Pavel Nicolai Donskoi
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Capítulo IX - Pavel Nicolai Donskoi
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Ao abrir os olhos, sentiu suas retinas ferirem com a claridade que adentrava
aquele ambiente branco. Tudo estava muito desfocado, como se estivesse usando
sua vista pela primeira vez na vida. Tudo que via era um teto alto e escuro e
paredes alvas que o cercavam. Havia raios de sol que adentravam o lugar, podia
sentir isso, embora não pudesse ver por onde, mas raios dourados e mornos
atravessavam aquela parede alva e fina, que intensificava ainda mais a claridade
ali presente.
Piscou algumas vezes e esfregou os olhos. Por que não conseguia enxergar com
clareza? Queria ver, mas tudo estava turvo e embaçado. Abriu novamente os olhos,
fixando-os naquelas paredes tão próximas de si... será que estaria num quarto
tão pequeno assim? Teve a impressão de vê-las mexerem e, fixando ainda mais a
visão, pode perceber que não se tratavam de paredes, mas de cortinas finas que
tremulavam levemente com alguma brisa que corria por ali, provavelmente vinda da
mesma janela em que entravam os mornos raios de sol.
Levou as mãos ao rosto, tampando-o completamente. Algo havia acontecido e ele
não se lembrava. Onde ele estaria? Não se lembrava de ter estado alguma vez num
lugar parecido. Sob as mãos, arregalou os olhos com a surpresa de uma
constatação. Levantou as mãos e as observou como se fosse a coisa mais
sobrenatural do mundo. Com movimentos muito lentos, mesmo porque não sentia ter
forças para mais que aquilo, virou algumas vezes suas mão, olhando-as
interessado. Movimentou cada um dos dedos... sim eram sua mãos! Mãos humanas!
Sentiu inflando-se de uma alegria que há muito sentia. Não, era ainda mais!
Nunca havia sentido tal felicidade. Sentiu seu rosto contorcendo-se naquilo que
supunha ser um sorriso. Seria um sonho? Há muitos anos não sonhara mais com
aquilo, por que voltaria a sonhar agora, de uma hora para a outra, justamente
quando havia aceitado sua pena, aceitado que jamais venceria a maldição de
Voldemort?
Com muito esforço, reunindo toda a força que tinha, levantou, pondo-se sentado
na cama. Apoiava-se sobre uma das mãos, enquanto levava a outra à testa, com uma
súbita enxaqueca. Algo muito grave havia acontecido, sentia isso... mas o quê?!
“Hermione?!!”
Uma nuvem espessa e negra o envolvia num turbilhão nervoso. Coisas voavam a sua
volta com a força da pressão que se formava, vinda de si. Sentia o coração bater
violentamente. Sentia o sangue fluir veloz e quente em suas veias. Seu corpo
doía como se estivesse sendo arrebentado, sentia como se estivesse tendo seus
membros esticados por uma força invisível. Em sua mente, apenas a imagem de
Hermione caída no chão, sem vida. Aquele homem maldito a matou?!!!
Com uma fúria incontrolável saltou para fora daquele turbilhão de fumaça negra e
foi em direção aquele homem maldito, sendo guiado pelo cheiro de sangue. Tudo
que viu, antes de jogar o homem longe com brutalidade, foi uma expressão
aterradora do mesmo, o que só aumentou ainda mais o ódio que sentia. Sentia
tanto ódio por aquele homem que uma onda de prazer tomou conta de si, um prazer
indescritível que aumentava em cada murro que dava naquele homem que deveria ter
quase o dobro do seu tamanho. Queria xingá-lo, amaldiçoá-lo, mas sua garganta
parecia travada, então descontava em cada soco que dava cada vez mais forte. Os
papéis haviam se invertido: o algoz tornara-se vítima. Sentiu os ossos de seu
algoz, sua presa, afundarem sob seus punhos. Ele teria que pagar da pior forma
possível por ter feito mal a ela, por ter tirado de si a pessoa mais importante
de sua vida. Sentiu algo quente escorrer de seus olhos, sua visão estava
turvada. Suas forças se exauriram rapidamente ao se lembrar de Hermione. Seu
algoz, sua vitima, estava inerte abaixo de si, seu rosto estava desfigurado,
havia muito sangue por toda a volta.
Jogou-se para trás, deixando-se cair sentado. As lágrimas escorriam por seu
rosto abundantemente. Ao muito longe ouvia uma voz chamar-lhe por um nome que
não ouvia há muitos e muitos anos, mas sabia ser seu nome, sabia que era a si
que chamavam. Uma voz grave e macia chamava-o com cautela, num tom incrédulo...
não era apenas um chamado, mas também uma pergunta...
_Nicolai?
Virou-se para onde vinha a voz, uma voz familiar, a voz de um velho amigo...
Mesmo com a vista embaçada pelas lágrimas, conseguiu ver que o vulto que se
agachava ao seu lado, tão cautelosamente, era Severus Snape. Seu olhar era um
misto de piedade e incredulidade. Colocou uma das mãos em seu ombro, perguntando
novamente por seu nome.
_Pavel Nicolai Donskoi... é você mesmo?
