Lembranças
Com um ósculo suave na testa de Harry, Hermione passou a mão úmida de água salgada e lágrimas sobre os olhos dele, fechando-os, enquanto seu choro banhava o rosto sujo de areia do amigo.
Riu ironicamente em meio às lágrimas. Que tipo de amiga era ela?! Uma amiga muito inútil e má provavelmente. Quem tinha amigos como ela não precisava de inimigos! Harry sempre fora bom demais para merecer um estorvo como ela em sua vida. Seu Deus não era justo, porque se fosse ela quem estaria morta.
~*~
- Arry! Arry, espera!
Duas crianças, um menino de cabelos muito escuros e olhos incrivelmente verdes e uma menina com cabelo louro escuro, meio cacheado, meio liso, subiam correndo e ofegantes a primeira duna depois do vilarejo onde moravam.
Ao ouvir o pedido da menina, Harry parou e olhando para trás impaciente apressou-a:
- Anda logo, Mi! Senão nem dá tempo!
Hermione apressou o passo e pegou na mão dele.
- Eu demoro poque ce não dá a mão pa mim! - Replicou muito corada, pelo sol e pela corrida.
Harry suspirou continuando a caminhada um pouco mais devagar. Ela era uma ano mais velha que ele, mas agia como um bebê na maioria das vezes. Já Harry era o oposto. Raramente chorava e nunca fazia birra. Os adultos no vilarejo estranhavam. Os Malfoy, a família mais rica do lugar, diziam que alguém como ele, com os pais mortos em um acidente de carro antes de fazer um ano e tendo por padrinho Sirius Black, um ex-presidiário, com o qual morava, seria uma criança muito problemática, se não, no mínimo, um adolescente estranho. Erraram sempre. Harry sempre fora a pessoa mais normal que Hermione ou qualquer outro conhecera.
Chegando no topo da duna Harry soltou a mão de Hermione e se deixou cair deitado na areia macia e morna. Sentando ao lado dele, ela olhou para frente e contemplou o pôr-do-sol mais belo que seus jovens olhos já haviam visto.
A bola de fogo amarela que era o sol parecia tocar o mar e afundar nele. Tons de laranja e anil se misturavam em toda parte e nuvens cada vez mais espaçadas pareciam se dissolver lentamente com o vento. O mar onde o sol se derretia era calmo e pacífico, ao contrário das ondas que quebravam violentas na praia enquanto a maré subia.
Pouco depois do sol terminar de se pôr a lua começou a aparecer no céu ainda ofuscada por alguns raios remanescentes. Hermione olhou-a cobiçosa e boquiaberta.
- Sirius disse que quando eu crescer posso vim vê a lua! Ele disse que é mais bonita que o sol! - Gritou Harry por causa do vento, enquanto descia a duna de mãos dadas com Hermione, as pernas curtas quase se enterrando todas na areia.
- Eu venho com você, Arry!
Quando chegaram na praia correram para o mar para lavarem os braços e as pernas cheias de areia.
- Arry, cê é meu melhor amigo em todo o mundo! - Harry sorriu em resposta a amiga. A felicidade dela era a felicidade dele e quando Hermione dizia quilo era porque estava feliz.
- Vamos fazer uma promessa, Mi? - Pediu Harry pensativo.
- Que tipo de promessa?
- Vamos prometer nunca se separar? - Todo mundo que Harry gostava ia embora e ele não queria que Hermione fosse também.
- Mas quando a gente crescer não vai poder fica junto o tempo todo... - Falou ela pensando racionalmente.
- É verdade... - Harry ficou cabisbaixo por um momento.
- Já sei! Já sei! A gente, a gente podia se casar! - Disse Hermione gritando eufórica e espalhando água para todo lado com seus pulos.
- Certo. - Respondeu tirando um broche, que prendia as duas metades da camisa, sem botões, e furando a ponta do seu dedo indicador. - Me dê seu dedo.
Com a mãozinha trêmula, Hermione entregou o dedo a Harry que o furou com uma pontada rápida e quase indolor. Os dois uniram então os dedos, cada um com uma gotinha de sangue.
- Eu prometo que quando crescer vou casar com você, Mione.
- Eu prometo que quando crescer vou casar com você, Arry.
~*~
A promessa que haviam feito ainda crianças jamais seria cumprida. Não só por Harry estar morto, mas também porque ele amava outra. Hermione ainda tentara arrumar tudo, concertar as coisas, mas foi tarde demais. Assim como ela havia dito que o amava tarde demais, por medo de estragar a amizade dos dois.
