O preço de uma cicatriz
O pio de uma coruja soou tristemente ao longe, mas foi o último som que por um longo tempo emanou da noite. Aparentemente toda a vida noturna da região tinha ciência da importância daquele embate que estava por se iniciar e nenhum lance poderia ser perdido, pois todas as criaturas da terra, mágicas ou não, teriam seu destino decidido de acordo com o rumo que o duelo iminente, e aparentemente desigual, tomaria: o sobrevivente do confronto final, entre as forças de dois descendentes dos maiores bruxos da antiguidade, ditaria se finalmente seria fixado o reinado das trevas ou se ainda haveria uma chance para que a paz e a harmonia continuassem imperando.
Nem mesmo o vento ousava perturbar o cenário escolhido para o encontro entre Lord Voldemort e Harry Potter, apenas a luz do luar arriscava a se fazer presente ao centro do pátio circundado por colunas centenárias e que eram parte destacada daquelas ruínas. A um canto jazia a carcaça inerte e inconsciente de Severo Snape, a respiração fraca e descompassada demonstrava que ainda havia vida naquele corpo, mas os danos causados pelo herdeiro de Salazar Slytherin comprometiam seriamente a sua continuidade.
No extremo oposto, além dos dois bruxos que se dirigiam lentamente para o centro do palco de sua disputa pessoal, um vulto rastejante avançava sinuosamente ao longo da borda da arena de batalha: Nagini, a enorme cobra que servia ao mais terrível bruxo das trevas de todos os tempos, seguia observando seu mestre e o garoto da cicatriz medirem silenciosamente as forças um do outro e analisarem as intenções, amplamente evidentes de cada um.
Os olhos vermelhos e em formato de fenda daquela criatura, que um dia foi conhecida como Tom Riddle, brilhavam intensamente, demonstrando os sentimentos que aquele rapaz de dezessete anos o fazia sentir naquele momento: ódio e frustração.
— Você me causou um grande transtorno ao obrigar a desfazer-me daquela górgona, Harry! – foi o bruxo das trevas quem primeiro quebrou o silêncio, após terem atingido o centro do antigo jardim e pararem para avaliar um ao outro – Eu tinha planos especiais para você!
Harry mantinha sua varinha em riste e os olhos fixos em todos os movimentos que seu inimigo realizava, sabia que iniciava aquele encontro em evidente desvantagem, mas nunca se sentira tão decidido e confiante como agora em todos os encontros que tivera anteriormente com o assassino de seus pais.
— Pretendia me transformar em mais um de seus troféus, não é Voldemort? – até mesmo Harry se surpreendeu com o sangue frio que estava conseguindo manter à frente daquela criatura maligna, afinal, se o seu destino era enfrentá-lo, que sua sina se completasse logo.
— Fico satisfeito em saber que não é um tolo, Harry! – apesar de surpreendido pelas palavras firmes do menino, o Lord das Trevas não demonstrou ter se abalado – Sei que Dumbledore o alertou sobre as minhas horcruxes, mas o único que sabia que você também era uma delas era... Pettigrew! É claro que foi ele quem lhe contou tudo, não é mesmo Harry?
— Não apenas me contou, como me entregou sua lembrança... a lembrança do dia em que você matou meus pais! – não conseguiu disfarçar a amargura na voz ao lembrar-se rapidamente da imagem que presenciara por tantas vezes na penseira: a cena do assassinato de sua mãe.
As duas varinhas permaneciam firmes e apontadas em direção ao seu oponente, os dois bruxos realizavam uma órbita lenta e fixa ao longo de um eixo imaginário que os induzia a manter uma distância segura um do outro.
— Acredita realmente que tem alguma chance contra mim? – desdenhou Voldemort – Se não puder possuir a parte da minha alma que está em seu poder, eu simplesmente a destruirei juntamente com você, Harry!
— Porque dá tão pouco valor à sua alma, Voldemort? – agora foi a vez do Menino-Que-Sobreviveu dar uma entonação irônica à sua voz – Acha que todas as demais frações dela continuam intactas?
O bruxo mostrou um sorriso vazio, que tentava disfarçar a raiva que sentia pela perda de seus bens tão preciosos, e que lhe dera tanto trabalho para conceber durante sua vida.
— Sei que você e aquele velho tolo andaram destruindo algumas de minhas relíquias, mas não faziam idéia de quantas...
