Refúgio





Duas horas se passaram como segundos, mas para Hermione é como se tivesse levado
o dia inteiro. Voltando de mais uma tediosa ronda noturna pelos corredores de
Hogwarts sem nenhum aluno fora de seu salão comunal, nenhum fantasma
assombrando, nenhuma aranha tecendo sua armadilha. Aquilo estava tornando-se
cada vez mais insuportável de tão chato, tão comum e tão monótono. Aquelas duas
horas noturnas seriam melhores aproveitadas com estudos do que com aquela ronda
inútil e, especificadamente nesta noite, nem sequer teve a companhia de
Crookshanks para deixar tudo mais tolerável. Se o cargo de Monitora-Chefe não
fosse de relevância para sua vida pós-Hogwarts, seja qual profissão fosse
exercer, Hermione já teria desistido disso há tempos. Não é tão fabuloso assim
ser monitor quando se está vivendo na pele tal experiência e, para ela, era só
mais um motivo para que seus colegas lhe implicassem.





Chegando ao dormitório, encontrou apenas uma aluna já adormecida em sua cama,
então teve todo o cuidado possível para não fazer qualquer ruído. Foi até sua
cama, afastando as grossas cortinas de veludo carmesim, encontrando um sonolento
Crookshanks que se esforçava para olhá-la com olhos semi-abertos. Hermione
apenas lhe dirigiu um sorriso doce e acariciou a cabeça e o dorso do gato,
retirando-se logo em seguida para seu banho. Crookshanks levantou-se, eriçando
suas costas, arrepiando-se todo ao se despreguiçar. Pulou da cama e foi esticar
seus músculos numa caminhada do quarto para o salão comunal da Grifinória,
encontrando lá muitos alunos ainda, quase todos do 6º e 7º anos. Viu um grupinho
que conversava calorosamente perto da lareira, com aquelas duas amiguinhas
acéfalas, Lilá Brown e Parvati Patil, dando irritantes risadinhas, enquanto a
menina ruiva falava aborrecida com elas. Harry e Rony também estavam no
grupinho, mas a expressão deles era de preocupação ou algo que o valha.





Crookshanks manteve-se incógnito na curva para as escadas dos dormitórios
femininos, com expressão brava e suas duas orelhinhas minúsculas voltadas
totalmente para frente, para ouvir bem do que falavam. Apesar do burburinho do
salão, sua audição felina lhe permitia entender perfeitamente o que o grupo
conversava, apesar de falarem em tom normal, sem ser as duas desmioladas, com
suas risadinhas odiosas. Falavam de Hermione...





_Vocês duas são nojentas, insuportáveis! Como têm coragem de caçoar de Mione,
ainda mais pelas costas?! Isso é vil, é traiçoeiro! – Dizia uma furiosa Gina
Weasley para Parvati e Lilá, que estavam até lacrimejando com as risadinhas!





_Sai dessa, Gina! Nós gostamos muito da Granger, mas, peralá né! A menina,
coitadinha, tá totalmente doida! Cara! Ela passa horas falando com aquele gato
horroroso dela! Ah! É de dar dó...





Harry, Rony e Gina olhavam para Parvati como se quisessem atirá-la em pedacinhos
na lareira. Rony se segurava, com os punhos cerrados, para não avançar em
Parvati e Lilá. Crookshanks, na subida da escadaria de pedras, arrepiou-se todo,
amassando para trás suas orelhas e emitindo um rosnado muito baixo. Seus olhos
pareciam em chamas, ainda mais por refletir em seu espelho ocular a luz
ambiente. Sua vontade era pular na jugular daquela garota sebosa e só soltar
quando não mais respirasse... obviamente, uns profundos e cirúrgicos arranhões
naquela cara lisa faria ainda mais estrago no ego de Parvati, mas isso
complicaria muito Hermione e, talvez, o até expulsassem da escola, jogando-o a
própria sorte no meio da Floresta Proibida... não, toleraria qualquer coisa para
jamais provocar a sua separação de Hermione, mas... não poderia ficar suportando
quieto aquele disparate contra sua dona, precisava agir, deixar seu recado!





Bufou, para aliviar a tensão da ira que o culminou. Todo faceiro, com a grossa
cauda em pé e andar elegante, foi esgueirando-se pelas paredes até chegar ao
grupinho na lareira. Ninguém percebeu sua aproximação, o que era óbvio, afinal,
felinos são caçadores por excelência, logo, suas presas raramente percebem sua
presença. Sabia a quem iria usar como pretexto a ficar cara a cara com a indiana
insuportável, então, com manha, emitiu um miado dengoso, para anunciar sua
chegada – afinal, não iria gostar de tomar um chute ou pizão de alguém se
assustando com sua repentina aparição! Os cinco alunos voltaram sua atenção para
a direção do ruído, encontrando o persa laranja de Hermione, silenciando-se por
instantes. Harry e Rony o olhavam muito desconfiado; Lilá e Parvati apenas com
curiosidade, mas Gina simplesmente se derreteu ao avistar o bichano, que lhe
dirigia um olhar pedante e outros miadinhos manhosos.





