Ninguém pode saber
10. Ninguém pode saber
Quando os corredores de Hogwarts voltaram a se encher com o som de passos e conversas entre os estudantes, depois do Natal, Draco logo percebeu que o assunto preferido de toda a escola não tratava, como sempre, de dirigir xingamentos diversos ao professor Snape ou de comentar sobre como haviam passado o feriado, mas sim da apresentação teatral.
Mais especificamente, falavam de duas coisas vistas no espetáculo: Luna Lovegood ("ai, você viu a roupa dela?", "mas afinal o que foi que ela fez com o cabelo!?", "desde quando a Di-Lua tem talento para o canto?") e a cena final ("foi tão lindo, não foi?", "eu chorei!", "você também acha que o beijo foi de verdade? Pensei que era só eu!").
Nem mesmo a notícia que Sirius Black havia atacado a Mulher Gorda da Grifinória havia causado tanto alvoroço entre os estudantes. Até os que não haviam assistido a peça (e agora se lamentavam horrores por isso) se sentiam bastante à vontade para falar sobre o assunto. O prazer humano em falar sobre a vida alheia impressionava Draco por sua magnitude.
Bem, ao menos a professora Guinevere deveria estar feliz: a peça fora, realmente, um sucesso. As pessoas haviam assistido, sorrido, se emocionado e algumas até mesmo chorado com "O espírito do vento". E, além de tudo, a apresentação era o assunto favorito de todo mundo depois das festas.
Ironicamente, os únicos que não falavam sobre isso eram ele mesmo e Luna Lovegood. Aparentemente, não era tão divertido comentar a vida alheia com os próprios protagonistas das histórias.
A única pessoa que falara a respeito da peça teatral com Draco fora Pansy Parkison, logo depois que ele chegara à Hogwarts. Havia abordado o garoto no corredor, enraivecida:
- Está todo mundo dizendo que o beijo que você deu na Di-Lua foi de verdade. - disse ela, em um tom acusador. - E que ele nem constava no roteiro da peça.
- Eu sei. - respondera ele, áspero, ignorando completamente o surto que Pansy teve por sua reação antes de continuar seu caminho.
A resposta que ele lhe dera fora milimetricamente planejada: seca o bastante para desencorajar novos comentários e, apesar disso, sem dizer efetivamente nada. A partir do momento que Pansy usara aquele tom de voz com ele, Draco decidira que a menina não merecia nada além de desprezo (desde quando ele devia qualquer tipo de satisfação à ela?), mas a verdade era que ele também não tinha muito o que dizer a respeito- mesmo que quisesse.
Passara o período todo de Natal com a cena na cabeça, sem chegar à conclusão alguma sobre o que havia ocorrido. Havia voltado às aulas e ainda não sabia exatamente como lidar com aquilo. Ele beijara Luna Lovegood, aquilo era fato. E o mais estranho era que não conseguia negá-lo (o que, obviamente, estava longe de significar que admitiria, por mais estranho que fosse). Toda vez que pensava nisso, Draco percebia que ele não poderia ter evitado o que havia acontecido naquele dia. Não, não havia como: ele simplesmente não conseguia imaginar o que mais poderia ter feito naquele momento - assim como não conseguia imaginar motivo algum para que aquilo se repetisse. Lovegood. Luna Lovegood.
Draco passara a encarar mentalmente aquilo como a passagem de um cometa: inevitável, incompreensível e que já acontecera. Ele não podia mudar nada; o que ele podia fazer era seguir em frente. Pensar demais não iria ajudá-lo em coisa alguma, e era esse pensamento que tentava seguir. Não era o melhor deles, mas era o único que havia conseguido. Ia ter que servir. Não havia mais o que fazer.
E era assim que as coisas estavam. Ninguém mais havia falado com Draco a respeito daquilo, e ele se sentia bastante satisfeito com isso. Ninguém tinha coragem suficiente de confrontar a história na cara de um Malfoy, e ele agradecia seu sobrenome toda vez que pensava nisso. Por mais que adorasse realizar feitos chamativos e invejáveis, aquela não era exatamente sua concepção ideal de comentários a seu respeito.
