Alvorada da Despedida
- CAPÍTULO DOIS -
Alvorada da Despedida
Ela abriu os olhos vagarosamente, forçando seus orbes ambáricos a se acostumarem com a luz lilás e laranja da alvorada. Com uma angústia inexplicável, sentiu seus olhos se encherem de lágrimas quando observou pela janela aberta o céu que pintava o crepúsculo matutino além das montanhas que rodeavam Hogwarts.
- Então, é isso. – ela suspirou pesadamente – Daqui à uma hora estaremos embarcando no Expresso de Hogwarts pela última vez.
Seus olhos se desviaram da janela e repousaram no loiro que dormia gostosamente ao seu lado. Alex não parecia nem um pouco incomodado, tampouco preocupado em deixar Hogwarts. Talvez fosse por ele ser um tanto mais maduro que ela, talvez fossem os segredos que ele escondia, mas seja qual fosse o motivo, Aya se sentia incomodada.
Alex tremeu levemente as pálpebras durante o sono. Aya deu um meio sorriso, imaginando que ele provavelmente estava tendo um pesadelo. Com um suspiro relutante, ela retirou o braço de Alex que repousava em sua cintura e voltou para o dormitório feminino sem muita noção da onde pisava.
“Hogwarts... O que farei longe de ti?”. Com os olhos marejados, ela vestiu uma mini saia pregada verde e um moletom branco com capuz, sentindo-se extremamente confortável ao olhar-se no espelho. Seus olhos rondaram o quarto iluminado pela luz de fim de madrugada, encontrando cinco malões fechados ao lado de suas respectivas camas de coluna. Piscou lentamente, tomando cuidado para não fazer barulho ao deixar o dormitório feminino pela segunda vez naquela mesma noite.
“O que ele está escondendo?”. Aquela perguntava martelava em sua cabeça toda vez que ela se encontrava sozinha. O que Alexander fizera na França, por que ele andava misterioso nesse último ano que passara? Por que, justo com ela, que era a pessoa em quem ele mais confiava?
- Bom, pelo menos, eu acho que sou – ela disse para o quadro de um velho bruxo adormecido no primeiro andar, que resmungou um “Cale a boca, menina enxerida” em resposta.
Aya caminhou cabisbaixa pelos corredores, quando sentiu a primeira brisa da manhã bagunçar sua cabeleira castanha. Um sorriso aliviado surgiu nos lábios da garota enquanto ela seguia o vento a passos apressados, virando um corredor e outro, sem dar a mínima importância se topasse com Filch, ou com qualquer professor. Sentia o vento bater em seu rosto, lhe entregando à mesma sensação de liberdade que sentia quando jogava quadribol pelos leões. Inspirou uma grande quantidade do ar fresco do comecinho da manhã, percebendo que, inevitavelmente, o vento a levara para o lugar que ela mais amava naquela escola. O lugar que ela mais sentiria falta em Hogwarts – exceto, talvez, pelo dormitório de Alexander.
Em um acesso de loucura, ela gritou a plenos pulmões, sua voz ecoando pelo campo e ondulando a água do lago. Com um rodopio desorientado, ela permitiu-se cair na grama vistosa, inspirando o cheiro de quadribol e observando a alvorada atrás das montanhas.
- Alvorada da despedida... – ela murmurou, antes de fechar os olhos para a brisa morna que soprava em seu rosto.
- x-
Pela primeira e última vez em seus sete anos de Hogwarts, Alexander foi o último rapaz do dormitório a acordar. Sentindo os primeiros raios da manhã baterem em seu rosto, ele abriu um dos olhos esmeraldinos enquanto tateava sua cama à procura de uma certa mademoiselle, talvez perdida entre as cobertas. Nada. Franziu o cenho levemente, lutando contra os olhos que insistiam em manter-se fechados.
- Aya? – ele chamou com a voz rouca, esticando o pescoço com uma feição sonolenta.
- Sonhando com a “priminha” de novo Alex? – uma voz divertida surgiu da porta do banheiro – Já te disso que isso não é nada saudável!