Sentando ao lado do corpo, ela abraçou os joelhos. Sentia frio, muito frio, pois sua roupa estava quase totalmente molhada das diversas tentativas de tirar o Harry da água. Por sorte, ou ironia do destino mesmo, o mar estava calmo naquela noite e o céu cheio de estrelas. Lembrando dos dias chuvosos de inverno, Hermione recordou de mais um episódio especial da vida dos dois, mas principalmente na dela.
O guarda-roupa de Hermione não era um lugar muito confortável para dois pré-adolescentes se esconderem, mas um esconderijo, principalmente descoberto às pressas, raramente é um lugar confortável.
A parte onde Harry e Hermione estavam possuía duas portas, um apoio para cabides (cruzetas) e embaixo deste uma tábua para os sapatos que naquele instante estavam todos sendo amassados pelo peso de Harry. De frente para ele, sentada numa posição um pouco estranha e inusitada estava Hermione apertando um unicórnio de borracha que há anos não produzia mais nenhum som.
Olhando para cima, Harry avistou algumas teias de aranha em um canto, enquanto decidia se devia ou não puxar um assunto que o vinha deixando preocupado ao mesmo tempo que envergonhado. Quase no mesmo instante que decidiu ficar calado Hermione falou:
- Harry você já beijou alguém? - Ele tinha passado vários minutos pensando num modo sutil de abordar aquele assunto com a garota e ela o fazia assim, sem rodeios ou enrrolaçãos. Bem... essa era uma das coisas que mais gostava nela, o jeito como era direta e simplificava tudo.
- Não... e você? - Perguntou tentando não parecer ansioso demais pela resposta.
- Também não... você viu aquele loiro-asqueroso e aquela cara-de-buldogue no outro dia lá na escola?
- O Malfoy e a Parkinson?
- É... os dois são nojentos!
- Mas o jeito como faziam aquilo... parecia ser muito bom.
- Não acho que deva ser, realmente. Só que...
- A gente devia experimentar, para ter certeza, sabe?
Hermione concordou com a cabeça e Harry começou a se aproximar seu rosto lentamente do dela.
- Espera!
Ele parou surpreso. O coração acelerado.
- Que foi?
Levando as duas mãos ao rosto de Harry, ela tirou os óculos dele e os colocou de lado.
- Pronto.
Um sapo parecia pular dentro do estômago de cada um. Harry podia sentir seu coração na garganta. Milhares de pensamentos de todos os tipos lhe passavam pela cabeça enquanto uma vozinha lá no fundo gritava " Siga seus instintos!" "Que instintos?" Ele se perguntou. Vendo-a ali tão frágil, tão entregue, teve uma vontade louca de tocar o rosto dela, de sentir a pele macia... talvez essas vontades fossem os tais dos instintos.
No guarda-roupa apertado não tinha espaço para mover mais de um braço, por isso com uma mão Harry tocou a bochecha de Hermione, que franziu as sobrancelhas se perguntando o que ele estaria fazendo. Escorregando os dedos suavemente pelo rosto dela, ele olhou para os lábios macios e rosados e não teve mais nenhuma dúvida se realmente deveria fazer aquilo. Umedecendo os próprios lábios com a língua e fechando os olhos, ele se aproximou lentamente e uniu os lábios dos dois. Sua mão desceu do rosto dela para o pescoço, parando no meio do caminho para brincar com uma mecha encaracolada do cabelo já castanho. Abrindo caminho com a língua intensificou o beijo.
Sem saber muito bem o que fazer Hermione passou uma das mãos por trás da cabeça dele acariciando sua nuca. A mão de Harry segurando firme seu pescoço lhe passava segurança. Tentando virar a cabeça, bateram os dentes uma, duas vezes, riram ainda se beijando e recuperando o fôlego continuaram a se beijar.
Um som dentro do quarto fez com que os dois se afastassem imediatamente segurando a respiração para não fazerem barulho. Olhando por uma fresta do guarda-roupa Harry soltou um suspiro aliviado.
- É só o seu gato, Bichento.
- A gente devia dar um jeito de sair daqui. Estou ficando com calor.
Esse comentário fez Harry rir imaginando se era por causa do beijo ou por estarem em um guarda-roupa fechado.
- Vou ver se consigo abrir essas portas, me arranja uns grampos.
Tateando a cabeça, procurando, Hermione tirou de lá dois grampos...
- Anda logo, Harry! Não agüento mais ficar presa aqui dentro! - Reclamou Hermione cerca de quinze minutos depois o empurrando com o pé.
- Quem manda ter um guarda-roupa com tranca?! - Se você continuar me chutando não vou conseguir abrir isso nunca! - Respondeu falando com dificuldade porque segurava um dos grampos com a boca.