Queria falar, responder, mas sua voz não saia. Era como se não lembrasse como
fazer, como falar. Levou a mão lentamente aos cabelos, enterrando seu dedos
feridos neles, respirando profunda e cansadamente. Sentia o corpo esquisito,
como se não fosse seu próprio corpo. Ouviu outros murmurinhos. Tudo estava
turvado: visão, audição, pensamentos, percepção. Ouviu novamente o murmurinho,
uma voz também familiar, que parecia falar ‘professor Snape’. Virou-se relutante
e com muita dificuldade para aquela voz e viu algo que pareceu preencher-lhe
novamente o coração, sentiu como se o pedaço que lhe fora arrancado brotava-lhe
novamente. Mesmo enxergando sem muita nitidez, pode vê-la amparada pelos braços
dos dois garotos que estavam sempre por perto. Ela estava viva! Seus olhos
estavam abertos! Podia-se ver sua respiração alterada, parecia que respirava
pela boca, mas respirava! Forçou a vista, para enxergá-la melhor. Ela parecia
muito assustada e olhava fixamente para ele. Queria sorrir, queria chamar por
seu nome, queria ir até ela, mas não sentia capaz de nada disso. Seu corpo
estava muito pesado e dolorido.
Deixou-se cair deitado na relva. Tudo estava bem. Tudo estava perfeito. Ela
estava viva. Os amigos estavam ali, apoiando, amparando. Não precisava mais
nada. Ele poderia ficar tranqüilo. Poderia morrer agora, estava feliz o
suficiente para isso. Hermione estava salva.
E as últimas coisas que lembrava era um frio cortante, como aquele que sentia em
sua terra natal, Lensk, na Rússia Oriental. Sentia seu corpo inteiro tremendo,
como estivesse tendo espasmos. E uma mão sobre seu peito, lhe falando com
otimismo, dando-lhe força: “Não se preocupe, Nicolai... você ficará bem”.
E será que estava bem? Voltou-se de suas lembranças. Foi tudo tão efêmero que
parecia irreal. Mas ele estaria ali mesmo? Tinha novamente seu corpo e sua vida
de volta? Finalmente ele conseguira derrotar a maldição de Voldemort?!
Finalmente ele vencera a Animago Mortis?!!
Era realmente incrível, mas não era sonho, não era delírio. Tinha sua vida de
volta!
Descobriu-se das cobertas de linho branco e viu-se numa veste curta e reta,
também branca. Viu suas pernas nuas e seus pés... pernas e pés humanos! Olhou
novamente para as mãos e subiu os olhos pelos braços. Também mãos e braços
humanos. A pele clara, como lembrava-se de que era. Levou as mãos ao rosto, para
tateá-lo e poder constatar a forma, a textura... era um rosto humano! Ele não
estava mais preso no corpo de um gato. Ele não era mais o persa alaranjado que
chamavam de Crookshanks!
Alguém abria as cortinas que escondiam seu leito, deixando a mostra um grande
salão com outros leitos como aquele. Percebeu que estava numa enfermaria e
quando viu Madame Pomfrey, soube que estava em Hogwarts.
Será que tudo havia sido um grande delírio? Será que aqueles 20 anos preso na
forma de animago havia sido uma ilusão? Em parte, esperava que sim, mas...
_Bom Dia, Sr Donskoi! Que bom que tenha despertado. Como se sente?
Abriu a boca para responder, mas apenas saiu um som arrastado e asmático. Queria
falar! Tinha tantas coisas a perguntar e sua voz, sua fala não o obedeciam.
Ficou frustrado, deixando transparecer uma expressão de desalento.
A bondosa enfermeira colocou a mão em seu ombro, para consolá-lo e passar-lhe
apoio.
_Não se preocupe com isso, sua voz voltará logo. Há muito tempo você não a usa,
talvez tenha se esquecido de como faz. Mas vejo que está bem. - Alcançando para
o rapaz uma taça de vidro com um liquido escuro dentro, a medibruxa lhe dirigia
um sorriso doce. _Tome, beba tudo num só gole. O gosto não é muito bom, mas o
efeito é excelente. Fará com que recupere toda a sua força e talvez consiga até
falar...
O rapaz não pode evitar uma careta com o cheiro daquela coisa, que parecia mais
um lodo ralo do que uma poção. Apertou os olhos e prendeu a respiração, bebendo
de uma vez todo o conteúdo da taça. Ele havia se enganado, o lodo não devia ter
um gosto tão ruim. Respirou fundo para controlar a náusea e levou a mão à boca
ao sentir que algo voltava pra sua garganta. Controlou-se ainda mais, mantendo a
calma e a respiração profunda, até passar o enjôo. Quando abriu os olhos, viu
que Madame Pomfrey lhe sorria divertida, provavelmente com sua reação. Ele
sempre achou que medibruxos tinham um pouco de sadismo.
_Aqui estão algumas roupas que o Prof Snape conseguiu para você, meu jovem.
Vista-se que irei avisar ao Diretor que você está acordado. Ele está muito
ansioso para falar com você.
