Um Último Beijo
Capítulo 1: Um Último Beijo
A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts ainda era muito nova quando, afinal, pôde servir de cenário para um casal que realmente compartilhou do amor verdadeiro. Aquele amor em que você deseja fazer uma pessoa a mais feliz do mundo, ou que ela seja feliz com outro alguém...Se for com você que ela está, ou não, não importa...Você se sente bem em ver aquele sorriso irradiante. Talvez machuque um pouco, mas no fundo do coração, nos sentimos muito bem. Aquele amor que você seria capaz de fazer milagres e ir até o fim do mundo em busca de uma solução para resolver o problema em que o outro está envolvido...Amor mais vasto do que o universo e impossível de ser medido e calculado.
Fazia apenas cinco anos que a escola abrira. O verde do jardim, o azul do lago, o vermelho do fogo...As cores tinham muito mais vida. Até mesmo o sol parecia brilhar mais ali do que em qualquer outra parte do mundo. Era uma época em que os alunos das casas não eram rivais uns dos outros. Até mesmo entre grifinórios e sonserinos havia elos de pura amizade. A harmonia ali naquele lugar era simplesmente eletrizante...contagiante. As Trevas ainda estavam longe dali.
Voltemos para a parte mais importante da história...
Onde ela realmente começa? O que aconteceu? Como ela acabou? É incrível como nossas mentes ficam povoadas de perguntas quando se trata de assuntos desse tipo. Mas vamos às respostas, com calma...
Uma das lições mais importantes de um relacionamento é a de respeito. Sim, é preciso respeitar e apoiar a pessoa amada, ou corrigi-la se estiver errada. Partilhar opiniões. Ter como base duas coisas: amizade e diálogo. E essas duas bases, desse casal a que me referi no primeiro parágrafo, eram tão fortes quanto a força do tempo.
Nossa história começa no jardim da escola. Era uma bela manhã de domingo de verão. O mês era junho. A primeira turma que Hogwarts havia recebido consistia apenas de quarenta alunos. Eles já estavam no quinto ano, se preparando para entrarem de férias e voltarem em Setembro, para iniciarem o sexto ano letivo.
Perto da margem do lago havia um pequeno grupo de grifinórios. Quatro garotas e um rapaz. Seu nome era Armand Witzbirk, tinha 16 anos e era muito belo. Seu cabelo era loiro e vivia muito bem penteado. Os olhos eram claros, bem como sua pele. Era alto e tinha corpo atlético, com músculos nada exagerados. Era muito simpático e carismático. Vivia andando com as meninas de sua turma. Corriam dois tipos de boatos a seu respeito pelas bocas dos alunos. O primeiro era que ele “gostava de homens” e o segundo era que ele era esperto demais, pois andava sempre acompanhado das garotas mais bonitas da escola.
Somente uma das quatro garotas sabia realmente a verdade sobre Armand...A garota chamava-se Julliet Rivellet, e era sua melhor amiga, desde que entraram em Hogwarts e foram selecionados para a mesma casa. Jully, como o rapaz a chamava carinhosamente, era igualmente linda. Também era loira e possuía olhos claros, porém, sua pele era um pouco mais escura que a dele. Muito doce e inteligente, atraía muito a atenção dos rapazes da escola. A jovem trajava um vestido branco, que estava no auge da moda bruxa daquela época.
(Vestido - http://www.alleycatscratch.com/lotr/scrapbook/LadyElizabeth/wwfinaldress4a.jpg )
Ela, assim como os outros, ajudavam a consolar uma das meninas, que havia tido o coração partido por um rapaz. O interessante era que a pessoa que melhor conseguia acalmar a jovem era Armand. Ele dizia exatamente aquilo que a moça precisava ouvir. Era como se ele mesmo fosse uma garota e já tivesse passado por aquilo centenas de vezes. Não demorou muito para que Cassandra voltasse a sorrir e parasse de chorar.
- Venha, querida, vamos lavar o rosto. – disse Helena.
Cassandra, Helena e mais uma jovem levantaram-se e saíram andando pelo jardim, seguindo em direção a entrada principal do castelo e deixando os dois amigos para trás. Ambos olharam-se nos olhos e trocaram sorrisos.
- Como sempre...salvando corações, Armand. – comentou Julliet.
