Capítulo Único.
O último encontro
O quarto estava mergulhado na penumbra, completamente à meia luz. A fraca chama de três velas quase extintas, presas em um antigo castiçal, tornava difícil diferenciar os diversos vultos, que pareciam todos constituir uma grande e única sombra. Uma enorme sombra, escura, negra, que se apossava de tudo ao seu redor, convertendo o que quer que tocasse em parte de si.
Um suspiro entrecortou aquele começo de noite. Um suspiro cansado. Bellatrix ergueu a mão esquerda, tentando iluminá-la com o que ainda restava de suas velas. Sim, ele estava ali. O anel que ganhara de Rodolfo. O anel de noivado. Em alguma ocasião próxima, ela deixaria de ser uma Black. Se tornaria uma Lestrange. Duas famílias igualmente nobres e antigas ficariam ainda mais próximas, estreitando o círculo, excluindo todos que não mereciam fazer parte dele. Do jeito que tinha que ser. O anel era bonito, pelo menos. Tinha um diamante engastado, um imenso diamante, que devia ter custado mais do que algumas pessoas ganhavam em uma vida inteira. Aquilo era poder. Era opressor. Perfeito, como aquela união.
Ouviu a porta ranger, e virou o rosto naquela direção.
- Ah. Sirius. Não me lembro de ter lhe dado permissão para entrar no meu quarto, priminho.
Ele encostou a porta.
- Bella... - começou ele.
- Não me chame assim. - disse Bellatrix, interrompendo-o.
- ... eu soube que Rodolfo pediu sua mão. - continuou Sirius, ignorando o comentário.
- Não é exatamente um segredo. - respondeu ela. Existiam muitas coisas que eram mantidas escondidas naquelas famílias tradicionais, muitas mesmo, mas aquele tipo de coisa não era uma delas. Inclusive, era até bastante alardeado.
- Você aceitou, não foi? - perguntou Sirius, sério.
- Não vejo por quê deveria ter recusado. - respondeu Bellatrix.
- Você não gosta dele.
- E daí? - perguntou, displicente.
- Esta é a razão pela qual as pessoas ficam juntas, Bella. - disse Sirius, como se explicasse a uma criança porque a chuva caía.
- Não, Sirius. As pessoas só fazem as coisas quando sabem que não é um erro. E eu sei que estou fazendo o correto. Nossa família sempre sabe o que é certo - disse a garota, seca. - Exceto, claro, aquela idiota da Andrômeda. Juntar-se à um trouxa imundo. Ela não é digna de ser uma Black. Ela não é uma de nós. Espero que esqueça que nasceu aqui. Nós, com certeza, nos esqueceremos dela. Principalmente quando voltar rastejando, ao perceber o erro que cometeu.
- Ela cometeu um erro? E você, Bella?
- Eu sou uma Black. Eu sei exatamente o que tenho que fazer. E faço. - Bellatrix ensaiou um sorriso irônico em seus lábios. - E garanto que isso não te incomodaria, priminho, não fosse o fato de você ser completamente louco por mim. De você não suportar idéia de estar me perdendo. De que nunca me teve.
Sirius olhou para a prima, à meia luz. O vestido negro tornava completamente impossível dissociá-la das sombras. Tudo que se via era seu rosto, emoldurado pelos cabelos, e o seu colo alvo. Ela parecia uma dama saída da escuridão. Ou, talvez, sendo engolida por ela. Ele não sabia ao certo.
- Bellatrix, priminha. Posso estar enganado, mas foi você quem teve aquele ataque de ciúmes quando eu estava com a Marlene...
- Ciúmes? - disse ela, com deboche. - Sirius, Sirius. Foi você quem largou a McKinnon sozinha, só porque eu insinuei que você poderia ter uma chance comigo. Não importa que você seja o garoto mais desejado de Hogwarts. Eu sei que você só tem uma garota em mente. Você sai com outras meninas, mas basta um olhar meu que você abandona tudo, tudo, para ver o que eu quero. Quase como um cão - disse ela, rindo. - E que coisa mais feia, priminho... logo uma mulher da família...
Sirius interrompeu-a.
- Uma mulher da família que não se importou com estes detalhes quando me beijou no jardim.
Bellatrix corou, mas isso era imperceptível em meio àquela escuridão.
- Um beijo não quer dizer nada. - acabou respondendo.
- Talvez. Mas aquele quis dizer alguma coisa. Para você. Para mim. Não diga que não.
- Não. - respondeu Bellatrix, tentando empregar alguma indiferença na voz. Talvez fosse mentira, mas ela jamais admitiria aquilo. Nunca, jamais. Era Bellatrix Black. Ela não se enganava. Ela não errava. Ela não ia dar à Sirius alguma coisa que ele pudesse usar contra ela.
- Mentirosa. - disse Sirius, com a certeza de quem sabia o que dizia. - Você me ama, Bella.
- Guarde sua presunção para as garotinhas de Hogwarts.