Com Luna, a coisa não era significativamente diferente. Ninguém falava diretamente com ela pelo mesmo motivo que nunca haviam falado antes: porque ela era Luna Lovegood. As pessoas falavam de Luna interpretando Liara como se aquilo houvesse ocorrido em uma dimensão paralela, que obviamente não envolvia a "Di-Lua da Corvinal" que assistia aulas junto de todos eles, com suas roupas extravagantes. A única coisa que havia mudado era que os cabelos de Luna continuavam mais bonitos e mais claros do que antes (ainda que ela os prendesse de tal forma que não pareciam os mesmos daquela noite, quando esvoaçavam livres e soltos).
Entretanto, havia um pensamento que martirizava Draco Malfoy: o fato dele não saber o que Lovegood estava pensando sobre aquilo. Era simplesmente impossível para qualquer mortal tentar prever o que se passava na cabeça dela, e toda vez que Draco percebia isso, sentia um calafrio. Ele precisava saber o que Lovegood havia concluído do acontecido. O que ela poderia dizer caso alguém se aventurasse a perguntar a ela. Mas como?
Malfoy não sabia como. E foi por isso que ficou imensamente satisfeito quando viu a garota sentada em um canto mais isolado da biblioteca, completamente concentrada em alguma leitura. "Para alguma coisa serviu esse serviço imbecil", pensou ele, referindo-se à nova tarefa "voluntária" que lhe fora designada, que consistia em ajudar a bibliotecária a guardar nos locais certos os livros que os estudantes deixavam espalhados por cima da mesa.
Aproximou-se dela.
- Lovegood.
Luna mal ergueu seu olhar do livro, ao responder.
- Draco. Olá. Mais tarde. As pessoas podem ver. - disse ela, séria.
- É, isso seria realmente um desastre para a sua reputação. - respondeu ele, sarcástico e ao mesmo tempo levemente irritado com a atitude da garota. Ele era um Malfoy, e não estava acostumado com aquilo. Ele era a metade que agida daquela maneira em uma conversa.
- Bem, não para a minha... mas você parece considerar um desastre para a sua - respondeu ela, com a mesma simplicidade com que diria "é, está chovendo lá fora".
Não se tratava de um sarcasmo ácido. Luna estava sendo realmente sincera em sua frase, e aquilo atingiu Draco como um soco no estômago. "Lovegood, te odeio", pensou ele - mas na verdade, Draco percebia que odiava era a si mesmo. Odiava o seu eu que transparecia gritante quando se comparava com as atitudes de Luna. Odiava o fato dela desnudar o quão mesquinho de sua parte era se irritar com uma atitude que ela tomara pensando no que ELE iria preferir. Ficou estático, sem saber o que dizer, mentalizando o quanto a odiava.
Luna pareceu perceber que ele não ia embora, porque abaixou o livro e sorriu para Draco.
- Mas, já que está aqui, gostaria de lhe dar os parabéns pela peça. O palco encheu de gente depois que todos agradecemos os aplausos, e acabou que, quando percebi, tinha perdido você de vista, e nem pude falar nada...
"Claro, Lovegood, eu fui embora correndo. Quase consegui escapar de me curvar para agradecer o público, mas o idiota o Longbottom veio correndo e me botou na coisa antes que eu pudesse socá-lo", pensou Draco.
- Não faço muita questão também - acabou respondendo ele.
- Nossa, Draco, isso não foi muito gentil. - disse Luna. - Mas, por outro lado, você dificilmente é gentil com quem quer que seja... - completou ela, como que falando consigo mesma.
- Eu não preciso ser gentil. - respondeu ele.
- Sim, eu imaginei que você diria algo assim. - falou Luna, distraída, enquanto fechava o livro que estivera lendo.
- O que é isso, Lovegood? - perguntou ele.
- Ah, um livro. "Fênix Negra", de Mariana Bocorny. Estou tentando ler a lista toda dos melhores autores da Inglaterra de Lourena Araújo.
- Quanto ela possui?
- Perto de uns cem. E depois há a lista clássica, e a norte-americana, e a francesa...
- Está na sua lista de vida, "ler todos esses livros"? - perguntou Draco.
- Não exatamente - respondeu Luna, com um leve tom de reprovação - mas acho que todos deveriam. Ninguém deveria passar pela vida sem conhecer esses escritores que realmente fazem a diferença.