Gina rapidamente abaixou-se para pegar Crookshanks no colo, que ainda facilitou
o serviço pondo-se em pé sobre as patas traseiras, esticando as dianteiras na
direção dos braços da menina ruiva. Enquanto Gina e Crookshanks derretiam-se em
carinhos um com o outro, Rony olhava para o gato atônito, embora já estivesse
farto de ver o bicho em atitudes suspeitas, mas não conseguiu deter um
comentário, que vez Harry desejar estrangular o amigo, por dar mais um motivo
para piadinhas por parte de Lilá e Parvati.





_Eu não acredito! Eu tenho certeza de que Crookshanks ouviu a gente falando da
Mione e veio até aqui para espionar de perto!





_Rony, idiota! Cala-a-boca! – Rosnava Harry, baixo, por entre os dentes.





_Puxa é mesmo! – Dizia com um sorriso debochado e voz fanhosa, Parvati Patil.
_Dizem que gatos têm audição excelente, que podem ouvir o menor dos ruídos em
quilômetros... então, com certeza ele ouviu e ‘en-ten-deu’ o que falávamos da
sua dona...





_...e irá correndo contar a ela antes de dormir! – completava Lilá, sem
conseguir abafar a risada.





Lilá e Parvati soltaram calorosas gargalhadas, atraindo a atenção dos outros
alunos que estavam no salão. Desta vez Rony teve que segurar Harry para que ele
não avançasse sobre as duas. Gina ficou tão furiosa que sua pele se confundiu em
cor com seus cabelos.





_Calem a boca agora! Suas babacas ridículas!





As duas apenas gargalharam ainda mais alto em resposta a fúria de Gina, que
abraçava Crookshanks com força, como se quisesse protegê-lo daquelas duas
víboras. O ódio podia se visto nos olhos do felino, que dirigia uma expressão
medonha, como um tigre acuado. Abaixou suas orelhas quase que desaparecendo
sobre a cabeça e rosnou em direção as duas garotas debochadas, num rosnado frio
e mordaz, emitindo um silvo agudo que amedrontou até Gina e Harry. As duas
pararam com a risada no mesmo instante, olhando abobadas para o gato no colo de
Gina, que ainda o segurava firmemente, agora por medo de que avançasse sobre as
colegas. Quando viu que as duas prestavam-lhe toda a atenção, soltou mais um
silvo raivoso, deixando a mostra suas presas e garras. Parvati e Lilá ficaram
apavoradas, deram um gritinho ensurdecedor e correram em direção ao dormitório.
Os três que ficaram, ainda com Gina segurando o gato com força, não sabiam se
continuavam aparvalhados ou se davam risadas. Crookshanks se sacudiu para descer
do colo da menina ruiva, dando dois saltinhos à frente. Balançava a cauda
nervosamente e tinha uma postura altiva. Virou a carinha alegre para Gina e
soltou dois miadinhos manhosos, o que fez com que a menina caísse na risada,
abaixando-se para acariciar as costas do gato, cumprimentando-o.





_É isso aí, Shanks! A Mione precisa da gente para defendê-la dessas peçonhentas!






_Definitivamente, Crookshanks não é um gato! Não mesmo! Isso é impossível, mesmo
sendo uma criatura mágica! – Dizia Harry, exasperando, fazendo movimentos
bruscos com os braços.





_O que importa isso agora? – Dizia Rony, muito sorridente. _Ele fez exatamente o
que a gente queria fazer: botar pra correr aquelas duazinhas metidas!





Gina já estava com Crookshanks no colo novamente, rumando para os dormitórios.

_Vamos lá pro quarto da Mione, Shanks! A essa altura, aquelas duas bestas devem
estar enchendo a paciência da Mione com besteiras, devem tá falando que você
tentou esfolá-las com uma patada! Heheh! Mas se comporte, viu! Vamos deixá-las
ainda mais com cara de idiotas!







*







Dito e feito. Quando Gina adentrou o quarto, lá estavam Parvati e Lilá nervosas
balbuciando em voz alta o que tinha acontecido. Gina podia jurar que elas
estavam quase desmanchando-se em lágrimas. Hermione permanecia estática, com a
mão entre os olhos, buscando alguma paciência do fundo de seu âmago. Quando Gina
aproximou-se das três garotas, Lilá e Parvati quase caíram no chão, ao ver
Crookshanks no colo da menina.