- Já tinha te avisado que minha mãe proibiu você de entrar pela janela! Se você não ficasse insistindo a gente não ia precisar se esconder aqui dentro!
- Você não tinha nada que entrar aqui dentro comigo! Só eu que precisava me esconder. E pára de se mexer!
- Mamãe ia me fazer perguntas! Você já viu como ela fica quando faz perguntas? E eu to com dor de barriga, tá?!
- Então foi você que comeu o bolo que a cozinheira dos Malfoy colocou na janela para esfriar?
- Nós dois sabemos muito bem quem comeu aquele bolo, Harry. - Hermione sentiu algo líquido escorrer do meio de suas pernas. Achou estranho afinal nem estava com vontade de ir ao banheiro. Sentindo que seu short começava a molhar se desesperou. O que quer que fosse não queria que Harry notasse.
Quando sua cabeça começou a latejar de um modo enjoativo, não viu outra opção senão jogar-se contras as portas para abri-las a força. A fechadura arrancou da madeira e o guarda-roupa se abriu.
Caindo no chão, Hermione ouviu passos na escada e olhando desesperada para Harry sussurrou:
- Corre, Harry!- Ele não esperou que ela dissesse duas vezes, largou os grampos no chão e fugiu pela janela.
Quando a mãe de Hermione chegou no quarto ele já estava do outro lado da cerca do jardim e corria para casa.
- O que está acontecendo aqui, Hermione Jane Granger?! - Bradou a mãe dela ao chegar no quarto e ver o estado das portas do guarda-roupa.
- Eh... fo-foi... - Tentou explicar confusa ao mesmo tempo que se levantava. Nunca fora boa com mentiras.
- Ai Meu Deus! - Gritou a sra. Granger parecendo surpresa e contente ao mesmo tempo. - Minha filha é uma mocinha!!! - E correu para abraçar Hermione que ficou repentinamente muito vermelha e constrangida.
Por sorte, depois daquilo a mãe pareceu esquecer completamente da porta do guarda-roupa.
~*~
Deitando a cabeça sobre o peito frio de Harry, Hermione concluiu que essa era sua lembrança preferida. Não por ter se tornado "mocinha" ou por ter ganho seu primeiro beijo. Essas coisas não eram tão importantes, na opinião dela, o importante era que Harry havia estado lá em todas essas ocasiões. O importante era que seu primeiro beijo havia sido com ele.
Olhou para o céu e percebeu que logo seria dia e logo alguém os encontraria. O vento noturno ajudara a secar as roupas que vestia, mas não a fazer passar o frio e ela tinha vivido tempo suficiente naquele vilarejo para saber que as manhãs podiam ser muito mais frias. Muito mais frias quanto a noite. Não estava se importando muito, porque a dor que sentia nos membros dormentes não era nada comparada a dor que Harry sentira ao ser abandonado no dia do seu próprio casamento, por culpa de sua melhor amiga.
~*~
Harry se ajoelhou e quando o fez os olhos de Hermione se encheram de lágrimas. Sabia que ele tinha uma surpresa para aquela noite e imaginava que fosse algo bom, mas qualquer coisa menos aquilo, era demais para ela agüentar. Quando o ouviu fazer a maldita pergunta saiu correndo do pequeno restaurante onde estavam.
Ao chegar do lado de fora, Hermione deixou as lágrimas correrem pelo seu rosto sem conseguir mais segurar o choro. O vento fazia com que grãos de areia açoitassem suas pernas e obrigava a saia de rendas a colar-se em suas coxas. O vento secou rápido as lágrimas, mas as deixou marcadas no rosto.
- Você chorou? Hermione, o que está acontecendo?!
- Ah, desculpa, Harry! É que... eu não agüentei ver vocês dois juntos, você de joelhos, a Gina te olhando com aqueles olhos, ai você sabe, né?! Deu aquela vontade de chorar e não queria fazer isso na frente de vocês... Tão lindos! - Nunca conseguia mentir bem e muito menos para Harry.
- Deixa de bobagem, Mi! Fazia tempo que eu não te via chorando desse jeito, imagina só como vai ser no casamento?! Nossa madrinha mais especial chorando feito um bebê! - Falou Harry animado, fazendo-a rir e deixar cair mais duas lágrimas. Hermione não queria nem imaginar como seria o casamento, mas naquele momento pode ter a certeza de que não estaria ali para ver.
Envolvendo as costas da amiga protetoramente ele a levou de volta para dentro do restaurante. Hermione enxugou as lágrimas e ergueu a cabeça, porque apesar dela não saber o real motivo das lágrimas sentia como se traísse a si mesma e ao seu próprio orgulho se mostrasse essa fraqueza. Respirou fundo contendo toda vontade que tinha de esbofetear a ruiva na sua frente e sorriu.