- Não exagere, Jully. Não fiz nada. – disse o loiro,rindo suavemente.
- Aham, sei. Você sempre rouba a cena nessas horas...
- Acho que tem uma mocinha aqui com ciúmes. – brincou Armand, sentando-se mais perto da garota e, logo em seguida, começou a fazer-lhe cócegas.
- Vamos, pare com isso... - pedia a loirinha, entre os risos.
Armand não queria parar. A risada de Julliet era o som mais magnífico que já escutara em toda sua vida. Era contagiante. Era delicioso. Era lindo. “Ela é linda...” pensou ele, ajeitando-lhe uma mecha de cabelo da cor dos raios de sol atrás da orelha. Estava hipnotizado por ela. Era a criatura mais perfeita que conhecia. Com ela sentia-se muito bem. E sempre agradecia por ela fazer parte de sua vida. Sentia que ela ainda teria um significado muito grande para ele. É claro que já tinha...”É minha melhor amiga...Mas será mesmo que melhores amigos ficam se olhando desse jeito?” perguntava-se ele mentalmente.
- Armand? – chamou a jovem, em voz baixa.
“Ele está tão distante...Está colocando os pensamentos onde eu não posso alcançar...Por quê ele está me olhando desse jeito? Por quê?” A resposta para aquela pergunta que Julliet fizera a si mesma não tardou a vir. Na verdade, veio no segundo após ela ter perguntado. Bem lentamente, o rapaz fora aproximando seu rosto do dela enquanto desferia uma carícia em sua face. Era um toque tão delicado...como se ela fosse feita de cristal.
“Meu Deus...O que eu estou fazendo? Não é isso o que eu sou...” pensava o loiro, completamente confuso. Havia algo em seu âmago que tinha medo de revelar aos outros. Por mais que soubesse que ninguém no mundo tinha o direito de julgá-lo por suas escolhas...sabia que críticas e desaprovações viriam assim que assumisse...Suspirou, meio triste e interrompeu o beijo, de modo lento. Ambos estavam olhando-se nos olhos. Era uma atração muito forte, eles não podiam negar...mas podiam ocultar aquilo de si mesmos...
- Não se preocupe...Ficará apenas entre nós... – sussurrou Julliet, forçando um sorriso.
- Obrigado, Jully. Desculpe-me...não sei o que deu em mim. Fui um tolo...Desculpe-me... – balbuciava ele.
Para Armand, olhar nos olhos de sua amiga e ver que ela sentia algo além de amizade partia-lhe o coração. “Não é isso o que eu quero...Não é disso que eu preciso...”. Tomou-lhe as mãos delicadas e macias e beijou-as muitas vezes. Acariciou-as com carinho, sem quebrarem o silêncio que havia se instalado entre eles. Por fim, levantou-se e agiu como se nada daquilo tivesse acontecido. Talvez aquilo a machucaria um pouco, mas era para o próprio bem dela.
Mas o pouco que o loiro supôs não estava muito perto do que Julliet realmente sentiu. Ainda que estivesse confusa, pois, até aquele momento, nunca havia enxergado em Armand um rapaz além de seu amigo, e agora...Agora estava tudo diferente, disso ela tinha certeza. Sabia que aquele beijo fizera nascer dentro de si um sentimento a mais por seu melhor amigo. “Mas ele parece que continua me vendo como...Apenas como sua melhor amiga...” pensou a jovem, vendo-o se afastar e chamá-la para que o seguisse. Ouviu-o dizer algo sobre “ir ver as meninas”. Mecanicamente, ela ergueu-se e caminhou até ele...
A partir daí, os dois continuavam a agir como se nunca...jamais tivessem se beijado...como se Julliet não desejasse de Armand algo mais que amizade...Nas férias de verão, mantiveram contato através do correio-coruja. Em alguns domingos marcavam encontros com as outras meninas e saiam para passearem pela parte trouxa do país. E em todos aqueles encontros, os loiros não mencionavam o que havia se passado entre eles...E a cada encontro, Jully sentia que seu melhor amigo estava passando por algo muito difícil.
- Armand...você está estranho ultimamente. Aconteceu alguma coisa. – comentou ela, afirmando como convicção sua tese.
- Você nunca deixa escapar nada... – brincou ele, forçando uma risada.
