Capítulo 1
Um dia, à meia-noite, ele viu-a. Era a estrela mais gira do céu, muito viva, e a essa hora passava mesmo por cima da torre. Como é que a não tinham roubado? Ele próprio, Neville, que era um rapaz, se a quisesse empalmar, era só deitar-lhe a mão. Na realidade, não sabia bem para quê. Era bonita, no céu preto, gostava de a ter. Talvez depois a pusesse no quarto, talvez a trouxesse ao peito. E daí, se calhar, talvez a viesse dar à avó para enfeitar o cabelo. Devia-lhe ficar bem, no cabelo.
De modo que, nessa noite, não aguentou. Meteu-se na cama como todos os dias e esperou que os seus companheiros do dormitório adormecessem. Quando isso aconteceu, saiu do dormitório até chegar ao lado de fora do quadro da Dama Gorda. Assim que se viu no corredor, desatou a correr pelas escadas fora até à torre do Norte, porque o medo vinha a correr atrás dele. Mas como ia descalço, ele corria mais. Finalmente chegou. Olhou a estrela para ganhar coragem, ela brilhava, muito quieta, como se estivesse à sua espera. E de repente lembrou-se: se a porta estivesse fechada? Levantou-se logo, foi ver. A torre era muito alta e tinha uma porta para o corredor. Neville empurrou-a um pouco e viu que estava aberta. Ficou um pouco admirado, mas depois nem por isso. Os professores costumavam fechar as portas, mas deviam terem-se esquecido desta. E quanto às estrelas, se calhar ninguém se lembrava de que era fácil empalmá-las. E tão contente ficou de a porta estar aberta, que só depois se lembrou de a ter ouvido ranger. E então assustou-se. Voltou a experimentar e rangeu outra vez. Rangia pouco, mas o silêncio era muito e parecia por isso que também a porta rangia muito. E teve medo. Reparou mesmo que estava a suar e não devia ser da corrida, porque este suor era frio. A porta ficara já deslocada e agora era só encolher-se um pouco e passar. Mas sem tocar na porta, para não ranger. Meteu-se de lado e entrou. Havia um grande escuro lá dentro. Já calculava isso, mas as coisas são muito diferentes de quando só se calculam. E cheirava lá a ratos, a cera, às coisas velhas que apodrecem na sombra. Como estava escuro, pôs-se a andar às apalpadelas. Mas as pedras frias assustaram-no. Lembravam-lhe mortos ou coisas assim. Já com os pés não se assustava tanto, porque o frio que entrava por aí era só frio da falta de botas. Até que pisou o primeiro degrau e começou a subir. Cheirava mal que se fartava. Mas, à medida que ia subindo, vinha de lá de cima um fresco que aclarava o cheiro. À última volta da escada de caracol, olhou ao alto do céu negro, muito liso. Via algumas estrelas, mas eram tudo estrelas velhas e fora de mão. Até que chegou ao fim e respirou fundo. Aproveitou mesmo para puxar as calças que estavam a cair. Agora tinha de subir por uma escadinha estreita que começava ao lado; e depois ainda outra de ferro, ao ar livre. Mas quando chegou à de ferro, não olhou. Deu foi uma olhadela à estrela, que já se via muito bem. Todavia, quando a escada acabou, reparou que lhe não chegava ainda com a mão. Tinha pois de subir o resto de gatas, dobrando e desdobrando as pernas como uma rã. Mesmo no cimo da torre havia uma bola de pedra e enterrada na bola havia um ferro e ao cimo do ferro estava um dragão com os quatro pontos cardeais. Neville segurou-se ao varão e viu que tinha ainda de subir até se pôr mesmo em cima do galo. Subiu devagar, que aquilo tremia muito, e empoleirou-se por fim nos ferros cruzados dos quatro ventos. Enroscando as pernas no varão, tinha agora os braços livres. E então ergueu a mão devagar. Os ferros balançavam, mas ele nem olhava para baixo. Fez força ainda nas pernas, apoiou-se na mão esquerda e com a outra, finalmente, despregou a estrela. Não estava muito pregada e saiu logo. Entalou-a no cordel das calças, porque não tinha bolsos, e começou a descer. A chatice era se lhe caísse e se partia lá em baixo. Mas não a levando entalada, só se a levasse nos dentes, o que podia dar em resultado parti-la à mesma. Porque precisava dos dentes para fazer força nos sítios mais difíceis. Em todo o caso, com jeito, lá conseguiu. E assim que chegou ao fim da torre, Largou a correr para a sala comunal, mas não muito depressa. Apetecia-lhe mesmo parar de vez em quando e olhar a estrela com uma atenção especial. Era formidável. Lembrava um pirilampo, mas muito maior. A certa altura, parou junto a uma janela, e olhou ao alto o sítio donde a despegara, como se para ver se realmente já lá não estava. E não. O que lá estava agora era um buraco escuro, por sinal bem feio. Lembrava-lhe a boca dele quando lhe caiu um dente, mas não sabia bem porquê. Quando por fim chegou à sala comunal, disse a senha, e foi logo para o quarto. Com muito cuidado para não acordar os colegas, deitou-se e ficou a admirar a estrela. Passado algum tempo, guardou-a numa caixa e adormeceu.
Bom, espero que tenham gostado, pois é a minha 1ª fic. Adeus.
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