- Desculpe sair desse jeito, Gina, mas de repente me senti sobrando, sabe?! Aquele momento especial deveria ser apenas de vocês. - Tentou explicar sem parecer falsa, mas soando um pouco estranha.
Fazia cerca de dois anos que Gina havia se mudado para o vilarejo e estava morando com o irmão Guilherme Weasley e a mulher dele, Fleur. Esse tempo era suficiente para que soubesse como Hermione estava se sentindo desconfortável com aquele pedido de casamento. Percebera logo ao chegar no local como ela era apaixonada por Harry, mas não conseguiu ver o mesmo sentimento nele, mesmo depois de meses de convivência. Em um lugar pequeno como aquele não demorou muito até se tornarem amigos inseparáveis. Harry foi se aproximando aos poucos e aos poucos começaram a namorar. Essa era a história dela.
Umas das características fortes de Hermione era a sinceridade, mas naquele momento ninguém precisava que fosse sincera, apenas que agisse educadamente durante o resto da noite.
Depois do jantar, Hermione acompanhou Harry e Gina até a casa de Gui para que eles oficializassem o pedido. Deixando-os aos cuidados da mulher francesa de Gui, Hermione não foi para casa, não queria ver seus pais de mãos dadas no sofá vendo TV para saber que nunca sentiria o que eles estavam sentindo, porque uma das poucas certezas que ela tinha na vida era que se não fosse de Harry, não seria de mais ninguém. Quando crianças haviam feito uma promessa que por ela não seria quebrada.
Vagou sozinha durante algum tempo, até lembrar de alguém estaria solitário tão quanto ela. Foi para a casa de Harry e lá na varanda encontrou Sirius, sozinho, sentado em uma cadeira de balanço, olhando o mar. A aparência dele sempre lhe lembrava um cachorro de pelo negro, talvez, e aspecto meio encardido.
- Ora, ora... boa noite, Hermione! Ao que devo a honra dessa visita?
Que ele havia sido um presidiário todos sabiam, mas depois de tantos anos ninguém mais na região o achava perigoso. Para todos era apenas mais um velho rabugento.
- Boa noite, Sirius! - Cumprimentou passando direto para a cozinha. Do fundo do armário embaixo da pia tirou uma velha garrafa de vinho, cheia de pó. Hermione limpou o pó, abriu a garrafa e pegou duas taças em outro armário. Levou tudo para onde Sirius estava.
- O que foi que aconteceu hoje, garota? - Disse Sirius aceitando uma taça e esperando Hermione derramar vinho nela.
- Bem... seu sobrinho pediu Gina em casamento! - Falou ironicamente.
Sirius quase deixou a taça cair.
- Aquele maldito moleque! Ele enlouqueceu!? Espere só até chegar em casa!
- Por que, Sirius? O que há de mau nisso? Eles são adultos, podem fazer o que bem entenderem. - Disse sentando no batente da porta de entrada com a garrafa de vinho ao seu lado.
- Muito me admira a srta. dizendo isso. E a tal da promessa?
- Acho que ele esqueceu da "tal da promessa" e não sou eu que vou lembrá-lo.
O vinho na taça de Sirius fazia movimentos circulares.
- Minha cara Hermione, no meu tempo as pessoas lutavam pelo que queriam, lutavam por seus ideais e suas convicções, mas acima de tudo lutavam para serem felizes.
Hermione bebeu mais um gole, esvaziando sua taça.
- Você fala isso como se fosse muito velho! Tem praticamente a mesma idade dos meus pais.
- Seus pais não passaram pela metade das coisas que eu passei. Daqui a alguns anos, talvez, você entenda que idade e experiência de vida são coisas bem diferentes. - Desse estendendo a taça para que ela a enchesse novamente.
Uma lágrima escorreu pela bochecha de Hermione e ela se achou que estava ficando muito chorona.
- Por que tem que ser assim? - Perguntou com a voz um pouco rouca. - Eu sempre estive aqui, sempre fomos amigos, estivemos sempre juntos... Haha, era pra continuarmos assim, mas ai ela apareceu. E agora serei para sempre a melhor amiga.
- Sinto muito Hermione, a vida as vezes pode ser muito má com as pessoas erradas.
Vindo de dentro da casa escura Harry os surpreendeu.
- Ei! O que vocês estão fazendo aqui fora?! - Falou animado assustando um pouco os dois, apesar disso Hermione conseguiu notar uma pontinha de tristeza por detrás dos óculos do amigo.
- Há quanto tempo você estava ai, Harry? - Perguntou ela, mas Harry não pôde lhe responder porque Sirius havia se levantado da cadeira e o segurava pelo colarinho.
