trazia. – Vou sentir falta desse lugar!

Contemplar a mesa onde ficava o corpo docente no salão principal era sempre doloroso: os lugares que pareciam estar permanentemente vagos fossem por uma razão ou outra, como o de Dumbledore que sempre estaria ali, vazio, como se bruxo algum fosse capaz de ocupar aquele espaço e que Minerva McGonagall sempre ressaltou, todas as vezes que dirigia um olhar furtivo àquela cadeira. Argos Filch, Pomona Sprout, Horácio Slughorn – ausentes por terem sido vítimas do sítio feito em Hogwarts... Sem contar os próprios alunos que haviam sofrido perdas, fosse de parentes ou amigos.

Nunca Hogwarts parecera tão diferente e vazia para Gina, como agora, onde estava de certa forma sozinha sem a companhia de Harry, Hermione e os seus irmãos. Mas dizer que sentia falta de como eram as coisas anteriormente seria até estupidez. Qualquer sentimento de saudade que por ventura lhe apertasse o peito era compensado pela certeza de que Harry estava bem, de que ele estava vivo; apenas esperando por ela. Não havia mais Lord Voldemort para ameaçar a vida deles e os poucos comensais que conseguiram escapar, aos poucos, estavam sendo capturados.

A ruiva não conseguiu conter o sorriso que lhe aflorou nos lábios ao se lembrar que faltava muito pouco para reencontrar Harry...

Finalmente eles poderiam viver de verdade, tranqüilos, felizes. E nada seria capaz de apagar aquele sentimento de plenitude de Gina Weasley. Nada!


****



Das altas vidraças do aposento, uma fraca nesga de luz penetrava e dançava no ar, até finalmente iluminar o rosto sombrio da jovem que estava ajoelhada no chão de pedras frias. Havia uma bacia de prata à sua frente e ela encarava as águas mansas que estavam na bacia, totalmente compenetrada.

Fazia pouco mais de uma semana que Morrigan tivera aquele estranho sonho e por mais que tentasse afastar aqueles pensamentos de si, não conseguia; tinha a impressão de que as palavras proferidas pela jovem noviça estavam impregnadas nela, assim como o crescente em azul que marcava a sua fronte. Aquilo tudo fora tão forte, tão vivo e verdadeiro, que se ela fechasse os olhos por alguns segundos poderia sentir o perfume dos bosques de Avalon e o poder místico fluir em seu corpo.

Desde que saíra de seu antigo lar, que Morrigan constantemente sonhava com Avalon. Às vezes eram sonhos com Eriu ou com sua mãe, mas nenhum de seus sonhos se comparava àquilo. Não era somente um devaneio, disso Morrigan tinha certeza. Era uma Visão enviada a ela por algum misterioso desígnio e a vontade de decifrar aquele enigma superava tudo o que ela desejasse no momento. Como uma obsessão.

Morrigan era poderosa ao seu modo, mas sempre utilizara o seu poder para as pequenas magias. Não sabia se seria capaz de invocar a Visão, mas tentava utilizar todo o seu poder para isso, mesmo sabendo que não possuía o dom da vidência.

Voltando a se concentrar, direcionou todo o seu domínio mental para o espelho d’água que estava à sua frente. Sentia que aquilo era como uma extensão de seu próprio ser e que dentro daquele recipiente poderia refletir os seus pensamentos e encontrar a resposta dentro de si.

“Avalon... Eu preciso saber o que está acontecendo em Avalon...”

Aos poucos a superfície da bacia de prata começou a transformar-se: um homem de cabelos negros e desalinhados sentado num canto escuro e úmido surgiu no reflexo cristalino das águas. Ele parecia infeliz e miserável, mas tentava ocultar isso de todos os modos possíveis. Ela não sabia ao certo que lugar era aquele, mas conhecia o homem profundamente, mesmo que não fosse capaz de reconhecer as suas feições.

E uma lágrima indesejada desprendeu-se de seus olhos e agitou a superfície do espelho d’água, fazendo com que a imagem desaparecesse...

Não durara mais do que alguns poucos segundos, mas isso fora o suficiente para comover a Sacerdotisa, sem que ela soubesse o real motivo. Uma agonia feriu o seu peito, como se algo muito ruim fosse inserido em seu coração. Quem era aquele homem? Porque aparecera em sua Visão, quando o que ela mais desejava saber era se Avalon estava em perigo? E porque aquele sufocante sentimento de dor lhe turvava os pensamentos?

-Morrigan?!

A Sacerdotisa sobressaltou-se, quando ouviu a voz suavemente baixa de Snape lhe chamando. Secou os olhos rapidamente, na vã tentativa de ocultar aquele estado aflitivo. Levantou-se do chão de seu aposento, ainda trêmula e confusa, esforçando-se para empurrar para o fundo de sua mente as suas preocupações.