- Não quando se trata do meu melhor amigo...Gostaria de conversar a respeito?
- Não...Pelo menos, não agora...Espero que não se sinta traída nem nada, Jully. Apenas acho que não é o momento certo para eu contar uma decisão que estou tomando... – ia dizendo Armand, lenta e pausadamente.
- Tudo bem...Não tenho pressa...Quando achar que chegou o momento, fale comigo...Sabe muito bem que nunca estive lá na frente te esperando, mas sim sempre estive e sempre estarei...do mesmo jeito que estou agora...ao seu lado. – disse a garota, carinhosamente.
- Você é incrível, sabe disso, não? – indagou o loiro em voz baixa, exibindo um sorriso sincero.
Julliet apenas retribuiu o sorriso. Por dentro, ela perguntava-se o que estaria acontecendo a ele. “O que será que está deixando Armand desse jeito? Que decisão será essa? Oh Merlim...” pensava ela. E esses pensamentos mal saíram de sua mente nos dois meses que se seguiram. Nunca tocara no assunto misterioso, por respeito ao pedido que o loiro lhe fizera. “Vou esperar, Armand...Estarei sempre esperando...”
Outubro já estava quase no final quando Armand finalmente chamou a amiga para um passeio pela escola. Era um sábado à tarde. Ambos usavam trajes de inverno, pois o dia estava muito frio. A neve muito branca cobria o jardim e as copas das árvores da Floresta Proibida. O lago estava com sua superfície completamente congelada. Ainda assim, mesmo sem as cores vivas da primavera e do verão, Hogwarts era uma verdadeira paisagem. Belíssima e encantadora.
- Julliet...acho que estou pronto para te contar...Saiba que é a decisão mais importante da minha vida e acho que .... Tenho certeza de que é para você quem eu devo contar primeiro. – disse Armand, enquanto andava devagar, fitando o céu.
- Eu fico muito agradecida... – mas a loira não terminou a frase, pois o rapaz preferiu interrompê-la. Estava bastante visível que o assunto era sério e que ele estava muito ansioso.
- Por favor...Eu é quem devo ficar agradecido por ter você comigo... – sussurrou e prosseguiu. – Jully, há algum tempo, venho notando uma certa mudança em mim...Dentro de mim...Em meu coração, em meus desejos...
Naquela altura, ambos haviam parado de andar. Estavam parados, um diante do outro. Um olhando nos olhos do outro. Um segurando as mãos do outro...E estavam em pé, próximos da margem do lago congelado. Exatamente onde estiveram quando deram o primeiro beijo.
- Jully...eu gosto de pessoas do mesmo sexo que o meu. – disse Armand, sério.
Aquilo foi como se um balde de água do lago tivesse sido jogado na cabeça da jovem. Estava surpresa. Nunca desconfiara de que seu melhor amigo fosse um homossexual. Mas...era seu melhor amigo...E ela o apoiaria, se esse era o caminho que ele havia escolhido. Em hipótese alguma passara pela cabeça dela criticá-lo e abandoná-lo naquele tapete voador. Podia sentir o coração bater forte contra o peito.
- Oh Armand... – murmurou ela, serenamente e abraçando-o logo em seguida, confortando-o, pois tinha plena consciência de que aquilo não seria um fardo fácil de ser carregado.
- Eu não sei o que seria de mim sem você...minha querida Jully... – dizia, de olhos fechados, contra o ouvido dela.
O rapaz a abraçara forte contra seu corpo. Tê-la em seus braços lhe trazia satisfação. Em seu coração uma voz gritava muito alto...Tão alto que estava alcançando sua alma. Implorava por uma despedida do caminho que trilhara até aquele momento...O caminho da luz, onde não havia pessoas sussurrando quando ele passasse e nem apontando para ele com olhares severos e de reprovação.
- Sei que não tenho o direito de pedir isso...Eu sei...mas eu preciso...Eu tenho que te pedir uma coisa, Julliet...E é para você apenas que eu quero pedir...Nenhuma outra garota consegue despertar isso mim... – dizia ele, olhando-a nos olhos agora, enquanto acariciava-lhe a pele macia.
- O que foi, Armand? – a loira pergunta baixinho, um tanto trêmula.