Um moreno de olhos intensamente azuis e cabelos arrepiados observava o loiro com uma expressão divertida. Ele vestia um agasalho de moletom vermelho e calças jeans, e seus cabelos ainda estavam molhados, indicando que ele acabara de sair do banho.
Alex crispou seus lábios em uma careta de desdém, enquanto levantava-se de sua cama em direção ao moreno.
- Isso não é da sua conta. – ele retrucou, passando reto pelo colega e desaparecendo pela porta do banheiro.
O moreno riu, os olhos azuis brilharam de diversão, enquanto se jogava em sua cama.
- É da minha conta sim, já que eu pretendo convidá-la para a formatura! - ele tentou prender o riso quando Alex apareceu novamente em seu campo de visão. A expressão serena natural do rapaz enganava àqueles que não o conheciam bem. Bastava observar os orbes azul-tempestade do loiro pra presumir que algo não estava bem.
- O que foi? – o moreno insistiu, não contendo um sorriso – Está incomodado com isso, por acaso?
Alex apenas deu de ombros, os orbes esverdeando-se conforme ele se voltava para o banheiro.
- De maneira nenhuma. – ele respondeu tranqüilamente – Você é livre pra fazer o que quiser. Mas como seu amigo, acho melhor te avisar que ela não vai aceitar seu convite.
A resposta de Alex pareceu fazer o devido efeito no moreno, que se levantou com um salto, parecendo indignado.
- Você acha que ela irá recusar porque só tem olhos pra você? Você sempre foi convencido, mas dizer uma coisa dessas é arrogância demais, até mesmo para Alexander Morlevat!
Alex ergueu as sobrancelhas, fechando a porta do banheiro às suas costas. O barulho de água caindo abafou sua voz quando ele respondeu ao amigo:
- Já disse que eu não me importo com o que você faz, fez ou vai fazer! Se quiser mesmo, fique à vontade pra convidá-la James!
Alex escutou o amigo soltar um resmungo antes de bater a porta do dormitório com um estrépito. Bufando, ele fechou os olhos, sentindo a água morna escorrer pelo seu corpo e aliviá-lo por alguns instantes do peso que carregara durante o último ano que vivera em Hogwarts.
- Maldita viagem! Maldita França! Malditos Hussardos! Malditos sejam vocês, Áses! – ele desabafou para o vapor que subia pelo chuveiro, enquanto massageava o braço esquerdo, dolorido pelo peso da cabeça de Aya, que repousara lá durante a noite.
- Ela ainda vai me aleijar com aquela cabeçona pesada... – ele resmungou, antes de desligar o chuveiro e enrolar-se em uma toalha.
Com suspiro, ele constatou que o dormitório estava vazio, livre de todos os colchões e dos malões de seus ex-ocupantes. Pegou uma roupa limpa que possivelmente fora separada pelos elfos, e com um suspiro, observou o sol brilhando fracamente atrás das montanhas dos terrenos de Hogwarts.
Acabava de vestir seu suéter quando a porta do dormitório se abriu com um estrondo, revelando um ruivo baixo e forte de olhos cor-de-mel, muito parecidos com os de Aya.
- Ei, o que você ta fazendo? – o ruivo ergueu uma sobrancelha – As carruagens já estão saindo! O castelo está vazio!
- Já estou indo. – Alex respondeu, passando a mão pelos fios loiros a fim de ajeitá-los.
- Cadê a Aya? – o ruivo perguntou, após correr os olhos pelo dormitório.
- E eu vou lá saber. – Alex retrucou, dando de ombros – Vamos descer. Não estou a fim de perder o trem.
- Mas... – o ruivo balbuciou, seguindo Alex pela sala comunal e logo pelos corredores desertos.
- Não se preocupe, sua prima é atrapalhada e confusa, mas não é nada burra. – Alex continuou, descendo as escadas correndo, com o ruivo em seus calcanhares – Ela deve estar esperando a gente em uma das carruagens.