- Você esta louco, garoto?! Onde já se viu pedir a Weasley em casamento sem nem falar comigo?! - Sirius não chamava Gina pelo nome, mesmo que ela freqüentasse sua casa a quase um ano e meio. Os únicos que tinham esse privilégio eram Harry e Hermione.
O aperto de Sirius no pescoço de Harry estava doendo, mas não o sufocando. Ele olhou confuso do padrinho para a amiga e ela sibilou um "desculpe" inaudível mas que ele conseguiu entender. Inspirou com um pouco de dificuldade e disse:
- Hermione, vá para casa...
Ela o olhou angustiada e foi embora descendo as escadas da varanda. Quando dobrou a esquina que dava para sua casa ainda podia ouvir os gritos dos dois.
- Vocês vão viver de quê Harry?! - Gritava Sirius furioso.
Harry sabia que apesar daquela aparência de mulher forte, sempre orgulhosa, Hermione podia ser bem sensível por dentro, por isso a mandara pra casa. A amiga já chorara demais por um dia.
~*~
O sol já estava no céu, mas como previra o frio em lugar de se dissipar, estava aumentando com uma neblina densa e sombria. A maré baixava pouco a pouco, mas Hermione não conseguia mais vê-la. Sentia que suas forças estava se esgotando, que logo seu corpo estaria tão morto quanto o de Harry e não desejou outra coisa.
Deitando ao lado dele, Hermione entrelaçou seus dedos nos de Harry e fechou os olhos esperando por ele. Tinha certeza que não demoraria.
~*~
- Só mais uma, vai? - Pediu Harry tropeçando nas palavras.
- Nem mais uma gota, Harry Potter! Vamos para casa que você já bebeu demais! - Brigou Hermione tentando levar o amigo para fora do bar. Não importava se ela estava na despedida de solteiro errada, no dia seguinte ele casaria e tudo estaria terminado. Harry fez mais alguns barulhos incompreensíveis de protesto e saiu com Hermione do bar.
- Haha! Parece que a sorte esta do nosso lado hoje! - Ironizou ela.
Assim que colocaram o pé fora do bar começou a chover. Depois de bastante molhado, Harry começou a parecer um pouco mais lúcido, apesar de ainda não conseguir caminhar sem apóio.
Finalmente chegaram na casa dele totalmente encharcados. Sirius estava viajando e só chegaria na noite do dia seguinte para o casamento., por isso a casa estava vazia. Deixando Harry molhado na varanda, Hermione entrou na casa tentando sujar o piso de madeira o menos possível. Pegou duas toalhas no banheiro e levou para fora. Harry tremia batendo o queixo, com os olhos semicerrados parecia que ia cair a qualquer momento.
Envolvendo-o na toalha, Hermione enxugou-o o máximo que pôde por cima da roupa molhada. Pegou a própria toalha e tentou fazer seus cabelos ao menos pararem de pingar.
- Vamos indo Harry... você deve estar com sono. - Ele a olhava de um modo estranho.
- Mi, você tá tão linda...
Hermione riu.
- Com certeza, Harry! - Respondeu sarcástica ao elogio, pois seu cabelo estava molhado e caia sobre seus ombros, o vestido dela também molhado se colava ao corpo moldando belas curvas. Passou um dos braços dele por suas costas, levando-o para dentro de casa.
- Mi, não precisa me carregar! Eu sei andar, e-eu... to com sono... - Falava ele meio distraído mudando de tom muito rápido.
Quando chegaram a escada para o segundo andar onde ficava o quarto de Harry, Hermione duvidou se ele seria capaz de subi-la, mas o garoto soltou-se dela e agarrou no corrimão, subindo com um pouco de dificuldade. Estando no andar superior ela o levou até o banheiro e abriu o chuveiro de água quente.
- Você acha que consegue tomar banho sozinho e sem cair?
- Se eu acho?! Eu tenho certeza! Você pensa que estou bêbado, Hermione?! - Ela riu, realmente Harry estava muito engraçado daquele jeito.
- Esta bem! vou deixar uma roupa encima da sua cama, para você vestir quando sair do banheiro... - Disse a garota deixando-o sozinho. - E não tranque a porta! - Gritou já do lado de fora do banheiro.