- Se tem uma mulher que me orgulho de ter beijado, essa mulher é você. É uma pessoa sensacional...incrível mesmo. Sempre disse que você é brilhante...Gostaria de ter um último beijo...de...Despedida...Jully...
Ficaram em silêncio a partir daí. Armand não ousou falar mais nada. Apenas olhava-a nos olhos, demonstrando toda a sinceridade que havia no pedido que acabara de fazer. Sabia que para a jovem não era um simples beijo, e nem mesmo para ele era. Ao contrário, era muito importante. Porém, para Julliet, era bem mais difícil e delicado.
“Meu Deus...Tudo o que eu queria ouvir nesses dias era isso...Ele pedir por um beijo...E agora...acho que não devo...” pensava ela, completamente confusa. “Pro inferno...Ele nunca mais vai querer chegar perto de uma mulher...Será nossa despedida, Armand...”. No segundo seguinte àquele pensamento, a garota levou suas mãos até a nuca do rapaz e, então, fechando os olhos lentamente, beijou-o.
Daquela vez, o beijo fora muito mais intenso, foi profundo. Um beijo inesquecível e muito melhor que o primeiro. Os dedos de uma das mãos do loiro estavam envoltos por fios do cabelo dourado e reluzente de Julliet. Os corpos estavam unidos. Eles nunca estiveram tão próximos um do outro quanto estavam naquele momento. Encaixavam-se perfeitamente...
Por fim, soltaram-se, ou melhor, desgrudaram-se. Dando um passo para trás, cada um. Ofegantes e com os lábios ligeiramente inchados e avermelhados, trocaram sorrisos.
- Obrigado, Jully...Muito obrigado... – murmurou Armand.
Eles aproveitaram o resto do dia, apenas os dois juntos. Conversaram muito, deram boas risadas e falaram sério. O caminho que o loiro decidira seguir não tinha um trajeto muito agradável. E nada, a partir daí, foi fácil para ele. Ainda que assumisse que era um homossexual, quem não o conhecesse, jamais imaginaria que ele fosse um. Ele não tinha jeito de ser gay. Era realmente difícil de acreditar. Seus colegas de escola foram um problema constante, mas o pior de todos fora a rejeição da família. Eram poucos aqueles que permaneceram ao seu lado, firmes, fiéis e fortes. A principal do cortejo que o cercava era Julliet...sua eterna e querida Jully.
Três meses após assumir sua opção sexual ele finalmente encontrou um rapaz. Era um garoto mais novo, da Lufa-Lufa. Chamava-se Oliver Tager. Era muito bonito e inteligente e morria de ciúmes de Julliet. Porém, Oliver não assumia para os outros sua sexualidade e seu relacionamento com Armand era secreto. Mas é claro, apenas Julliet sabia.
Demorou um pouco ainda para que as pessoas em Hogwarts se acostumassem com aquela novidade à respeito do grifinório, mas por fim as brincadeiras de mau gosto havia cessado. O que demorou mais para vir foi a aceitação da família Witzbirk. Isso levou um certo tempo. Quase dois anos. E isso deixou o rapaz completamente sensibilizado. “Minha sorte é que tenho o Oliver...e a Jully”, pensava o loiro, quando queria se acalmar.
Para Julliet aquele período também não foi nada fácil. No começo, ela sempre defendia seu amigo das gozações dos outros alunos com unhas e dentes e, é claro, com sua varinha. A jovem surpreendeu a muitos com azarações que ela mesma estava criando, como, por exemplo, o feitiço “Silêncio”. Ainda assim, em momento algum, ela desistiu de Armand.
As maiores lições que ela havia aprendido com ele foram sobre coragem, amor e persistência. Ela, como melhor amiga do loiro, nunca desistiu dele, nunca se afastou dele e nunca o deixou sozinho. Lutou ao seu lado pela maior vitória da vida dele, que foi a de ser aceito não apenas na sociedade, mas entre sua família.
Em uma ocasião, na formatura exatamente, Armand estava dançando abraçado com ela e sussurrou-lhe contra o ouvido:
- Você atravessou esse período da minha vida de mãos dadas comigo...e o fez com uma graciosidade surpreendente...
Julliet sorriu suavemente.
