Capítulo Único.



DESESPERO


Gina abriu os olhos devagar, relutantemente, acordando para aquele dia que não deveria estar ali. Preferiria continuar dormindo, mas seu corpo se recusara a lhe obedecer após vários dias sem sair da cama para nada.

Olhou pela janela, era quase noite. Não era um horário saudável para despertar, mas ela não se importava. Nada lhe importava, não desde que Draco fora embora, desde que ele a abandonara ali, sozinha, à sua própria sorte, aquele grande cretino.

Por acaso ele não sabia a falta que fazia para ela? Por acaso tinha passado pela mente dele como ela ia ficar sem ele? Como ela ia ficar depois que ele fosse embora?


"Você prometeu que ia estar sempre comigo."

Mas Draco não estava ali.

"Você prometeu que jamais me deixaria."

Mas Draco havia ido embora.

"Você prometeu que seríamos felizes juntos."

Mas agora Gina não estava nem feliz, nem junto dele.


Estava sozinha no lugar que um dia dividira com Draco, vestindo uma camisa masculina e velha que já não tinha mais o cheiro de ninguém, embora ela teimasse em pensar que tinha. Uma garota aprisionada em sua própria mente, em um labirinto de lembranças passadas; a guardiã de seu próprio mausoléu de amor.

Que foi mesmo que Hermione dissera a ela? "Gina, a vida continua. Você tem que superar isso!". Gina havia sorrido para a amiga quando ela lhe dissera aquilo. No dia seguinte, lançara um feitiço de bloqueio na porta da casa. O terreno já impedia a aparatação, Draco era tão preocupado com essas coisas...

Não, Gina não iria deixar que Hermione ou quem quer que fosse interferissem em sua vida com Draco. Ele haveria de voltar para ela, com certeza. Ele a amava. Ela sabia disso. Ela precisava desesperadamente saber disto. Ele iria voltar para ela e ela estaria esperando por ele. Não tinha que superar nada.

Os dias foram passando e a certeza inabalável de Gina de que ele voltaria, de algum modo, foram se esvaindo. Mas nem por isso ela retirara o feitiço da porta. Continuava ali, sozinha, alimentando seu amor sem correspondência com cada lembrança, cada carta, cada gesto que pudesse se recordar. Ela não conseguia esquecer Draco. Ela simplesmente não queria esquecer Draco.

Esquecê-lo seria negar uma parte imensa de si mesma. Uma parte que estava inevitavelmente ligada à ele. Era dolorido não largá-la, mas ela não podia simplesmente abandonar tudo. Ele não merecia, era certo. Ele fora embora e a deixara ali, sozinha. Sem despedidas. Sem nada. Só o aviso de que estava indo e não voltaria mais. Mas mesmo assim, Gina ainda o amava. O coração de Gina ainda pulsava por ele, mesmo nos momentos de raiva mais insandecida. E ela não conseguia, simplesmente, ignorar essa paixão, essa paixão que lhe dava secretamente algum orgulho por sua força, embora normalmente a deixasse sem ar por ser uma emoção tão forte que parecia não caber no peito e que não conseguia sair.

Gina estava namorando com Harry Potter depois de Hogwarts. Menos porque o amasse e mais porque não achava motivo nenhum para recusar as investidas dele. E uma parte dela dizia que era ridículo recusar o garoto que habitara seus sonhos quando era menor. Era um namoro perfeito. Todos apoiavam. Todos adoravam. Todos diziam que iria dar muito certo. Que não havia ninguém melhor para ele. Que o futuro era brilhante.

E ela, então, simplesmente largara tudo. Brigou com a família toda de maneira tão feia que as atitudes de Percy ficaram parecendo um vaso quebrado acidentalmente na sala. Toda a comunidade bruxa a acusara de ludibriadora, traidora, cortesã de baixo nível (Gina ferira o precioso Potter! E por quem, ainda por cima?). Gina foi forte. Enfrentou tudo Largou tudo para viver com Draco Malfoy. Draco, com quem passara a conviver em seu trabalho. Draco, que ela odiava no colégio. Draco que, de alguma maneira, mostrara à ela que estar tudo certo não era o bastante. Que era preciso algo mais. Algo que fizesse valer a pena.

Gina correra todos os riscos por esse amor. Draco lhe dissera que estava um tanto ferido com as mulheres, e que o relacionamento dependeria todo dela. Ele não faria nada, a menos que ela o convencesse que valia a pena. Gina aceitara. Gina brigara com meio mundo pela chance. E conseguira convertê-lo. Ganhara o desfio.

Lindo, muito lindo, mas agora ela estava ali. Sozinha. Talvez fosse melhor estar casada com Harry e grávida de três filhos. Talvez fosse melhor que ela não tivesse jogado tudo para o alto por ele. Talvez.

Afinal, ele a deixara. Depois de tudo, ele a deixara. Era pra isso que os romances bruxos descreviam amores como objetivo maior e a força do amor como indestrutível? Para deixá-la depois assim, caída, sofrendo como jamais imaginaria poder sofrer? Foi para acabar daquele jeito que ela tinha amado Draco? Esses autores bregas precisavam saber de algumas coisinhas.

Gina não queria mais chorar. Ele não merecia, não merecia mesmo! Mas ela não podia evitar. Estava sozinha. Estava sem ele.

Caminhou até o armário, pegou o vestido de noiva. Aquele comprado para seu casamento. Que jamais seria usado de novo. Pegou uma tesoura e começou a desfazê-lo em tiras. Enraivecida. Com o olhar demente de uma assassina. Draco haveria de pagar por tê-la deixado. Ah, se ele haveria!