Indo para o quarto de Harry, Hermione mexeu no guarda-roupa dele procurando algo largo e confortável para deixar sobre a cama, mas não encontrou nada que servisse. Lembrou que no dia seguinte ele viajaria de lua-de-mel e todas as malas deviam estar feitas, o resto provavelmente estava no andar de baixo na lavanderia. Pendurado em um canto do guarda-roupa estava o fraque com o qual ele casaria. Hermione não ficaria ali para vê-lo usá-lo. Sentiu repentinamente um desespero crescer em seu peito e se puniu mentalmente, "O que é isso?! não vou fraquejar agora,a amanhã a tarde vou embora daqui, não tem mais volta!" Fechou o guarda-roupa com um baque e se dirigiu a cômoda. Riu consigo mesma. Harry estava prestes a casar com outra e ela ainda tinha uma gaveta com roupas suas no quarto dele.
Abriu sua gaveta e tirou lá de dentro um vestido frouxo de algodão, deixou-o dobrado encima da cama junto com uma toalha para si mesma. desceu as escadas atrás de uma roupa para Harry, mas acabou parando para enxugar o caminho sujo de água e lama. Foi até a lavanderia e encontrou um sexto de roupas limpas amassadas. Tirou uma blusa larga e um calção frouxo de lá. Passando pela cozinha na volta, colocou uma panela com leite no fogo.
Quando Hermione chegou no final das escadas com a muda de roupa escutou um barulho de algo se rasgando e alguém caindo. Correu para o quarto e se deparou com uma cena no mínimo cômica.
De vestido Harry estava caído no chão com a calcinha de Hermione rasgada, partida em dois pedaços, um em seus pés, outro na mão. Hermione começou a rir descontroladamente enquanto Harry a fitava com a testa franzida parecendo zangado.
- Do que você esta rindo?!
-De-de você! - Respondeu ela com a barriga doendo e os olhos lacrimejando de tanto rir.
- Pára de rir Hermione! - Ele gritou com raiva tentando se levantar, mas caindo novamente e fazendo-a rir mais ainda.
- Harry, pá-pára! Fi-fica quieto! - Falou Hermione tentando ajudá-lo a sentar na cama. - Tire o meu vestido antes que você quebre o elástico e vista essa muda de roupa. - Harry começou a tirar o vestido, mas Hermione gritou. - Pára! Não faz isso, agora, eu vou lá embaixo pegar o leite enquanto você se troca. - Concluiu saindo do quarto.
Ainda pôde ouvi-lo gritar:
- Você já me viu sem roupa um montão de vezes! Qual o problema?!
- Nós não somos mais crianças, Harry... - Murmurou descendo as escadas.
- Estou entrando! Esteja vestido! - Gritou Hermione abrindo a porta do quarto com o copo de leite na mão.
Deixando o copo encima da cômoda ela se aproximou dele e tirou sua camisa.
- Como é que você ainda me veste essa camisa do lado avesso?!
- To com sono! - Reclamou ele levantando os braços para que ela lhe vestisse a camisa do lado certo.
- Eu sei, tome esse copo de leite e você pode dormir...
Harry bebeu o conteúdo do copo e deitou na cama sonolento.
- Mi, a gente vai casar, né?!
Soltando o trinco da porta Hermione se voltou para Harry. Seus olhos começando a arder.
- Não, Harry, você vai casar com a Gina...
- Mas Mi, você prometeu, lembra?
- Lembro, mas você ama a Gina e é com ela que vai casar amanhã. - Explicou paciente.
- Não! Eu amo você! Só você...
- Eu também te amo, Harry, mas agora você precisa dormir... - Falou fechando a porta do quarto enquanto uma lágrima silenciosa escorria por seu rosto.
Cerca de quinze minutos depois Hermione voltou ao quarto só de toalha após ter tomado banho e merendado um sanduíche de queijo. Foi até sua gaveta tirando de lá uma blusa onde cabiam duas de si e um short curto. Vestiu-se no quarto mesmo, porque do jeito que Harry ressonava duvidava muito que acordasse antes das dez da manhã. Sentando ao lado oposto da cama fez suas orações.
Era engraçado o modo como ela sempre achava que Deus a havia abandonado, mas nunca deixava de rezar ao menos uma vez todos os dias. Por mais estranho que fosse, sempre se sentia um pouco melhor fazendo isso.
Deitando ao lado de Harry, Hermione encostou a cabeça no ombro dele e esperou o sono chegar.
~*~
- Mione?
- Hã? Quem esta ai?
- Mi, é o Harry.
- Harry?! Mas como? É impossível!
- Abra os olhos, eu estou aqui, estou bem.
Abrindo os olhos Hermione vislumbrou um vulto luminoso no meio da neblina. Esfregando as pálpebras pode enxergar melhor e distinguiu Harry olhando para ela com um sorriso nos lábios. De repente ela percebeu que toda dor havia sumido, apenas sentia um calor que parecia vir de dentro para fora do seu peito.
- Mas você não está...