- Sinto muito orgulho de você, Armand. É a pessoa mais brilhante que eu conheço...É uma pessoa que fez uma escolha de vida, mas essa escolha...é apenas uma escolha, e não tudo o que você é...
Armand sabia que aquela jovem com quem dançava o amava muito mais do que um amigo e irmão. Ela o amava como homem. E a admirava muito por ela ter feito tudo o que fez por ele...Ele tinha plena consciência do tanto que ela havia feito para ajudá-lo em seu caminho, a superar os obstáculos. E ele também a amava incondicionalmente...”Passamos por muitas coisas juntos...É impossível conhecer Jully e não amá-la...E somos tão parecidos...muito mais do que percebemos durante tantos anos de amizade...” pensava ele, enquanto sentia o perfume da loira.
Alguns meses haviam se passado. Armand estava trabalhando no Ministério da Magia, no Departamento de Execução de Leis Mágicas. Julliet estava trabalhando no Profeta Diário, o primeiro jornal bruxo do país. Ela começara como secretária de redação e meses depois conseguiu o cargo que realmente queria: correspondente internacional, isto é, seria repórter e viajaria pelo mundo atrás das notícias mais importantes, como de guerras, por exemplo.
Quando o diretor-executivo do jornal lhe dera a notícia, já avisou que a mandaria para a França para cobrir um evento mundial lá. E Jully sabia que, a partir daí, ela não iria parar mais em canto nenhum...Era a hora de se despedir. Três dias depois, foi até a casa do amigo. Levava consigo uma carta onde ela dizia tudo o que sentia...Ela queria deixar aquilo registrado para ele...Não conseguia mais guardar para si mesma...
”The words have been drained from this pencil
As palavras foram tiradas deste lápis
Sweet words that I want to give you
Doces palavras que eu quero te dar
And I cant sleep, I need to tell you... goodnight
E eu não posso dormir, eu preciso lhe dizer... boa noite “
- Jully! Que surpresa! Achei que você viria só daqui dois dias... – comentou Armand, com um sorriso nos lábios.
Os dois estavam na sala de estar, tomando chá. A loira não conseguia sorrir. Suas malas estavam prontas. Passaria em sua casa e em seguida iria para o jornal. Lá o diretor-executivo lhe daria uma chave de portal e aí ela partiria para a França. Respirou fundo e tomou mais um gole de seu chá verde.
- É...Eu vim aqui porque tenho uma coisa pra te falar... – começou ela, olhando para os próprios joelhos. Suspirou e ergueu a cabeça, sentia que seria uma falta de consideração dar a notícia sem olhar o amigo nos olhos. – Armand, eu estou indo embora...
Era difícil dizer a quem dos dois aquelas palavras machucaram mais. O loiro largou a sua xícara na mesinha, fitando a amiga, completamente perplexo. Sabia que, pelo jeito, a possibilidade de se verem novamente era muito remota. E como aquilo lhe feria...
Enquanto Julliet explicava tudo direitinho para o rapaz, este levantou-se da poltrona onde estava sentado e sentou-se ao lado da loira, tirando-lhe a xícara das mãos para então abraçarem-se. Lágrimas cristalinas escorriam pelas faces de ambos. Era uma separação muito difícil. Se conheciam há tantos anos...
A jovem não soltou-o por um instante sequer. Queria aproveitar ao máximo aquele momento no qual estava tão perto dele. E era perto dele onde ela conseguia encontrar a si mesma...Quando estava longe daquele loiro...sentia-se perdida. Enfim, havia parado de falar. Pendurou-se em todas as palavras que o outro proferira, sem se cansar por momento algum de ouvir sua voz e olhar em seus olhos.
- Jully, você sabe que eu te amo. É a minha melhor amiga...A minha irmã...E sendo assim, saiba que eu sempre estarei aqui para você...Estarei torcendo por você e irei aplaudir o seu sucesso no mundo afora...E irei até você, onde quer que esteja, para ajudá-la a se levantar quando cair e achar que deve desistir.