-Você ainda não terminou de se arrumar?! – Indignou-se Snape, quando entrou no aposento e encontrou Morrigan ainda de camisola, os longos cabelos negros soltos. – Vamos nos atrasar para o café-da-manhã.

A Sacerdotisa parecia não registrar as palavras de Snape. Quanto mais se esforçava para esquecer o seu sonho, mais as palavras da noviça pareciam reverberar nela. Mecanicamente tentava trançar os cabelos, sem obter sucesso; vez ou outra alguma mecha escapava do penteado e ela irritava-se, recomeçando o processo. Por fim, acabou por deixar os cabelos soltos e colocou um vestido escuro e sóbrio, tendo como único ornamento o seu colar de pedra-da-lua.

-O que você tem? – Snape perguntou, enquanto ele e sua companheira encaminhavam-se para o salão principal de Hogwarts, para a primeira refeição do dia. – Ainda está preocupada com aquele sonho?

Morrigan estacou surpresa quando ouviu aquilo. Esforçara-se tanto para resguardar a sua apreensão e ainda assim Severus fora capaz de saber o que tanto a inquietava sem nem precisar usar legilimência.

-Me desculpe a minha distração, Severus. – Ela falou com voz baixa. – Mas esse sonho foi tão intrigante, que não posso deixar de me preocupar. Não sei como têm sido as coisas em meu antigo lar depois da morte de minha irmã. Tentei buscar alguma resposta, mas só tenho visto coisas mais confusas e isso me incomoda mais ainda.

Snape, que já se habituara aos estranhos hábitos de Morrigan – mesmo que não acreditasse muito nos dons de vidência que ela por ventura pudesse ter – limitou-se a aquiescer em silêncio.

Quase todos os alunos já estavam no salão principal de Hogwarts quando o casal ali chegou. Era sempre desconfortável para Snape encarar o local onde o ex-diretor costumava se sentar. Apesar de ter sido inocentado das acusações de assassinato alegando ter sido um plano traçado pelo próprio Dumbledore e esse depoimento ter sido comprovado em julgamento com as provas de que Snape trabalhara por um longo período como espião, os olhares de curiosidade e indignação sempre o perseguiam, a todos os lugares que fosse. Não que ele se importasse com o que dissessem dele, justamente ele que nunca fora uma pessoa “adorável”; mas era sempre muito incômodo enfrentar aquilo diariamente agora que retornara ao seu antigo cargo de Professor de Poções.

-Bom dia Srta. Prince! – Uma voz cumprimentou alegremente, quando os dois encaminhavam-se para a mesa do corpo docente.

Morrigan - ou Srta. Prince, como era conhecida pelos alunos e demais Professores - voltou-se para a mesa destinada à corvinal, onde uma aluna solitária encarava-a com seus azuis olhos protuberantes.

-Bom dia, Luna! – Morrigan sorriu brevemente, voltando em seguida a assumir a costumeira expressão séria e imponente. Sentia um carinho especial por aquela aluna da corvinal, sem nem saber o real motivo. Morrigan simplesmente não se conformava com o fato das pessoas não levarem a garota à sério, achando que ela fosse apenas uma excêntrica que falava sobre coisas estranhas. Luna era diferente dos outros alunos, tinha uma sensibilidade tão amadurecida, que era difícil acreditar que possuísse apenas dezessete anos.

Morrigan cumprimentou Gina discretamente, que terminava o seu café-da-manhã e saía do salão principal e se encaminhou para a mesa destinada ao corpo docente de Hogwarts, onde Severus já estava acomodado e principiando a sua refeição.

Apesar de serem sempre vistos juntos – fosse durante as refeições ou caminhando pela propriedade – poucos sabiam do envolvimento do Professor de Poções com a misteriosa moça que viera auxiliar a Professora de Herbologia dois anos antes. Adotando o sobrenome de solteira da mãe de Snape, o Prince do qual Severus tanto se orgulhava, Morrigan principiara o seu trabalho em Hogwarts e, além disso, assumira com seriedade o encargo de ajudar Gina a usar sua Visão. Não fora uma tarefa fácil, não só por causa do excesso de afazeres e responsabilidades que acumulara, mas principalmente por causa da constante apreensão que a guerra trazia.

Mas em pouco tempo se viu tão envolvida em suas tarefas, que se sentia familiarizada com aquele ambiente tão impregnado de magia e mistério. Os alunos temiam-na um pouco, principalmente por causa de sua postura sisuda; mas ao contrário de Snape, ela sabia como e quando utilizar o seu poder. E o temor, no final, acabou se transformando em respeito sincero pela mulher que parecia tão jovem e tão perspicaz.