- Morto? Sim estou!
- Então eu também estou... morta? - Concluiu sem saber se deveria ficar feliz ou triste.
- Não, ainda não. E é por isso que eu estou aqui. Você não pode morrer, ainda não.
- Mas eu não quero mais viver, não sem você. Foi tudo culpa minha...
- Mi, eu sou o único culpado pelo que aconteceu. Foi uma fraqueza minha, um erro meu. A única coisa pela qual posso culpá-la é por ter me amado, mas isso não posso fazer pois agora seu amor é tudo que me conforta. - Fez uma pausa olhando na direção do sol que começava a dissipar a neblina. - Você deve continuar a viver para que nós possamos nos redimir de nossos pecados estando separados.
- Mas e nossa promessa?
Se aproximando mais de Hermione, Harry tocou a mão dela e a garota pode sentir uma onda de felicidade percorrer seu corpo.
- Você sentiu isso? - Ela respondeu que sim com um aceno de cabeça. - Nós não precisamos de promessas ou alianças para estarmos sempre juntos e muito menos para nos amarmos. - Harry contemplou o brilho do sol mais uma vez. - Preciso ir...
- Harry! - Ele fitou-a esperando. - Você é a pessoa mais corajosa que eu conheço.
Sorrindo ele desapareceu no meio da neblina e quase instantaneamente Hermione desmaiou sendo levada de volta para uma lembrança. A última e mais triste delas.
~*~
- Oh Meu Deus!
Essas três palavras acordaram Hermione no dia do casamento. Sentando rápida e surpresa ela tentou entender o que estava acontecendo. Vislumbrou uma cabeça muito vermelha na porta do quarto e concluiu que era Gina, mas não entendia porque ela estava gritando. Acordando logo em seguida Harry ficou de pé num pulo.
- O que foi?! O que está acontecendo?! Assalto?! Atentado?! Onde?!
- Calma, Harry, é só a Gina. - Acalmou-o Hermione ainda tentando entender porque ela gritara. As vezes tinha um pouco de dificuldade para acordar de manhã cedo.
- "É só a Gina"?! Você ainda tem a coragem?! Ora sua...! - Falou raivosa caminhando em direção a castanha.
- Parem já com esse barulho! - Gritou Harry, muito forte, o que assustou Hermione e fez Gina parar no lugar. - Qual é o problema, Gina?!
- Vou te dizer qual é o problema, Harry!- Gina se aproximou dele encostando o dedo indicador em seu peito ameaçadora. - O problema é que no dia do nosso casamento chego aqui e encontro vocês dois dormindo juntos!
Finalmente Hermione entendeu porque Gina estava tão furiosa.
- Gina, você não esta pensando que... eu e a Mione...? Está?! - Compreendendo o que ela queria dizer Harry começou a rir. - Mione explica pra ela o que aconteceu ontem, porque nem eu lembro direito.
- Não vou contar nada, Harry. Vocês dois que se resolvam. - Disse a garota saindo do quarto com a cara fechada.
Depois de uma meia hora, Hermione, que estava na varanda tomando uma xícara de chá para dor de cabeça, viu Gina passar furiosa com lágrimas no rosto batendo a porta. Entrou na casa e subiu as escadas indo em direção ao quarto de Harry. Muito despreocupadamente encostou-se à porta soprando o chá.
- E então?
- Não vai mais haver casamento. - Ele respondeu com a voz abafada. - Satisfeita?
- Por que eu estaria, Harry?
Ele ficou de pé olhando-a com raiva.
- O que custava explicar pra ela, Hermione? O que custava conversar com a Gina?! - gritou sem conseguir mais se controlar.
A xícara na mão de Hermione começou a tremer.
- Eu não sei mentir, Harry! - Falou sentindo a garganta apertar. Ele nunca gritara daquele jeito com ela.
- Não era para mentir! Eu sei muito bem que não aconteceu nada demais ontem a noite! Você só precisava falar a verdade!
Hermione não conseguiu mais controlar as lágrimas, o chá parecia que ia derramar a qualquer momento, porque ela tremia cada vez mais.
- Você queria a verdade?! Pois bem, Harry, vou te dizer a verdade! Ontem antes de dormir, depois de já ter tomado dois banhos, você olhou pra mim e disse que me amava! Que não queria casar com ela, mas comigo! Disse que não tinha esquecido nossa promessa e depois disso é verdade, você dormiu! - Concluiu deixando a xícara cair sobre seu pé descalço. - Argh!
Harry demorou um pouco para sair do transe em que se encontrava por causa das palavras dela e socorrê-la. O sangue se espalhava pelo assoalho rapidamente, mas a dor maior que hermione sentia vinha do coração.