_Vocês são muito ri-dí-cu-las! Deveriam ter horrores de se apresentarem em
público com uma personalidade dessa! – Gina quase gritava, apertando ainda mais
Crookshanks contra si. O gato parecia surpreso, afinal, não era ele que tinha
que se comportar?!





_Não durmo uma noite a mais com esse monstro aqui, Granger! Vou até a professora
McGonagall contar o que aconteceu! Tomara que mandem esse bicho ser executado
pelo controle de criaturas do ministério! – Gritava em prantos Parvati, que
estava caída sobre sua cama.





_NÃO! Não se atreva a incomodar a diretora com essas amenidades! Acha que
McGonagall irá acreditar nessas mentiras estúpidas?! Vocês duas estão passando
dos limites do absurdo! – Hermione gritava irada com Parvati, que pareceu ainda
mais amedrontada do que há poucos instantes com o gato.





Hermione vestia as pressas o penhoar sobre sua camisola. Estava nitidamente
colérica. Era só mais isso que lhe faltava? Seu gato ser acusado de um monstro
selvagem e assassino?! Pegou Gina pelo braço, sem dizer uma palavra sequer e a
arrastou para fora do quarto, com Crookshanks ainda agarrado em seu pescoço.





_Mione! O que você vai fazer?! Não acredite naquelas duas imbecis! Elas estão
loucas! Shanks só miou para elas! Se quiser, ele pode dormir comigo essa noite,
eu não me importo!





_Obrigada, Gin! Obrigada mesmo! Você é a única que tem estado ao meu lado, a
única que não me perturba por besteiras! Mas não quero que você se incomode ou
que venha a ter problemas por causa de nós... irei levar Shanks para um lugar
mais seguro! E obrigada mesmo!





Hermione pegava Crookshanks do colo da amiga, que a olhava tristemente. Podia
notar-se o quanto Hermione estava estressada. Temia pela saúde da amiga, que
provavelmente viria a ter um colapso a qualquer momento e as aulas mal haviam
começado! Hermione desapareceu pela escadaria em direção ao salão comunal. Gina
decidira a falar com a diretora sobre tudo que ocorreu, antes que outros
dissessem com mentiras. Tudo que ela pudesse fazer para ajudar Hermione, ela
faria. E também ela não queria que Crookshanks sofresse qualquer retaliação.





*





Harry e Rony ainda estavam no salão comunal, esperando a volta de Gina para
saber como se desenrolou a história. Eles mal conseguiram perceber que quem
passava velozmente por eles era Hermione, com suas vestes brancas e seus cachos
caídos soltos sobre suas costas se esvoaçando com suas passadas apressadas.
Harry correu e conseguiu alcançar Hermione, segurando-a pelo braço.





_Mione! O que houve?! Pra onde você vai com essa pressa?!





Hermione soltou-se quase dando uma bofetada em Harry. Estava com a face rubra,
de tanta raiva. Seus olhos estavam marejados, a ponto de chorar.





_Sai, Harry! Me larga! Não te interessa pra onde estou indo, não se meta!





Rony e, principalmente, Harry, ficaram olhando aturdidos Hermione desaparecer
com o gato em seus braços pela passagem de entrada do salão comunal. A coisa
tinha sido ainda mais séria do que pensavam!





Hermione apertava Crookshanks contra seu peito, abraçando-o com tal força que o
bichinho ficou com dificuldade para respirar. Correu pelos desertos corredores
da torre da Grifinória, descendo para o sétimo andar. Parou no fim do corredor,
procurando por algo nas paredes. Parando em frente ao que parecia ser apenas uma
parede lisa, começa a surgir diante de seus olhos uma porta de madeira, pintada
com tinta plástica verde pastel, com um quadrinho artesanal pendurado por um
prego, em forma de uma bruxinha estilizada voando numa vassoura junto com um
gato preto, onde pendia uma plaquinha em aço polido com o nome Hermione gravado
no metal numa caligrafia gótica.