— Sete, Voldemort? Um número bastante sugestivo, não é mesmo? – disse Harry, enquanto retirava o antigo Diário de Tom Riddle do interior do Chapéu Seletor, que sempre carregava preso à sua cintura.
Um misto de ódio e surpresa brilhou nos olhos viperinos do bruxo das trevas, enquanto observava seu antigo pertence ser arremessado pelo garoto e cair a poucos centímetros de seus pés.
— Sete partes, como sugeriu ao professor Slughorn quando ainda era aluno em Hogwarts? – continuou o herdeiro de Godric Gryffindor, enquanto agora era o Anel de Servolo Gaunt que era atirado e caía ao lado da primeira horcrux destruída.
O desejo da fera acossada era a de destruir imediatamente seu oponente, sem dó ou piedade, mas a curiosidade e mesmo o temor em saber até onde seus inimigos haviam penetrado em suas defesas faziam com que seu olhar se fixasse, não sem um certo e contido receio, na mão que Harry levava novamente ao Chapéu Seletor.
— Sete, como os anos que passou em Hogwarts graças à grandeza do professor Dumbledore? – prosseguiu Harry, na vez do Medalhão de Salazar Slytherin juntar-se às demais relíquias com um breve tilintar.
A voz de Harry tornava-se cada vez mais agressiva, à medida que ia mostrando o resultado de seus feitos para tornar aquele bruxo hediondo em mortal novamente, não podia negar a si próprio que ferir seu oponente daquela forma lhe trazia uma agradável sensação pessoal.
— Sete, como os anos que levei para enfrentá-lo cara a cara, após saber que era o assassino dos meus pais? – a Tiara de Rowena Ravenclaw quicou sobre uma saliência no chão e caiu sobre um dos pés do bruxo maligno.
Pela primeira vez Lord Voldemort duvidou que a mão de Harry Potter se dirigiria novamente até a abertura do objeto mágico, mas para seu assombro, outra vez ele retirou um dos troféus em que havia sido depositada uma sétima parte de sua alma: a Taça de Helga Hufflepuff caiu ao chão, a poucos centímetros dele, seguida da voz triunfante do “eleito”:
— Uma alma torpe e miserável dividida em sete partes! E todas elas destruídas por aqueles a quem você sempre julgou inferiores! – frisou esta última frase como uma vitória pessoal.
Após alguns segundos que pareceram uma eternidade, e nos quais o bruxo das trevas desfrutou de instantes de extremo ódio, angústia e consternação, tentando não perder o controle de uma situação que jamais imaginara chegar até o ponto em que havia chegado, ele disse num sorriso amargo e zombeteiro:
— Sua conta está errada, Harry! Mas, isso valoriza mais ainda a parte que guardei em você quando lhe fiz esta cicatriz! A parte que se desprendeu de mim quando matei a doce Lily! – seus olhos brilharam novamente, mas desta vez de prazer e satisfação, chegando a passar a língua pelos lábios, como se pudesse sentir o gosto de sangue em suas presas.
A mão de Harry apertou a varinha com desmedida força, chegando a lhe doer os dedos e ferir a palma da mão, mas ele se conteve e, enfiando novamente a mão no chapéu, retirou lentamente o manto do Dementador em que se transformara o ex-líder do bando dos Patronos e o atirou em silêncio para junto dos demais objetos.
Voldemort mirou fixamente o semblante de Harry, avaliando o significado daquela última peça descartada, mirando fixamente a cicatriz semi-oculta pelos seus cabelos rebeldes, praticamente usando de legilimência para decifrar aquela informação oculta e que o rapaz não fazia a menor questão de continuar escondendo. Então, pela primeira vez uma sombra de medo pôde ser vista passando rapidamente pelo seu semblante.
— Um Patrono! – exclamou estarrecido, após um breve tempo em que tentava convencer a si próprio de que aquilo que via nos olhos do garoto era realmente a verdade – Que transformou-se num Dementador! Maldito seja, Harry Potter! A morte será pouco para você! Principalmente agora, que a sua vida não me serve de nada! – os olhos de cobra giravam enlouquecidos em suas órbitas.
— Se o meu destino for morrer hoje, aqui... eu irei satisfeito, Voldemort... pois sei que em breve você também terá o seu merecido fim! Você é mortal, como qualquer sangue-ruim igual a você! – disse isso e afastou-se um passo para trás: sabia que o ataque do inimigo viria a qualquer momento.