- Esse é que é o problema. – o ruivo rebateu, sentindo-se ligeiramente sem ar enquanto cruzava o Salão Principal vazio – Eu estava lá até agora e estranhei que nenhum de vocês tivesse descido ainda. Achei que ela estivesse com você!
Alex parou de supetão, franzindo o cenho para o ruivo.
- Benjamin, eu sei onde ela está. Guarde uma carruagem pra gente. – sem esperar qualquer reclamação ou pergunta do ruivo, Alexander pôs-se a correr na direção do lago. Observou de relance apenas seis carruagens que sobravam pra levar os alunos à plataforma de embarque do Expresso de Hogwarts e apertou o passo na mesma direção, fazendo uma careta quando os raios insistentes do sol ofuscaram sua visão.
Piscou os olhos para se acostumar à claridade que iluminava o campo de quadribol e quando finalmente pôde enxergar alguma coisa, seus olhos se apertaram até virarem uma fenda em seu rosto, enquanto sua íris involuntariamente tomava uma cor azul celeste.
- Diga não, Aya. – ele rosnou, os olhos oceânicos faiscando na direção do casal que se encontrava em pé na grama verde e vistosa do campo.
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Os primeiros raios solares do dia bateram em seu rosto, e ela fechou os olhos a fim de apreciar o calor que emanava deles. Escutou alguém pigarrear ao seu lado, mas presumindo que pudesse ser seu primo Benjamin, provavelmente desesperado em pensar na possibilidade de perder o trem de volta para Londres, ela apenas ignorou o chamado de atenção e permaneceu deitada na grama de olhos fechados.
A pessoa, que pela voz grave deduzia-se ser um rapaz, pigarreou novamente, mais alto dessa vez. Aya bufou, enquanto abria um dos olhos cor de âmbar.
- Vai perder o trem se adormecer aqui. – um moreno de cabelos arrepiados e olhos azuis disse com uma voz divertida.
- Se perder o trem pudesse me fazer continuar aqui, eu o faria com muito prazer. – ela respondeu, voltando a fechar os olhos. Abriu uma das orbes novamente ao sentir o moreno sentar na grama ao seu lado. Com uma sobrancelha erguida, Aya inclinou-se levemente para o lado, a fim de encarar o rosto do rapaz.
- O que você quer Potter? – ela perguntou desconfiada.
O moreno deu de ombros, sorrindo de um modo inocente.
- Sete anos de convivência, e ainda é ‘Potter’ pra você? Não posso dizer que não esteja decepcionado.
Aya estreitou os olhos levemente, enquanto sentava-se na grama e limpava as vestes.
- Muito bem. – ela ergueu as sobrancelhas de um modo sarcástico – O que você deseja Jimmy?
Aya sorriu levemente à careta do rapaz.
- Não precisa ser tão íntima assim também. – ele respondeu abrindo um sorriso charmoso.
Aya bufou, impaciente. Aquela conversa sem pé nem cabeça a estava irritando.
- Ok. O você que quer, afinal, James Arthur Potter? – ela ergueu uma sobrancelha – Está bom assim pra você?
James meneou a cabeça, com o mesmo sorriso irresistível perambulando os lábios.
- Eu vou ignorar a menção ao meu nome completo, e pular logo para o que eu vim fazer aqui, já que você está tão impaciente. Lana – Aya estreitou os olhos levemente – você quer ir ao baile de formatura comigo?
Aya ergueu levemente as sobrancelhas, seus lábios crispando em um sorriso que oscilava entre o cinismo e a diversão.
- Não vou ao baile. – ela simplesmente respondeu, pondo-se de pé rapidamente, enquanto James acompanhava seu gesto.
- Não vai por quê? – o moreno ergueu uma sobrancelha inquisidoramente – Porque Alexander Morlevat não vai?
Aya permaneceu em um silêncio extremamente incômodo, na opinião do moreno, antes de virar-se para ele com um sorriso.
- Exatamente.
James pareceu desnorteado com a resposta. Provavelmente fora pego de surpresa pela sinceridade perigosa da morena. Quando se recuperou do baque, pareceu extremamente revoltado.