- Ah. Claro - disse Draco. - escuta, Lovegood, já que você falou na peça... - começou ele, de repente, decidido a acabar logo com aquela situação.
- Sim? A peça, claro! Ela foi ótima. Obrigada. - disse ela, sorrindo.
Draco não esperava um agradecimento, e ficou ligeiramente sem ação. Contudo, logo conseguiu falar de novo:
- Bem, o final dela, você sabe...
- Ah, mas não houve nada!
- Como assim, não houve nada?
- Foi por isso que veio falar comigo, não foi? - disse ela, como se de repente tivesse entendido tudo - Não perca o sono, Draco, não houve nada. Podemos esquecer e fingir que nada aconteceu. Simplesmente seguir a vida e deixar isso pra lá - falou ela, sorrindo.
Era exatamente aquilo que Draco estava pensando, mas, por alguma razão, foi estranho ouvir as palavras sendo ditas pela garota. Era estranho porque ele tinha certeza que Luna havia se envolvido naquele beijo. Uma parte era seu orgulho reclamando da maneira como Di-Lua tratara a coisa tão especial que lhe dera. Mas uma parte não era aquilo. Uma parte sua parecia triste por perceber que, se nenhum deles falasse sobre a coisa, seria como se nada tivesse jamais acontecido - mas essa era a parte quase muda.
- Lovegood. Ahn. Claro. - acabou dizendo.
- De nada, Draco - disse ela, sorrindo sempre.
Malfoy deveria ir embora naquele momento, mas alguma coisa o impediu. Talvez seu orgulho.
- Lovegood, você gostou daquilo. Tenho certeza.
Luna olhou para ele de maneira curiosa.
- Não me lembro de ter dito qualquer coisa que desmentisse.
Maldita Lovegood. Ela sempre conseguia deixar Draco sem ação. Era o tipo de resposta que ele não esperava.
- E trata desse jeito? - acabou dizendo ele.
- Era o que você ia me pedir. E, de toda forma, não sei por que tamanho espanto. É exatamente o que você está fazendo.
- Como é?
- Draco. Foi você quem me beijou primeiro.
Era verdade. Não havia o que ele pudesse dizer. Mas ele disse.
- Eu estava em um palco de teatro. Não posso ser considerado em meu juízo perfeito.
- Não precisa se irritar. Já disse que não aconteceu nada. - disse ela, levantando-se da mesa. Parecia triste.
Draco não deveria, mas sentiu-se mal. Talvez não precisasse ter agido daquela maneira. Ele podia perceber que Luna só estava tentando tornar tudo o melhor possível para ele, do ponto de vista dele próprio.
- Ok, Lovegood. Talvez você não merecesse que eu falasse dessa maneira. - acabou dizendo.
- Eu queria poder acreditar que você realmente pensa assim - respondeu Luna, levemente triste, enquanto ia se dirigindo para a porta.
Draco ficou sozinho na biblioteca.
Tudo bem, estava acabado. Ele não precisaria falar com ela nunca mais. Não sabia direito o que Lovegood pensava sobre a situação, mas sabia que, fosse o que fosse, não traria problemas para ele.
Estava acabado.
Ele deveria estar feliz.
Mas, de alguma forma, não estava. Por mais que ninguém pudesse saber disso, inclusive ele mesmo.
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Nota da autora: Originalmente, o livro que Luna está lendo se chama "Cidadela dos Homens", escrito por Anaxágora Dellamare, e o autor da lista chama L. Rothbergh. Foram gentilmente modificados para agradecer aos comentários, obrigada meninas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Fiquei MUITO feliz!!!
Ai, ai, ai, que este aqui foi parido à forcéps!
Pior que este, só o capítulo que vem! Nem quero ver como vou escrever...
Mas vou, juro!
E não vai demorar!!!!
Só espero que não tenha ficado ruim demais...
Eu deveria reler, mas já estou trabalhando à tanto tempo nesse capítulo que vai assim mesmo, antes que eu desista de vez!
Obrigada a vocês que lêem e comentam, amores =*
Espero, realmente, não tê-los decepcionado T___T" ...
Draco é insensível e estranho, mas... eu achei que estava muito nada a ver ele mudar e aceitar a coisa completamente assim, vapt-vupt. Ele é um Malfoy, ora bolas!!!
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