”When we're together I feel perfect
Quando estamos juntos me sinto perfeita
When I'm pulled away from you I fall apart
Quando estou longe de você de você eu me quebro
All that you say is sacred to me
Tudo aquilo que você diz é sagrado para mim
Your eyes are so blue, I can't look away as we lay in the stillness
Seus olhos são tão azuis, eu não posso parar de olhar”
Então Julliet soltou-o com muito esforço e a contra-gosto. Levantou-se e agradeceu o chá. O loiro a acompanhara até a porta e lá tornaram a se abraçarem. Trocaram algumas palavras, que vibravam no ar repletas de amor, carinho e ternura. Naquele momento, discretamente, a jovem colocara a carta no bolso do amigo e partiu instantes depois.
Armand não teve coragem de conter as lágrimas. Foi apenas quando fechou a porta que notou que havia algo em seu bolso. Os olhos já estavam bastante vermelhos e ainda produziam muitas lágrimas. Jogou-se no sofá, onde ficou deitado, fitando o envelope de cor creme. Sabia que fora Jully que em algum momento o colocara em seu bolso. Abriu o envelope e começou a ler a carta.
”Querido Armand...
Eu não sei se isso o que estou prestes a confessar será uma novidade para você. Eu, sinceramente, acho que não. Eu o amo tanto, muito mais do que as palavras são capazes de dizer e os gestos de demonstrar. Senti-me sufocada durante esses últimos anos, pois ver você e não poder tocá-lo da forma que eu realmente desejava, e ainda desejo mais do que qualquer coisa, foi a maldição que os deuses lançaram sobre mim...Ouvir sua voz foi minha única bênção.
Você é a pessoa mais maravilhosa que eu conheço e me fez entender o verdadeiro sentido da vida. Eu vivia me perguntando se havia um motivo pelo qual morreríamos, se há um lugar onde o espírito vive...E foi você quem me deu as respostas. Brotou em mim, ainda que sem saber, uma semente...Amor...Eu tenho tanto a te agradecer. Você me ensinou tantas coisas e me proporcionou inúmeras dádivas...e compartilhou comigo o amor mais puro do mundo: o dos melhores amigos.
Se tem uma coisa de que me orgulho é do que fizemos durante esses anos. Ajudamos um ao outro em todos os momentos de nossas vidas. Amamos um ao outro...e ainda assim, fomos, e somos, apenas melhores amigos. Mas sempre tive certeza de que era muito melhor tê-lo como amigo do que não tê-lo participando da minha vida e eu da sua, de não poder compartilhar, receber e doar nada para você. Saiba que eu jamais abriria mão de um momento sequer com você, querido.
E foram tantas as coisas pelas quais passamos...e sempre de cabeça erguida. E juntos descobrimos que nunca chegamos totalmente ao fim da estrada. Sempre quando achávamos que estava tudo pronto e que podíamos descansar a vida nos arrumava mais um desafio. Você vivia repetindo para mim e eu para você, em momentos em que tudo ficava mais difícil, que tínhamos que encarar o desafio e resolver o problema, pois não bastava saber diferenciar o certo do errado, era preciso fazer o que era certo, mesmo que aquilo não fosse fácil.
São tantas as lembranças que guardei em segurança e com carinho em meu coração. Toda vez que você falava comigo era uma surpresa e tanto. Era magnífico. E enumerei as qualidades que fui descobrindo em você conforme ia te conhecendo...Honestidade, lealdade, gentileza, generosidade, criatividade, sensibilidade....Força. Não a força física...mas você passou por um período tão difícil e saiu dele de cabeça erguida e com um sorriso vitorioso nos lábios...Saiu daquela pior fase mais inteligente e esperto por causa dela.
E conhecendo você, amei você. Amar e confiar completamente em alguém e ser aquele em que a pessoa ama e cofia completamente é um presente que recebemos raríssimas vezes e em poucas vidas. E fomos capazes de nos dar esses belíssimos presentes...E acabou que você levou meu coração na manga...Não nego que em algumas vezes você me fez chorar, mas também me fez rir e eu sempre soube que você era alguém muito especial...Especial demais, sábio demais...A maneira como você enxerga o mundo é linda...E conhecemos a alma um do outro e os corações e mentes...Digo-lhe novamente que me apaixonei perdidamente...
Acho que eu deveria estar dizendo adeus para você agora, mas não o farei. Você estará sempre comigo de mil maneiras, decido aos corações que demos um ao outro, dos anos, das lágrimas, dos sorrisos, dos abraços, das derrotas e vitórias e do amor interminável que compartilhamos. Portanto, não pense que nossa amizade foi perdida...ela apenas vai mudar de lugar.