- Você me ama, Bella. - continuou Sirius, ignorando-a mais uma vez. Sua prima sabia ser incrivelmente difícil de lidar. Não que ele se importasse. - Você me ama, e eu sei disso. Você também sabe. Podemos tocar o sentimento no ar. Não adianta tentar escapar disto.
- Não projete em mim, priminho. - disse Bellatrix, áspera. - É você quem me ama.
- Nunca neguei, ao contrário de você. Você sabe que também me ama, Bella. Você sabe que gosta de mim. Nunca chegamos a ter um romance, mas você sabe. Você sabe que gostaria disso. Você sabe que esse sentimento existe.
- Não, Sirius. Isso é o que você quer, mas não é o que eu quero.
- Vem comigo, Bella. - disse ele, calmamente. - Vamos embora daqui. Para sempre. - Não que houvesse outra opção além de ir embora. Se ela o aceitasse, não poderia ficar ali. Teria que desistir de tudo, ou os outros desistiriam por ela.
- Não. - ela respondeu, simplesmente.
- Você prefere ficar aqui, e casar com o Lestrange?
- Com toda a certeza. É isso que vou fazer.
- Você me ama, Bella.
- Amor não serve para nada.
Sirius se aproximou dela, tomou sua mão.
- Bonito anel. Mas isso sim não serve para nada. Não simboliza nada importante. É uma união predestinada a falhar. Você não a quer.
- É um anel de diamantes, Sirius. Diamantes são para sempre.
- Diamantes não servem para nada. Somos nós quem damos valor a eles.
Bellatrix libertou-se de Sirius, olhando-o nos olhos.
- Você é tão idiota quanto Andrômeda, Sirius.
- Você não tem coração.
- Não para desperdiçá-lo com você.
Sirius suspirou. Encaminhou-se para a porta, e olhou para trás uma vez mais.
- Bella...
- Já disse para não me chamar assim.
- Eu vou sair pela porta. Estou indo embora. Se você deixar, eu nunca mais irei voltar de novo.
- E por que acha que me importo?
Ele deu de ombros.
- Você poderia ter sido uma garota maravilhosa, Bellatrix. Poderia mesmo.
Saiu. Fechou a porta, deixando a garota sozinha no escuro e no silêncio. As velas haviam acabado. Não havia nenhum tipo de iluminação no quarto.
Bellatrix olhou para sua mão. Era quase impossível distinguir o anel ali, por mais acostumada que a visão estivesse ao escuro. Suspirou.
Não havia tido realmente uma escolha. Sabia que aquilo era o certo.
Diamantes eram para sempre, não é? Sim, eles eram. Ainda estariam ali quando ela morresse. Assim como o nome que ela representava. Sim, ela fazia parte de algo bem maior. Algo que não iria trair. Não podia. Não queria. Ensaiou um sorriso. Não era o melhor que tinha, mas era o melhor que poderia dar. Ela era aquele tipo de mulher. Ela era uma Black.
Ora, Sirius. Sabia, lá no fundo, que ele não voltaria mais para ela. Mas, ao mesmo tempo, sabia que ele nunca a conseguiria esquecer. Quanto à ela, estaria exatamente aonde precisava. Fazendo exatamente o que deveria. Aquilo lhe bastava. Tinha que bastar. E a vida iria seguir, de alguma maneira. Finito.
Deixou-se caída no chão, envolvida pela escuridão, até adormecer. Aquele era o preço da perfeição, e não havia nada que a família Black não pudesse pagar. Nada. Mesmo que custasse seu próprio sangue.
E ela era uma Black. Com toda a certeza.
_________________________________________________________________
Nota da autora: Então... uma experiência shortfic com Sirius e Bellatrix.
NUNCA os havia imaginado como casal, e escrevi isto aqui para algo como um "desafio" (não de site de fics, mas entre eu e minhas amigas "trovadoras"). A idéia era retratar o último encontro entre os dois. Me perdoem caso eu tenha desrespeitado algum deles enquanto personagens. Fiz o que pude.
O projeto original tinha mais um parágrafo, que acabei suprimindo... mas está aí, como "bônus" ou o que quer que seja (aproveite a idéia, pois está claro que seria reescrito SE utilizado):
"Quando seus caminhos de cruzaram de novo, ela o matou. E nem pôde dizer que sentia muito- isso porque não sentia nada. Anos seguidos amargurada, sem sentir coisa alguma, sozinha, se fechando mais e mais, haviam surtido efeito. Era uma persona viva, causa de extremo orgulho. Havia aberto mão de seu coração quando o deixara partir; e essa era a coisa mais difícil de se recuperar que havia no mundo. Trocara seu coração pelos deveres, pela tradição. Matara o primo para cumprir com suas obrigações. Exatamente como uma Black faria."
Não sei se gostei muito da minha própria fic, mas já que estava pronta, eu pensei... porque não publicar? Desculpem pela fraqueza. Eu, decididamente, deveria me meter só com meu próprio universo. Mas, ao mesmo tempo... foi instigante escrever isto!
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!