Observar os alunos, tão alegres e despreocupados, ansiando por voltarem para casa e aproveitar as férias, era sempre gratificante. Era a primeira turma que se formaria após o final da guerra e aquela formatura teria um significado todo especial. Ao que tudo indicava, as coisas estavam caminhando bem.

E Dumbledore, onde quer que estivesse, observaria aquilo com verdadeira satisfação.


****



A locomotiva vermelha surgiu de uma curva, soltando fumaças brancas e repolhudas. No mesmo ritmo uniforme, deslizava sobre os trilhos, até desacelerar e estacionar na plataforma 9 ¾ da estação de King’s Cross. Várias portas se abriram e estudantes ansiosos saíram dos seus compartimentos, inclusive uma jovem garota ruiva, acompanhada por outra garota, esta loira e de protuberantes olhos azuis e sonhadores.

-Gina! – a garota ruiva apurou os ouvidos e virando-se, conseguiu distinguir a figura de seus pais, acenando para ela. Logo a caçula Weasley estava sendo abraçada efusivamente por sua mãe e recebendo sorrisos orgulhosos de seu pai. – Oh, querida que saudades!

A saudade era o que mais incomodava Gina naquele momento. Mas o estado saudoso que estava dos pais fora rapidamente sanado. Uma pontinha de frustração começava a tomar conta dela, quando algo fez com que ela se desvencilhasse dos braços da mãe, ansiedade tomando conta de seu espírito.

-Harry! – A garota murmurou, um sorriso radiante se formando em seus lábios. Saiu correndo pelo meio da multidão que apinhava a estação, até encontrar o rapaz encostado numa das pilastras, o corpo semi-obscurecido pelas sombras projetadas ali.

-Você não achou que eu fosse perder essa, não é? – O olhar dele, apesar de estar um pouco mais sério, era o mesmo olhar límpido de sempre. – Parabéns pela sua formatura!

-Você disse que só voltaria ao país na semana do seu aniversário! – Gina colocou as mãos nos quadris, tentando parecer ameaçadora.

-Eu quis fazer uma surpresa! – Harry sorriu, ficando ainda mais semelhante com o rapaz que ela conhecera desde sempre. A limpidez do olhar ficava ainda mais intensa, quando ele sorria dessa forma, fazendo com que a sombra das antigas dores ficasse totalmente esquecida. – Mas se você não gostou, eu volto só no dia marcado...

Gina abriu e fechou a boca várias vezes, parecendo indignada.

-Claro que não, Sr. Potter! – Ela o puxou pela frente da capa, a expressão em seu rosto ficando intensa e passional. – Nós temos muito que conversar!

-Conversar? – Harry arqueou as sobrancelhas, parecendo divertido ao ver que Gina tentava parecer intimidante. E obviamente ela não obteve nenhum sucesso.

Ela sorriu e no instante seguinte envolvia o rapaz em um abraço forte, cheio de saudade, desejo e proteção; desejando acabar com aquele sentimento incômodo de vazio que lhe perseguia quando estava longe de Harry.

-Eu estou de volta! – Ainda sem se afastar do abraço, o rapaz falou. – E dessa vez nada vai me tirar daqui!

-Nem mesmo a minha azaração pra rebater bicho papão? – Gina gracejou, após beijá-lo docemente.

-Nem mesmo isso! – Harry sorriu, acariciando de leve o rosto da garota.

De mãos dadas, caminharam em direção ao casal Weasley, que observava, de longe, o reencontro de Harry e Gina. Os abraços carinhosos, as mil perguntas na tentativa de acalmar o seu coração materno e preocupado, o sorriso de alívio... e Molly não conseguia esconder as lágrimas de alegria por ver que tudo estava voltando ao normal.

E juntos, os quatro atravessaram a barreira mágica, onde uma nova vida os aguardava.


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Notas:

1- Porque a Morrigan está em Hogwarts?
Leia a Short "Samhain Night" onde isso é melhor explicado. ;-)

2-A fic começa em Junho de 1999, portanto, dois anos após os acontecimentos de "O país das fadas" (que ocorreu em Agosto de 1997), e um ano após a queda de Voldemort.

3-Tecnicamente, a continuação d'O país das fadas deveria ser a busca das horcruxes e tal. Bom, como eu não tava com a menor vontade de escrever isso (e sem idéia e teorias suficientes) resolvi pular essa parte. Por isso só vamos ter flashbacks das cenas decisivas da guerra.

4-Eu sei, foi bem "felizinho" esse primeiro capítulo. Mas nesse começo vou mostrar o recomeço de vida após a guerra entremeado com cenas da queda de Voldemort. Sóó depois entraremos no mistério principal da fic.

5-Agradecimento especial ao meu beta André Ariévilo, pelo eterno incentivo com a fic e com minhas idéias surreais.

6- Obrigado pelos comentários. Me deixaram bem feliz. Espero não decepcionar ninguém! =D

See ya!

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