Tentando a todo custo manter-se senhor da situação, apesar do golpe fortíssimo que acabara de receber, Lord Voldemort insinuou novamente uma gargalhada:
— Então destruiu meus horcruxes, Harry! Que maus modos! Eram partes importantes para mim! Mas, eu sou o único bruxo que já retornou da morte... apesar do prejuízo que me causou, eu pensarei em alguma coisa para me tornar eterno, e quando eu te destruir terei todo o tempo e tranqüilidade necessários para me dedicar a isso! Não, Harry! A morte nunca me alcançará!
— “Existem coisas piores do que a morte”, Voldemort! – citou as palavras de Dumbledore, ditas no último encontro entre os dois no Ministério da Magia, enquanto afastava-se mais um passo.
Voldemort avançou decidido, um passo e mais outro, mirando sua varinha no coração de Harry, enquanto um sorriso de vitória lhe traía a ação que se desenrolaria em seguida, antevendo o resultado que seu trunfo oculto lhe traria em breve: o gosto da vingança em suas presas.
Repentinamente a figura de Nagini ergueu-se às costas do menino, ela havia dado a volta silenciosamente pelas costas do inimigo de seu mestre, e agora se atirava violentamente em um bote que seria fatal à sua presa.
Mas o brilho no rosto de seu oponente alertara o rapaz de que algo estava errado, e foi essa fração de segundo ganha naquele momento de júbilo interior do bruxo das trevas que permitiu ao rapaz se esquivar do violento bote.
— Reducto! – bradou o garoto, atirando o animal alguns metros para trás de sua última posição de ataque.
— Crucio! – a voz de Voldemort saiu num sibilo, as costas do “eleito” arderam como se o fogo brotasse de suas entranhas: sua ação evasiva seria a de desaparatar para uma posição mais confortável, mas descobriu da pior maneira que um feitiço anti-aparatação havia sido conjurado no local.
Seus joelhos dobraram e sua varinha quase lhe escapou por entre os dedos, mas já lutara contra aquela maldição antes, e sabia que a dor que o afligia não seria nada comparada à agonia que Nagini lhe proporcionaria se o alcançasse e, levantando a cabeça em meio aos espasmos de dor que lhe eram impingidos, distinguiu o vulto avançando novamente rápido e mortal em sua sinuosidade, os olhos vermelhos iguais aos de seu mestre crescendo à sua frente.
“Não o mate, minha amiga...” – ouviu o silvo em língua de cobra com que o Lord das Trevas controlava sua mascote – “... apenas o aleije para que eu possa fazê-lo sofrer por sua audácia: sua morte deverá ser lenta e dolorosa!”.
Harry se amaldiçoou por ter sido pego com tanta facilidade no ardil de seu inimigo: mesmo que se livrasse da Maldição Imperdoável que o atingira, não haveria como se evadir do segundo bote que o predador que se aproximava iria lhe lançar. Um clarão repentino o desviou de suas conjecturas:
— Sectumsempra! – o raio cortou a noite e, certeiro como a morte sempre é, decepou a cabeça do monstruoso animal, que caiu com um baque surdo a poucos centímetros de sua afortunada vítima, debatendo-se debilmente por um breve instante até cessar rápida e completamente qualquer movimento em seu corpo morto. Alguns metros além, Severo Snape deixava cair a varinha de onde partira o feitiço que vitimara o animal e caía de lado, extenuado pelo esforço.
— Snape miserável! – disse o Lord das Trevas, girando sua varinha em direção ao ex-serviçal.
— Expeliarmus! – gritou Harry, tentando desarmar o bruxo, livre da maldição no momento em que a atenção de seu algoz se desviara para o comensal traidor, mas uma chuva de faíscas brilhou no ar quando o feitiço chegou até a varinha de seu rival, não surtindo o efeito desejado.
— Ora, Harry... nós dois sabemos que nossas varinhas são ineficazes uma contra a outra! – disse o bruxo com desdém, abandonando momentâneamente a intenção de vingar-se do ex-professor de Poções e Defesa Contra as Artes das Trevas e dirigindo-se novamente ao seu oponente imediato.