- Lana, Alex não é o único rapaz dessa escola! Eu ouvi boatos que pelo menos uma dúzia de rapazes te convidou para o baile e você recusou na esperança de Alex te chamar. Você é uma mulher desejada aqui e em qualquer lugar que você for! Não precisa ficar grudada nele o tempo todo!
- Eu sei que não. – ela sorriu novamente, com uma expressão serena – E estou ciente de todos os fatos que você mencionou. Você está certo, James, em quase tudo. Mas você se equivocou em apenas uma coisa, a mais importante ao meu ver – seus olhos ambáricos percorrerem a extensão do campo, adquirindo um brilho intenso ao focalizarem um loiro um pouco afastado dos dois. Aya ficou na ponta dos pés, aproximando seus lábios do ouvido de James e baixando a voz até ela se transformar num sussurro audível apenas para o os dois – Eu não fico grudada em Alex porque eu “preciso”. Fico com ele porque eu “quero”.
Aya abriu um sorriso maroto antes de dar um beijo estalado na bochecha de James e se dirigir na direção do loiro parado com os olhos azuis faiscando. Contudo, antes de se afastar o suficiente de James, o moreno segurou seu braço firmemente, sorrindo divertido quando os olhos ambáricos dela encontraram com os seus.
- Eu vou te dar um tempo, Lana Aya. Você tem uma semana até a formatura para se decidir. Ah! – ele ergueu o indicador quando ela fez menção de interrompê-lo – Não, não aceito essa desculpa como resposta. Mas pense bem. Se você estiver disposta a um pouco de diversão longe desse loiro cabeça-dura, me avisa que eu vou estar te esperando. – James piscou um olho para ela, cumprimentando Alex com um aceno, antes de se afastar rumo à uma das poucas carruagens que ainda esperavam por alunos atrasados.
Aya sorriu, meneando a cabeça. Sabia que James não queria nada sério, tampouco estava apaixonado por ela. O moreno apenas gostava de se divertir, e pensando bem, ela mesma precisava de um pouco de diversão.
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Alex observou Aya se aproximar sorrindo para ele.
- Hei. – ela cumprimentou – Vamos?
Ele assentiu, piscando os olhos repetidamente na tentativa de fazê-los mudar de cor. Não entendia como Aya conseguia ser tão tediosamente previsível às vezes e tão assustadoramente imprevisível noutras. Essa era uma das situações em que ele não fazia idéia do que dizer. E era nesses raros momentos em que Alex se sentia volúvel, contrariando a todos os seus raciocínios lógicos ele adquiria todos os piores defeitos que considerava em Aya: impulsividade, sinceridade e cara-de-pau.
Caminharam na direção das carruagens, Alex lutando contra o impulso de perguntar à ela... O que Aya teria respondido à James...?
- O que você disse...? – ele finalmente perguntou, seus olhos esverdeando-se automaticamente enquanto Aya entrelaçava seu braço no dele.
- Eu disse “vamos”. – ela respondeu com o cenho franzido – Está surdo eh?
Alex bufou, revirando os olhos. Aya exigia muito de sua paciência e auto-controle às vezes.
- Perguntei o que você disse a James. – ele retorquiu, sentindo uma nota de sua voz trêmula – Sei que ele te convidou para a formatura.
Aya ergueu levemente as sobrancelhas, desviando seu olhar dos olhos – provavelmente azuis – do loiro.
- Eu disse que não ia. – ela respondeu dando de ombros – Ih, é melhor a gente correr, olha lá o Benji!
Aya puxou dolorosamente o braço de Alex na direção de um ruivo que acenava desesperadamente ao lado da última carruagem que restara.
Com um sorriso nos lábios, Alex acomodou-se no estofado do veículo. Bufou discretamente quando Aya descansou sua “cabeçona pesada” em seu ombro, e ignorando as reclamações do ruivo que dizia que se atrasariam, ele repousou sua própria cabeça no banco da carruagem, cochilando brevemente até avistar o trem vermelho que o levaria de volta à Londres.
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