A travessia



Capítulo 3
A travessia


Sigurd materializou-se na colina. Não havia vivalma nas imediações, a não ser os animais que viviam naquela floresta. Já fora muito maior, mas havia sido a muitos anos, mais do que podia contar. De onde estava podia ver a Igreja, a mesma que ajudara a construir, mas não era para lá que se dirigia. Não desta vez.

Postou-se diante do lago, em pé, braços ao longo do corpo, trazendo às costas apenas um alforje e uma velha capa de viagem, feita de lã. Então abriu os braços e invocou a bruma. No mesmo instante, das águas plácidas e escuras principiou a crescer uma neblina, clara a princípio mas que logo mudava de cor. Escureceu enquanto brotava e evoluiu com o sopro de brisas invisíveis, passando do azul cinzento ao púrpura num piscar de olhos. Sigurd moveu a mão como se afastasse um inseto impertinente e a neblina tornou-se clara novamente. À medida que se espalhava e se revolvia, cintilações douradas emergiam da névoa, fazendo ascender uma coluna brilhante a aproximar-se cada vez mais da margem. Quando a luminosidade tornou-se ofuscante, Sigurd levou o braço sobre os olhos a protegê-los e, logo, pode entrever o vulto que se desenhava feito sombra. No instante seguinte a proa do barco apontou para fora do nevoeiro. Sigurd fez sinal ao barqueiro e assim que ele estava a poucos metros, entrou na água e subiu na embarcação.

O barqueiro trajava longo manto escuro, com um capuz sobre a cabeça que impedia de se lhe ver o rosto e não deu sinal de reconhecê-lo; tampouco demonstrou estranhamento em ter um visitante desconhecido que sabia como abrir o portal entre os mundos. Limitou-se a empurrar o barco com uma longa vara, com uma espiral na ponta, dessa vez indo para o sentido contrário. Não parecia ter nenhuma pressa, e Sigurd muito menos. Havia chegado afinal ao seu destino e usufruiria o passeio. O objeto que trazia à deusa encerraria sua milenar jornada. Cumprira seu desígnio e sua promessa, jurada séculos antes, de fazer o que estivesse ao seu alcance para manter viva na lembrança dos homens o significado da palavra “sagrado”. O mistério, mais que um jogo, servia para esconder e revelar, permitindo a conjectura mas não a certeza e, dessa forma, ocultando a beleza porém não seu brilho. A travessia que agora efetuava estava escrita. Sigurd nada desejava, nem ficar à deriva na cerração sequer chegar à terra que se avizinhava. Podia divisar a ilha, Lundy, logo à frente. Mas preferia lembrá-la pela antiga designação, Ymys Weir. O nome pelo qual a chamavam era uma recordação constante de sua desgraça.

Levou a mão às costas e tocou o alforje, mais para sentir a proximidade do fim do que para assegurar-se de que o medalhão lá se encontrava.

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