Ninguém te ama como eu te amo, Armand...E eu vou te amar para sempre.
Com carinho,
Da sempre sua,
Jully.”
Armand guardara consigo aquela carta e a lia freqüentemente, até sabê-la de cor. Em todas as edições do Profeta Diário, a primeira reportagem que ele lia era aquela assinada por Julliet Rivellet. Além do quê, eram notícias da primeira página e as mais brilhantes.
Conseguiam trocar cartas uma vez por semana, mas aquilo foi mudando rapidamente. Uma vez por mês...Uma carta há cada quatro meses...Até que o contato entre os dois havia cessado. Raramente o loiro tinha notícias de Jully. Sabia apenas que estava viva devido ao Profeta Diário.
Um ano depois de Julliet ter partido, Oliver havia se formado em Hogwarts. O relacionamento dos dois continuava sendo secreto, pois o rapaz não queria que amigos e sua família soubessem. Foi uma discussão e tanto, mas Armand aceitou a condição imposta por Oliver, mas é claro que ele também impusera a sua: ele tinha o direito de contar para a própria família que estava namorando com Oliver.
E assim eles foram levando durante quatro anos. Decidiram então ir morarem juntos em outra cidade, e assim o fizeram...Os anos iam passando, mas eles nunca se casaram...
Dez anos haviam se passado desde que Julliet vira Armand pela última vez. Ela havia voltado para Londres, para cobrir a eleição do novo Ministro da Magia. Era uma tarde de sábado e ela havia ido almoçar no Beco Diagonal, no Chifre de Unicórnio. A loira estava com 27 anos. Trajava uma capa cinza-grafite por cima do vestido azul. Estava olhando distraída as pessoas que entravam e saiam do bar quando um homem loiro de olhos claros, alto e com a barba por fazer entrara no recinto, com trajes da época na cor azul e marrom.
Dez anos havia se passado...E ela ainda o reconhecia. Tinha certeza de que era Armand. Ela nunca o esquecera...em todo aquele tempo. Seu coração batia forte contra o peito. Todo o sentimento que nutrira por ele voltava à tona.
Armand, ia andando calmamente, até que, enfim, percebeu que estava sendo observado. Discretamente, olhou na direção da pessoa que o encarava e sentiu um frio na barriga. Seria impossível não reconhecer Jully. Estava mais linda do que nunca e...ainda assim, parecia que não havia mudado tanto.
Ficaram olhando-se nos olhos, em silêncio, por alguns segundos. Quem tomou a iniciativa de uma aproximação fora o homem. Ele caminhou, com passos apressados, até a mesa que a moça ocupava. Coube a ela levantar-se e, devagar, abraçá-lo, fechando os olhos em seguida.
O loiro não estava muito bem naquelas últimas semanas. Isso porque andava se cansando da vida que levava com Oliver. Viviam nas sombras durante muitos anos e aquilo era angustiante. Outro fator que contribuía para que ele andasse muito rabugento com o companheiro eram as dúvidas que a carta de Julliet fizera surgir em seu âmago.
Bastou para Armand olhá-la e contemplá-la, senti-la enquanto a abraçava para que as dúvidas sumissem. Ele a amava, isso ele nunca negou, mas da mesma forma como ela o amava. Sabia que o amor poderia estar um pouco apagado pelo tempo, mas eles dariam um jeitinho especial...
- É tão bom poder vê-la novamente, Jully. – sussurrou o loiro, instantes depois, quando estavam sentados à mesa, um diante do outro, um segurando as mãos do outro.
Os dois começaram a conversar. A conversa se prolongou por pouco mais de duas horas. Armand contara à mulher sobre o que havia feito naquele tempo...sobre ele e Oliver...e sobre como se sentia a respeito do companheiro e dela...
- Viemos para cá porque Oliver queria visitar a família, mas não quer me apresentar...Nunca quis, não será agora que vai querer. Sinto falta da minha própria família...e sinto vontade de ter a minha própria, mas não mais com Oliver...
Julliet estava bem calma, ouvia-o com atenção, como costumava fazer nos tempos de escola. Ele não havia perdido o jeito encantador...E o amor que ficara um tanto desgastado, foi se renovando e ganhando forças a cada palavra que ela escutava...