Ele havia achado Gina linda naquele vestido. Ela cortou fora rendas, babados, destruiu contas, rasgou o véu, partiu a tiara, despetalou as flores, até não sobrar nada. Absolutamente nada.

A tesoura de ferro, grande e fria, repousa em sua mão. Gina toma uma mecha de seus longos cabelos e a corta. Começa a cortar todo ele, displicentemente. O chão está agora cada vez mais cheios de ruivos fios de cabelo, que se misturam aos restos de um vestido de noiva.

Draco sempre adorara seus cabelos compridos, imensos, cheios de vida, ruivos. Ele a chamava de Gina Tangerina. E ela, agora, queria simplesmente se livrar de qualquer coisa que o agradasse, em uma tentativa inconsciente e vã de atingí-lo, de fazê-lo reparar nela, de adorá-lo pelo avesso para que ele visse que ela ainda era dele, toda dele.

Quando acabou, tinha os cabelos acima das orelhas. Mal cortados. Seu rosto inchado e pálido aparecia ainda mais agora, realçando os olhos vermelhos. Gina estava um caco, ela sabia. Mas não se importava. Não precisava ficar bonita para ninguém depois que ele fora embora.

Ela não queria mais ninguém. Rony, dos poucos familiares que já aceitara sua condição (de maneira resignada), lhe dissera que Malfoy não merecia aquilo. Que ela merecia coisa melhor. E que até Malfoy não ia querer vê-la sozinha, se um dia gostara mesmo dela.

Mas Gina sabia que era mentira. Seu Draco era ciumento. Era possessivo. Ele jamais haveria de querer vê-la com outro. E ela estava disposta a respeitar aquilo. Não queria nada melhor que Malfoy. Não havia nada melhor que Malfoy.

Gina se sentia presa, em um labirinto sem saída. Passara por todas as fases da perda: a frustração, a negação, a raiva, a súplica. Só lhe faltava a aceitação. Essa parecia não vir nunca, e ela não estava disposta a permitir também. As quatro fases anteriores co-existiam em sua mente, habitando a casa que Gina se recusava a deixar, a casa aonde vivia com um eco falso de Draco, um eco que ela mesma criava e se esforçava por manter.

Gina estava obcecada por Malfoy. Ela sabia. Os outros não entendiam, e ela não se importava. Ela precisava dele. A qualquer custo. Precisava dele para ralhar com seu cabelo ruivo sem brilho e cortado curtinho. Precisava dele para reclamar que ela não arrumava mais a cama. Que o jardim estava descuidado. Que havia pó por toda parte. Precisava desesperadamente dele, de qualquer pedacinho que fosse.

Antigamente, Gina tinha medo de dormir. Porque era muito doloroso perceber que estivera sonhando. Atualmente, entretanto, ela preferia a ilusão. Ela, ao menos, o via por alguns instantes. Gina havia enveredado por um caminho tortuoso, aonde todos os atalhos levavam ao desespero. Estava trancada em si mesma, sabendo que um dia iria enlouquecer. Ouvia a voz de Draco a perturbá-la e causar-lhe mais e mais desespero.

Era mais que estarem separados. O gênio deles batia de frente muitas vezes, e eles haviam se separado diversas vezes enquanto estavam juntos. Mas sempre voltavam. O desespero de Gina era saber que, dessa vez, não haveria chance para reconciliação.

Ou será que haveria...?

Haviam se passado tantos dias já. Meses. Talvez estivesse na hora de deixar o orgulho de lado. Pensando bem, ela já havia deixado. Há muito tempo, quando se tornara uma sombra de si mesma, do que fora, um chacal se alimentado de resquícios dela própria.

Draco não dissera, no início, que dependeria tudo dela? Gina respirou fundo. Sabia de repente o que devia fazer. Tinha que ir atrás dele. Ele a deixara, é verdade. Mas ela precisava tanto dele que não ligava de se humilhar, de ir atrás dele se ajoelhar e mostrar o quanto necesitava dele. O quanto faria por ele. Que se danasse o que pensariam as outras pessoas. Ela já havia ficado sem agir tempo demais por conta delas. Era aquilo o que precisava fazer. Para poder ser feliz. Talvez os outros não achassem que ela seria feliz com ele. Feliz daquele jeito. Mas quem eram eles para saber qualquer coisa sobre a felicidade DELA, afinal? Muitas vezes, mal sabiam das próprias.

Foi até o andar mais alto da casa, olhou o céu. Sorriu, abriu os braços, e deixou-se cair. Estava indo atrás de Malfoy.

Ele, que a abandonara. Que a deixara sozinha. Que morrera em um acidente há tanto tempo atrás. A dor tinha sido forte demais para Gina suportar. Não fora ao enterro, pois ver o caixão seria admitir a si mesma que ele jamais voltaria, que ela teria que seguir sem ele. Ela não podia. Ela não queria.

Gina estava indo atrás dele. Estava atrasada alguns meses, será que ele a perdoaria? Ela esperava que sim. Mas mesmo que não. Só de vê-lo já seria um grande consolo para ela. Já poderia estar perto dele de novo. Isso já a consolava.

Gina amava demais. Muito mais do que era permitido. Por isso ficara refém do desespero.

Lembrou das palavras de Malfoy no casamento. O clérigo dissera "até que a morte os separe". E Draco completara, num murmúrio, só para ela: "e a eternidade nos junte novamente".

Ela estava indo fazer valer tais palavras. Só mais um pouco, Draco, só mais um pouco.

O chão estava cada vez mais perto. A cobertura cada vez mais longe.

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