Pegando-a no colo Harry a sentou na cama. Saindo do quarto em silêncio, voltou alguns segundos depois com gases e esparadrapo numa mão e na outra uma vasilha com água. Mergulhou o pé dela na vasilha e o examinou a procura de algum pedaço da xícara que houvesse ficado preso. Não havia nada. Enxugou o pé machucado e fez um curativo com as gases e o esparadrapo. O corte havia sido grande, mas não profundo.
- Obrigada, Harry. - Falou Hermione quando ele terminou o curativo. - E me desculpe por tudo.
Sem responder, Harry saiu do quarto em silêncio, levando a vasilha e o resto das coisas que havia trazido. Hermione trocou de roupa e foi para casa sem cruzar mais com ele.
O sol começava a se pôr quando Harry foi até seu quarto arrumar as coisas de volta no guarda-roupa já que agora não teria mais casamento e nem lua-de-mel. A primeira coisa que viu foi o fraque coberto por um plástico no canto. Pensou que seria desperdício devolvê-lo sem ter usado nenhuma vez. Tirou o plástico e vestiu o fraque. Olhou-se no espelho e não conseguiu imaginar Gina ao seu lado. Os cabelos dela repentinamente lhe pareceram flamejantes demais para combinar com um vestido branco, se fosse um pouco mais... castanha. Colocou a mão no bolso da frente imaginando que Hermione, como sua madrinha, provavelmente lhe daria uma flor para colocar ali. Um cravo branco seria bem a cara dela.
No lugar de um cravo, encontrou um pequeno envelope no bolso com uma carta dentro, quase um bilhete.
"Querido Harry,
Eu o amo com todo meu coração e por isso lhe desejo toda felicidade do mundo, mas por ser fraca não teria forças para presenciá-la. Hoje, no dia do seu casamento, estou indo para a capital concluir meus estudos e pretendo ficar morando por lá.
Por favor, não me procure.
Com amor,
Mione."
Dobrando novamente a carta de Hermione e guardando-a no bolso, Harry correu para o telefone. Ligou para a casa dela e os pais da garota lhe disseram que ela já havia saído de casa. O ônibus partia às seis horas. Eram cinco e meia. Ele correu para a praça do lugar, de onde todos os ônibus saiam. Perdeu dez minutos para chegar, mais cinco para achá-la. Sobraram-lhe menos de quinze para convencê-la.
Hermione conteve um sorriso que parecia querer se espalhar por seu rosto ao vê-lo. Por ele estar ali e vestido daquele jeito. Harry esquecera de tirar o fraque antes de sair de casa.
- Harry, o que você esta fazendo aqui? - Perguntou com a voz magoada.
- Você não pode ir. Eu preciso de você...
- Pra quê, Harry? Para ser a madrinha? Não, obrigada.
- Não vou mais casar, Mi. Fica comigo, por favor? - Ele estava quase implorando.
- Que parte do "não me procure" você não entendeu?
- Mas Mi...
- Nada de "mas" Harry! - Subiu no ônibus sem olhar para trás, tinha medo que se o fizesse desse com os olhos dele a fitá-la e desistisse.
O que Hermione não imaginava era que na parada seguinte, quando descesse para comprar uma água encontraria com Sirius que lhe diria algo que nuca esqueceria e que lhe faria voltar atrás e ver Harry pulando no mar. Aquela frase resumia toda vida de Harry e explicava seu suicídio.
"Todas as pessoas que Harry amou o abandonaram. Se você também o fizer ele não vai suportar."
~*~
O sol já estava forte quando Hermione foi acordada por uma voz masculina já conhecida sua.
- Sirius?
- Graças a Deus, garota! Você quase me mata de susto!
- Sirius, o Harry...
- Eu sei, não precisa falar. - Respondeu ele abraçando-a. - Você está gelada menina! Não acredito que passou toda a noite aqui. O que você estava pensando? Queria morrer também, é?!
- Pra falar a verdade queria... - Falou com a voz abafada pelo abraço dele. - Mas Harry me disse para ficar.
Sirius sorriu imaginando que ela devia ter sonhado.
- Vamos para casa, Hermione. - Disse ficando de pé e estendendo a mão para ela.
- Mas e o corpo?
- Eu venho buscar depois com alguns pescadores.
Hermione foi para casa com Sirius, para a casa dele. A casa onde Harry havia morado.
~*~FIM~*~
N/A: Os erros do começo da fic, nas falas dos dois crianças, são intencionais. No resto do texto é acidente de percurso. Agradecimentos: a Amanda C.M. ou Srta. Potter por ter lido a fic e me obrigado a terminá-la. o/~
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