Hermione girou a maçaneta redonda, abrindo a porta para um quarto não muito
grande. Havia uma mistura de estilos, um quarto de menina que misturava-se a um
estilo mais maduro. A cor predominante era verde, com um tom mais denso nas
paredes e um tom bem clarinho no teto. Uma larga cama com cabeceira em vime
trançado de cor natural sustentava uma grossa colcha com motivos florais, também
em tons de verde. Aos dois lados da cama, um criado-mudo de mesmo padrão que a
cama, em cada lado, sendo que um sustentava um abajur de tecido com flores
pintadas a mão e dois livros, e o outro, um despertador de corda com design
antigo e um vaso solitário em cristal com um pequeno buquê de rosas vermelhas em
miniaturas, fazendo contraste com o ambiente verde. Um grande quadro com foto de
folhas e violetas ampliadas ficava acima da cama. À frente, uma grande estante
embutida, com várias bonecas de louça, muitos livros e outros objetos
decorativos e utilitários. Ao lado da porta, uma penteadeira de vime natural
trançado, estava embutida na parede, com um banquinho de mesmo padrão,
acolchoado com motivos florais. Sobre a penteadeira, duas caixinhas em madeira
decoradas artesanalmente e um grande espelho de parede, também em vime trançado.
Ao lado da estante, no final do quarto, havia uma porta quase imperceptível, que
daria entrada a um closet e a suíte. No final do quarto, uma grande janela, que
ia de uma ponta a outra da parede, do chão ao teto, coberta por uma finíssima
cortina em renda de tom natural, que parecia tremular com a brisa.





Hermione mergulhou sobre a cama fofa, afundando o rosto num macio e gordo
travesseiro. Crookshanks estava ao seu lado, observando todo o ambiente. Ele
estava atordoado, sabia que estava na sala de requerimento, mas jamais havia
entrado ali com esse ambiente. Esse era exatamente o quarto da casa de Hermione,
com todas as cores, todos os adereços, todos os livros e até com o mesmo perfume
floral! Pulou da cama e rumou um pouco mais pra direção da janela e ali, após a
cama de Hermione, encontrou um grande cesto de vime forrado com uma colcha fofa
de babados, com o mesmo padrão da colcha da cama... era exatamente o cesto onde
dormia quando ia pra casa com a dona nas férias... tinha até seu cheiro e dois
brinquedinhos de tecido que a menina achava que ele gostava de brincar. Olhou
tristemente, com as orelhinhas arriadas, para a menina afundada na cama fofa.
Pelo olfato, sentiu que ela chorava, abafando seu pranto no travesseiro.





Pulou de volta na cama, passando sua patinha nos cabelos da menina. Hermione
virou-se para o gato, com os olhos muito vermelhos e inchados, a face igualmente
rubra, banhada pelas lágrimas. Sentou-se sobre as pernas, pegando o travesseiro
e apertando-o fortemente contra o corpo, apoiando o queixo sobre, tentando
abafar seu choro. Não suportando a força das lágrimas, enfia o rosto novamente
contra o travesseiro, soluçando furiosamente. Crookshanks a observava sem saber
o que fazer. Balançava a cabeça e a cauda nervosamente, andando de um lado para
outro pela cama, como se fosse uma onça enjaulada! E é o que era, um animal
enjaulado, impotente, vulnerável, domesticado pela força do medo ou escravidão
e, no seu caso, pela força de uma maldição!





Hermione sentiu-se totalmente esgotada, suas energias se exauriram com a
angústia, suas lágrimas começaram e escassear. Baixou o travesseiro e viu
Crookshanks agir de forma estranha, como uma pessoa nervosa, andando de um lado
para o outro, com a cabeça baixa. Hermione sentiu pena do pobre bichinho junto
com uma pontada de culpa, por ele ser obrigado a passar por aquelas situações
por sua causa. Espalmou sua mão direita sobre a cabeça do felino, fazendo-o se
acalmar um pouco. Acariciou as orelhas e o queixo do gato, que o fez olhar
diretamente para ela. Hermione sentiu um calafrio ao ver aqueles olhos amarelos
marejados por lágrimas, que lhe pareciam muito com olhos humanos... jamais havia
visto Crookshanks dessa forma, era como se ele estivesse se condoendo pela
situação. Isso fez com que Hermione cessasse os carinhos, mas sem desviar seus
olhos dos dele.





_Está tudo bem agora, Shanks... estamos em casa... Vê? É o nosso quarto...





Hermione desliza para a cama, afundando-se novamente no travesseiro, mas
continua olhando para o gato. Ironicamente, todo aquele choro, deixou Hermione
ainda mais bonita, com suas faces mais coradas do que é naturalmente e os lábios
num vermelho intenso.





_Me desculpe, Shanks... me desculpe por você ter que passar por isso, por ter
que presenciar essa minha fraqueza detestável! Como posso pertencer a Grifinória
dessa forma?!





A menina puxava a colcha verde floral, cobrindo-se até o queixo. Virou-se de
costas para Crookshanks, que continuava a olhá-la de forma pesar. Deu-lhe boa
noite num suspiro. O gato, também exausto, deu duas voltinhas em torno de si,
deitando enrolado e praticamente colado às costas de Hermione. Afundou seu
focinho na cauda grossa de pêlos longos e sedosos, fechando seus olhinhos
amarelos para mais um dia... e que dia!



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Fim do Capítulo III – continua...

By Snake Eyes – 2004

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