- Eu passei esses últimos anos me perguntando se as escolhas que fiz foram certas...Pois eu não estava sendo feliz...Há muito tempo que eu não sei o que é felicidade, Jully...A única coisa que me confortava era saber que em algum lugar, estava você...Viva...As vezes sentia ciúmes ao pensar que você podia ter arrumado um outro homem para ser seu melhor amigo...ou...seu marido...mas você tem todo o direito...
- Armand...
- Eu vou entender...Aposto como arrumou alguém, não é?
- Armand, eu nunca me casei...Claro que tive alguns relacionamentos, mas eu vivo viajando e nunca tenho tempo para eles...Nenhum homem me fez ter vontade de largar a profissão para ficar com ele...Eu só teria deixado meu cargo por uma pessoa... – disse a loira, com um sorriso nos lábios. – Você, Armand.
Exatamente uma hora depois, os dois se encontravam deitados na cama de casal do hotel trouxa em que Armand estava hospedado. Haviam se entregado de corpo e alma, finalmente, àquele amor tão intenso e profundo. Estavam cobertos por um lençol branco. Julliet estava aconchegada nos braços do amado, que lhe acariciava o cabelo carinhosamente.
- Jully...Eu te amo...Fique comigo para sempre...Não vá embora de novo...Não me deixe aqui de novo...Case-se comigo...Me dê a família que eu sempre desejei...
”You whisper to me, lady, marry me, promise you'll stay with me
Quando nós nos deitamos na quietude
Você sussurra a mim
Senhorita, se case comigo, prometa que você ficará comigo.”
Aquele pedido era tão sincero, era tão doce e gigantesco...Era emocionante...Julliet rolou e deitou-se por cima de Armand, podia olhá-lo nos olhos. Desferiu uma carícia em sua face e abriu um daqueles sorrisos fascinantes que era capaz de fazer o coração do loiro acelerar.
- Caso com você...Largarei meu cargo no Profeta Diário e arrumarei um cargo dentro do jornal...E aí ficaremos juntos...
Os dois beijaram-se apaixonadamente. Jully sussurrava entre o beijo que ele sempre soube que a resposta seria sim...E Armand realmente sabia...Não que ele fosse convencido, mas eles se amavam demais para negarem uma união.
“Oh you don't have to ask me,
Oh você não tem que me perguntar
you know you're all that I live for
Você sabe que você é tudo aquilo para por quem eu vivo
You know I'd die just to hold you, stay with you
Você sabe que só eu morreria só para te segurar, ficar com você
Somehow I'll show you
De alguma maneira eu mostrarei para você
that you are my night sky
Que você é meu céu noturno
I've always been right behind you
Eu sempre estive logo atrás você
Now I'll always be right beside you
Agora eu sempre estarei ao seu lado.”
Armand já começava a sonhar com o futuro. Um futuro onde ser feliz era uma emoção constantemente sentida. Um futuro ao lado de Julliet, a mulher que ele mais amou no mundo.
Não fora fácil terminar com Oliver. O rapaz realmente era louco por Armand, e chegou até mesmo a dizer que assumiria para o mundo todo o relacionamento deles e sua verdadeira opção de sexualidade, mas era tarde...Armand o deixara para ficar com Julliet. “Eu sabia que tinha motivos para ter ciúmes dela...” pensou Oliver, quando o loiro partira.
Para Julliet, aquilo era o começo de uma nova vida. Mal conseguia acreditar no que estava acontecendo. Mas bastava olhar nos olhos de Armand que ela constatava que era tudo real, que aquilo tudo estava realmente acontecendo...De que havia chegado a sua hora de ser feliz por completo...Houve momentos em que ela achou que jamais ficaria com Armand...mas o destino o colocou de novo em seu caminho...
- Como sempre...salvando corações, Armand...
”So many nights I've cried myself to sleep
Tantas noites eu chorei para dormir
Now that you love me I love myself
Agora que você me ama, eu me amo
I never thought I would say that
Eu nunca pensei que eu diria isso
I never thought there'd be you
Eu nunca pensei que haveria você”
Capa do Capítulo: http://i67.photobucket.com/albums/h295/HaneHawking/1.jpg
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