Mal acabara de pronunciar estas palavras e as duas varinhas gêmeas começaram a tremer simultâneamente nas mãos de seus donos, a ponto destes não as conseguirem empunhar por muito mais tempo, mesmo os dois tendo tentado segurá-las com ambas as mãos. Então, o par de objetos mágicos, livrando-se da posse dos bruxos, flutuou no alto, além do alcance dos contendores, uma de encontro à outra, até tocarem suas pontas a uma altura de cerca de três metros e, após aparentemente se unirem, numa fusão de calor e luz intensa, começaram a girar em torno de um eixo imaginário até que pequenas labaredas de fogo surgiram do redemoinho criado, que foram crescendo mais e mais até consumirem totalmente os objetos por sua combustão, restando tão somente um punhado de cinzas que caiu levemente ao chão, diante do olhar estupefato dos rivais.
— Não está sendo uma boa noite pra você, Voldemort! – disse Harry com sarcasmo – Primeiro descobriu que seu servo mais leal era um traidor, depois teve a notícia que perdeu as frações de sua alma e a esperança de se tornar imortal, em seguida teve seu bichinho de estimação decapitado e, agora sua varinha tornou-se pó!
Qual um animal acuado que não vê outra forma de defesa além de atacar seu oponente em igual força e intensidade, o Lord das Trevas, entregue à sua forma mais brutal e grotesca possível, sibilou na linguagem de cobra que sabia ser entendida pelo seu inimigo:
“Talvez não saiba, Potter, mas para um grande bruxo como eu o uso de uma varinha mágica não é estritamente necessário para se realizar magia!”.
O movimento seguinte do bruxo das trevas foi rápido e incisivo, mal Harry teve tempo de postar-se.
— Avada Kedavra! – o terrível jorro de luz verde desprendeu-se da palma da mão aberta de Voldemort, talvez não tão intensa ou tão temível como era de seu hábito, mas a morte viajava com toda a certeza naquele clarão.
Mas o que foi atingido pelo feitiço era apenas uma imagem de Harry, conjurada pelo rapaz que surgiu de seu esconderijo dois passos atrás, também apontando a mão em forma de garra num contra-ataque:
— Petrificus Totalus!
Mas o Lord amparou o feitiço na palma de sua mão, num gesto simples e demonstrando um certo tédio.
— Me surpreendendo novamente, Harry! Vejo que está preparado para uma batalha sem varinhas... acha que isso iguala a nossa situação? – novamente uma onda de poder descomunal brotou de sua mão, que fechou-se lentamente em forma de punho.
Harry sentiu a garganta apertar e sua respiração falhar: era como se as garras de seu oponente estivessem em contato com sua pele, enforcando-o e o sufocando. Seus pés elevaram-se do solo e ele flutuou a poucos centímetros do chão, como se a mão de seu algoz o levantasse pelo pescoço. Sua pele começou a arroxear e ele percebeu que em breve perderia os sentidos e, se o aperto não cessasse, viria a morrer por asfixia.
Desesperadamente, numa última tentativa de safar-se, o garoto concentrou-se com todas as forças que ainda lhe restavam num dos feitiços aprendidos no livro do Monte dos Imortais e, num breve girar dos seus dedos, várias cópias suas apareceram ao redor de Voldemort e passaram a orbitar em torno dele, todas em situação idêntica à sua: erguidas pela força do encantamento de seu inimigo e sufocando.
Porém, o aperto que sentia foi diminuindo gradualmente, pois aparentemente a força do feitiço de Voldemort dividia-se entre os seus clones. O bruxo abandonou seu ataque, liberando as cópias que se confundiam ao seu redor. Ele hesitou por um instante, prevenindo-se de um possível ataque dos diversos inimigos que se erguiam em torno dele, recuperando-se do golpe anterior.
— Estamos num impasse... você não tem coragem de me matar, e não poderá escapar de meus ataques eternamente – disse Voldemort, jogando com as palavras enquanto tentava descobrir qual era o verdadeiro Harry Potter.
Harry lembrou-se então do último feitiço que Godric Gryffindor deixara em seu livro, o encantamento que ele não chegara a ler, mas que Gina aprendera e passara brevemente para ele: conseguiria usá-lo corretamente sem a sua varinha?
— Não há problema! – continuou o outro, levantando as duas mãos em direção às imagens que continuavam dispostas ao seu redor – Eu os matarei um a um: Avada Kedavra! – e começou a disparar os mortais raios verdes em cada um dos clones à sua vez.