Antes que Madame Pomfrey saísse carregando a taça de vidro, Nicolai a segurou
pelo braço. Havia algo o corroendo. Ele precisava perguntar. Aquilo estava lhe
doendo o peito. A medibruxa virou-se para ele curiosa.
_Er... Her..mion? - Sua voz era fraca e rouca, mas sentiu uma imensa alegria de
ter finalmente conseguido externar sua voz.
_Fala da Srta Granger?
Apenas assentiu com a cabeça. Estava tenso, mas a medibruxa não estava com uma
expressão ruim ao falar o nome da moça... então, devia estar tudo bem, né?
_A Srta Granger permaneceu na enfermaria por dois dias. Ela estava muito
machucada, com uma forte lesão na traquéia. Mas não se preocupe, ela está
perfeitamente bem agora.
Apontado para si mesmo, mais uma vez esforçava para falar, com a voz um pouco
mais firme agora.
_... quanto tempo... aqui?
_Quer saber a quanto tempo está internado? - o rapaz apenas assentiu. _Você
ficou cinco dias desacordado e nos deu um certo trabalho, se é que gostaria de
saber. O Prof Snape se esmerou em preparar poções especiais. Havia muita magia
negra fluindo em suas veias, precisávamos desintoxicá-lo. Você teve febre alta e
alguns espasmos involuntários. Chegamos a temer em perdê-lo, mas, por Merlin, aí
está você, acordado e, suponho, muito saudável! Muitas pessoas ficarão muito
felizes em vê-lo assim.
_Agora, filho, vista-se que irei chamar o Prof Dumbledore.
Quando Madame Pomfrey saiu fechando cuidadosamente as cortinas que ocultavam seu
leito, Nicolai segurou-se firme na maca e virou-se, colocando um pé no chão,
sentindo-o muito frio. Colocou o outro pé e largou-se da maca, permanecendo em
pé um pouco cambaleante. Era estranho, muito estranho. Será que era assim que se
sentia quando aprendeu a andar quando tinha dez meses de idade? A verdade é que
teria que reaprender tudo de novo. Reaprender a ser um bípede, novamente.
Afinal, ele nascera de novo, não foi? Um sorriso se alastrou em seu rosto, ao
ver que não era assim tão difícil e que estava com muito mais força do que
supunha. Virou-se com cuidado para a maca, para examinar as roupas que Madame
Pomfrey lhe trouxera. Uma calça reta e uma camiseta em malha de manga longa, com
gola em V, ambas as peças negras... só podia ter sido mesmo Severus.
Vestiu-se com um pouco de dificuldade. Seus movimentos ainda eram lentos, mas ia
ganhando mais agilidade em cada instante que passava. Nesse ritmo, em uma
semana, no máximo, estaria agindo e movimentando-se normalmente, com um ser
humano, sem muita flexibilidade, agilidade ou velocidade a que estava
acostumado, mas era maravilhoso estar de volta a seu próprio corpo.
Notou que sobre uma mesinha recostada na parede, próxima a sua cama, havia uma
grande jarra e uma bacia em cerâmica. Observou o conteúdo da jarra e despejou-o
na bacia. Molhou as mãos e levou ao rosto, sentindo a textura e temperatura
daquela água em sua pele... era uma sensação muito diferente, pois não haviam
mais pêlos espessos e abundantes para protegê-la. Passou as mãos molhadas pelos
cabelos lisos e finos, penteando-os com os dedos, quando se deu conta que seus
cabelos pareciam ter o mesmo corte que usava há vinte anos atrás. Fios médios no
alto da cabeça com uma franja que caia quase até seu queixo e muito curtos, bem
batidos na nuca. Decerto, alguém deve ter aparado seus cabelos e mesmo ter feito
sua barba, afinal, em vinte anos, deveria estar com os cabelos e barba quase tão
longos quanto os do Prof Dumbledore.
E por pensar nele...
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Fim do Capítulo IX - continua...
By Snake Eyes - 2004
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N/A: As referências para o nome de Nicolai;
PAVEL - protagonista do livro “Almas Mortas” - Pavel Ivanovich Chichikovi.
NICOLAI - Autor do citado livro - Nicolai Gogol. DONSKOI - Príncipe Dmitri
Donskoi que levou a vitória dos aliados sobre a invasão da Rússia pelas tribos
tártaro-mongóis, em 1380, dando fim a um episódio da história daquele país
chamado “Jugo Tártaro”, que durou 250 anos.
Pode esperar que esse tal de Príncipe Dmitri vai entrar aqui nessa fic, hehe
=^_^= Animago Mortis tumbéim podi di serrl curlltura!
‘Pavel’ - o nome e o “character desing” do personagem (embora isso aqui seja uma
fic) - é o mesmo personagem de uma história em quadrinhos minha, “Jogos de
Capricho” (1997). Como eu nunca dei uma continuidade a tal historia, gostaria de
aproveitar o personagem, que eu gosto muito. O Pavel da HQ também é um russo
oriental (seu tipo físico é uma mistura de europeus e mongóis), mas é um soldado
exilado que vive como mercenário na Inglaterra do século 18... quem sabe algum
dia transformo isso numa fic, que é muito mais fácil do que fazer uma HQ...
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