Concentrando-se ao extremo naquele feitiço que seria a sua única chance de salvação, enquanto suas cópias eram destruídas uma a uma, o verdadeiro Harry mexeu discretamente os dedos da mão, de onde surgiram pequenas fagulhas, porém, esse esforço foi o suficiente para desconcentrá-lo e fazer com que as imagens que o protegiam desaparecessem no ar, deixando apenas o verdadeiro rapaz visível, e que caiu exausto ao chão logo às costas de seu opositor.
— Ah! Aí está você Harry! – sibilou Voldemort, voltando-se rápidamente em sua direção – Não brincarei mais com você... uma morte rápida será o prêmio que lhe darei por ter me proporcionado um combate tão interessante.
Enquanto dizia estas palavras, um pequenino e fraco redemoinho surgiu bem abaixo de seus pés, porém este foi crescendo rápidamente e, à medida que ia envolvendo a parte de baixo do corpo do bruxo das trevas, ia transformando-o numa espécie de fumaça negra, prendendo-o em seu vórtice.
— O que é isso? – desesperou-se Voldemort, olhando para seu corpo que tornava-se transparente, como se fosse feito de fumaça, e que tinha como sua continuação o eixo do redemoinho fixo ao solo – O que está acontecendo comigo?
Harry não lhe respondeu, não porque não quisesse, mas porque não sabia a resposta. Ficou observando o corpo de Voldemort ser envolvido por aquela espécie de fumaça que transformava o sólido em gasoso, até que apenas eram visíveis seu rosto, suas mãos e o seu coração.
O coração maligno do bruxo era pequeno e negro, como o seu espírito, e pulsava lentamente, enquanto os seus olhos esbugalhados e dominados pelo mais abrangente terror o observavam, incrédulo.
— Maldito! Maldito! – ele limitava-se a urrar, com sua voz fraca e alterada pelo encantamento que o dominava.
Harry levantou-se e deu um passo em direção àquela imagem incomum, sem saber realmente qual atitude tomar a seguir, quando percebeu um objeto cair próximo aos seus pés. Abaixou-se lentamente e apanhou a varinha de Severo Snape.
— Mate-o Potter! – ouviu-se a voz fraca e agonizante do ex-comensal, que se arrastara até próximo de onde os dois se encontravam e lhe atirara sua varinha, num enorme esforço – Destrua o coração deste monstro!
Harry apontou a varinha para o coração negro de Voldemort, entendendo que a instrução do ex-professor era a opção mais óbvia: a morte do bruxo maligno era o que ele desejou durante todos aqueles anos.
Enfim estava em suas mãos o destino daquele que fez a tantos sofrerem, que tirou vidas por suas próprias mãos ou por sua ordem, que destruiu famílias, que fez com que muitos vivessem sob o signo do medo, temerosos de pronunciar até mesmo o nome que adotara para si.
— Rápido Potter, mate-o! – insistia Snape, no limite de suas forças.
Então o olhar de Voldemort voltou-se para Harry, pasmo e desesperado com sua impotência diante do feitiço que o aprisionava, temeroso e incrédulo por encontrar-se vulnerável à próxima ação do Menino-Que-Sobreviveu.
Ao cruzar o olhar com o bruxo das trevas, Harry lembrou-se da morte de seus pais, dos lampejos que às vezes tinha daquele momento em sua infância e das imagens que presenciara na penseira herdada de Dumbledore. Lembrou-se da morte de Cedrico, um inocente que sucumbiu diante da maldade e desprezo pela vida daquele que estava à sua mercê. Lembrou-se de Sirius e de Dumbledore, que morreram não pela sua mão, mas a seu mando, e que lhe eram das pessoas mais importantes, que se importavam com ele a ponto de colocarem suas próprias vidas como secundárias quando se tratou de sua segurança.
Harry olhou para o coração negro batendo indefeso à sua frente e pensou mais uma vez em todos aqueles a quem amava e morreram, não tendo chance alguma diante da tirania do Lord das Trevas. Não! Voldemort não tinha o direito de tirar a vida daqueles a quem amava, ou de qualquer outra pessoa que fosse... ninguém tinha o direito de tirar a vida de alguém... nem mesmo ele: Harry Potter!
— O que está esperando, fedelho maldito! – a voz de Voldemort era quase um sussurro – Como lhe disse uma vez, você é um fraco... e vai perder tudo!
— Acabe logo com essa víbora, Potter! – Snape quase suplicava, contorcendo-se entre suas dores – Faça-o agora, ou ele acabará se libertando!
Mas Harry baixou sua varinha... não, ele não poderia tirar uma vida, mesmo que esta fosse a vida daquele monstro que se encontrava subjugado à sua frente e que tanto mal havia feito a tantos e à ele próprio.
— Não posso fazê-lo! – disse o garoto cabisbaixo – Não posso matá-lo!
— O que está dizendo, seu tolo? – Snape estava incrédulo – É de um monstro que estamos falando... daquele que matou a seus pais!
— Eu sei... e isso não pode ser mudado! – respondeu Harry, impassível – Mas, se eu o matar... eu me tornarei um assassino! E serei igual a ele!
— Idiota! – rosnou o bruxo moribundo, entre uma golfada de sangue – Sua fraqueza porá tudo a perder!
— Já disse que não posso! – gritou Harry, atirando a varinha ao chão.
Se fez um instante de silencio que perdurou enquanto uma nuvem cobria lentamente o luar que banhava a cena que se desenrolava.
— Então... una-se a mim, Harry! – sugeriu Voldemort, numa tentativa desesperada da salvar-se – Juntos seremos indestrutíveis!
— Isso nunca! – respondeu o menino – Pois eu tenho pena de você... porque você nunca teve uma família, assim como eu. Mas aqueles que me seguem e confiam em mim, o fazem por amor... e não por medo, como é o seu caso!
— Amor? É isso que o enfraquece, Harry! – desdenhou Voldemort.
— Está enganado, V-Voldemort! – disse Snape, ousando pronunciar o nome que sempre evitara – É o amor que o torna forte e o difere de você... é o amor que está lhe proporcionando esta pequena sobrevida: a compaixão que ele sente até por uma criatura indigna como você. É graças ao amor dele que você ainda está vivo!
— Não! – tentou gritar Voldemort, mas sua voz era apenas um sibilo – Não quero a sua pena ou compaixão! – repentinamente, o coração negro começou a pulsar e bombear mais rapidamente, inchando e aumentando de tamanho gradativamente, o que foi percebido por Snape, que continuou:
— Sim, Voldemort! O amor pode salvá-lo afinal... na verdade, você agora tem o sangue do Potter correndo em suas veias, não é mesmo? – insistiu Snape – É também o sangue de Lily... e ela tinha tanto amor em tudo o que fazia...
— Nãããão... eu não quero! – o bruxo debatia-se em vão, enquanto seu coração tomava proporções desmedidas.
Harry afastou-se um passo, percebendo o que ocorria: na velocidade em que o órgão se inflava, sua destruição era iminente.
— Eu sou o Lord das Trevas! Eu sou Imortal! Eu sou Lord Voldemort! – foram as últimas palavras do bruxo das trevas, em seguida o coração negro explodiu sem um ruído sequer, e foi engolido pelo redemoinho que já tomara seu corpo, e que foi se diluindo pouco a pouco até tornar-se uma massa negra e asquerosa no centro das antigas ruínas.
A nuvem que cobria a lua afastou-se, e o cenário da batalha onde o mal sucumbiu pela força do amor tornou-se claro. Ao longe um novo pio de coruja soou, e outro e mais outro além: era como se os espectadores ocultos do confronto final espalhassem a notícia da vitória do bem sobre o mal.
Harry ajoelhou-se ao lado de Severo Snape e amparou sua cabeça sob um de seus braços.
— O senhor está... bem? – perguntou ele, apesar de ser nítido que a vida não habitaria aquele corpo por muito mais tempo.
— Você é um tolo, Potter! Um... tolo... de... muita... sorte... – foram suas últimas palavras.
A coloração alaranjada que tomava o firmamento demonstrava que um novo dia despontaria em breve.
Era uma manhã clara e ensolarada de domingo e, quando Harry Potter abriu os olhos em sua cama, após uma boa noite de sono, aquela imagem dos últimos instantes de Snape lhe veio à memória. Alguns anos haviam se passado, e muitas coisas haviam acontecido desde então, mas ele não tinha nada para reclamar.
Vestiu-se e desceu os degraus que levavam ao exterior da casa, de onde ouvia vozes que se confundiam num pequeno alvoroço. Harry caminhou lentamente e sentou-se à beira do lago que ladeava o jardim d’A Toca, onde observou as duas meninas de cabelos cor-de-fogo, que também o haviam avistado, correrem em sua direção enquanto gritavam em meio a risos de alegria:
— Papai! Papai!
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