"Damage Case"
Hermione largou a bolsa na cama. Respirando fundo caminhou até a janela e abriu as vidraças deixando o ar de fora entrar no quarto. A tentativa não surtiu muito efeito. – pensou Hermione logo em seguida. O tempo estava quente e estagnado. Afrouxando a gravata e puxando-a do pescoço, a garota sentou na cama apoiando a cabeça entre as mãos.
Ela havia tido um dia de cão... Precedido por dois dias piores ainda... A verdade era que aquele começo de ano em Hogwarts em geral não tinha sido lá muito agradável. A atmosfera de medo e insegurança já havia transposto os portões do castelo a muito atrás, e como se os horrores daquela guerra não fossem suficientes para os alunos e funcionários, Hogwarts agora abrigava feridos e necessitados. Os quais infelizmente, não paravam de chegar a pequenos grupos. Hermione, claro, junto com uma gama de alunos decidira prontamente se oferecer para auxiliar as pessoas que chegavam ficando em pouco tempo responsável pela maior parte da enfermaria improvisada nas estufas: a ala das crianças.
Mesmo sabendo que as tarefas de monitora-chefe, acumuladas pela ausência suspeita de Malfoy somadas às novas eram demais para ela. Hermione não abria mão de qualquer coisa que fosse útil para ocupar o seu tempo o quanto podia. Motivo pelo qual ela havia acabado de ser abordada pelo amigo na entrada da comunal. Quase como se o amigo estivesse receoso de que a menina fosse lhe escapar pelos dedos mais uma vez.
“Eu estou preocupado com você” – ele dissera. Hermione tentara desconversar casualmente, como fizera várias outras vezes nos últimos meses, dizendo a todos e a si própria de que estava bem. O que não era verdade.
Ele comentou algo sobre Hagrid. Hermione não prestara muita atenção, deduzindo que o amigo deles provavelmente sentira a falta dela na visita de Rony aquela tarde. Mas óbvio que Hermione não iria. Não que não sentisse falta de Hagrid, mas ir até a casa dele, ainda mais agora... Era se sujeitar a uma tarde inteira falando de Harry. E aquilo era justamente o que ela não queria.
Bichento se levantou e encarou a dona. Os olhinhos amarelos do animal encaravam Hermione enquanto o animal se roçava no pé da cama. Parando por um momento para observar o gato, estendendo a mão para acariciá-lo. Com um assobio alto, seguido de um miado forte e agudo, Bichento estendeu a pata e abriu um veio de sangue no antebraço da garota. Num salto Hermione se afastou piscando surpresa para o gato. Sentindo o braço arder, ela observou o corte com uma onda violenta de ódio repentino pelo animal. Por que diabo fizera aquilo?? Quase que inconscientemente sua mão correu pela varinha, parando no momento seguinte. Tomando noção do que estava prestes a fazer ela parou. Largando a varinha na cama, respirou fundo. O que estava acontecendo...?
Talvez Lupin... Não. Ela estava bem. Melhor não poderia estar, dadas às circunstâncias, claro. Só a insinuação de que... Não...
Talvez ela estivesse tendo sim alguns problemas com seus poderes... Ela supunha que aquilo fosse normal, afinal, tanta coisa acontecera... Insinuar, como ele havia feito que o “episódio” com Sirius estava relacionado com aquela ligeira falta de controle era insano. Tudo estava sob absoluto controle...
- Eu estou bem... – murmurou consigo mesma soando mais insegura do que gostaria.
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Com um enorme estrondo, Harry escorregou pela lareira se chocando contra uma mesa de ferro e derrubando um grande objeto redondo em sua cabeça. Uma densa fumaça cinza-escuro encobria a sua vista. Tossindo levemente, Harry olhou à sua volta. Aos poucos o ambiente familiar começava a tomar forma... Um pio suave chegou aos seus ouvidos. Fawkes. Ele estava em Hogwarts novamente...
A poeira deu espaço para a feição séria de um senhor que encarava Harry por trás de seus óculos de meia-lua.
Levantando-se da cadeira, Dumbledore percorreu a sala e ajudou Harry a se levantar, puxando-lhe pelo braço.
- Você está bem? – perguntou o homem a sua frente.
- Estou. – respondeu Harry, supondo que o diretor se referia a ele no aspecto físico. Dumbledore olhou para ele com atenção. Harry parou por um momento em silêncio.
- Todos têm estado muito preocupados com você sabe... – comentou o diretor calmamente com expressão indecifrável. Quem o ouvisse achava que Harry saíra para comprar pão, pensou ele um momento antes de responder.
- Eu estou bem. –repetiu ele desviando o olhar. Imaginando se Rony e Hermione sabiam que ele estava de volta, Harry olhou a sua volta. Então... Não havia ninguém. O diretor voltou para sua escrivaninha e sentou-se na cadeira observando o garoto.
- Eu suponho que você entenda que seus amigos ainda não sabem que você está aqui... – disse Dumbledore como se lesse os pensamentos de Harry.
- Eu...
- Quanto a Black e Lupin, eu já andei uma mensagem para os dois... Eles estão a caminho... – disse num tom apressado. – Mas antes disso... Harry, o que ela disse?
- O que? – questionou Harry meio perturbado com o tom incisivo do velho. - Eu...
- O oráculo. O que ela previu? – insistiu o homem, parecendo fazer esforço para não parecer tão preocupado. – Harry nunca sentira tanta insegurança na voz do professor antes, pelo contrário, ele sempre pareceu o mais calmo que alguém poderia ser... Franzindo o cenho Harry respondeu:
- Nada que eu já não soubesse. – retrucou com ligeiro sarcasmo na voz.
- O que? – começando a se irritar, Harry respondeu a contragosto:
- Ela disse que eu tenho o “Dom da morte”. O que quer que isso seja... – acrescentou ele, se perguntando o porquê de ter sido mandado para lá afinal. Vendo a falta de entendimento do garoto, Dumbledore desanuviou a expressão preocupada rapidamente:
- Bem... Eu suponho que seja confuso para você mesmo... – respondeu ele desviando os olhos. A porta escancarou-se num estrondo dando espaço para a entrada de Sirius e Lupin. Ambos localizando Harry e correndo em direção a ele.
Não sendo capaz de definir o significado da expressão estampada no rosto dos dois, e receoso de que fosse desagrado. Harry recuou dois passos, encostando levemente na escrivaninha do diretor.
- Harry! – exclamou Sirius puxando o afilhado para um abraço agoniado. Por um momento Harry relaxou. – Você ficou maluco? O que você estava pensando? – brigou ele no segundo seguinte, segurando o garoto pelos ombros que nada disse.
Os olhos de Harry foram de Sirius para Lupin, que por alguma razão, se mantinha calado e imóvel. Não que ele esperasse uma festa, mas nem ao menos irritação ele demonstrou... Apenas - pensou Harry momentos depois - desconcerto...
- Eu estou bem Sirius... – comentou Harry, ao observar o padrinho o analisando.
- Você está magro... – comentou. - Onde você esteve..? – acrescentou o homem logo em seguida, agora mais sério.
- Eu... – Harry não demorou muito para narrar o acontecido. Apesar de longa, a viagem, ou fuga, não fora das mais movimentadas. E exceto pelo ligeiro incidente no porto, Harry não tivera muitos problemas. Harry supunha que por isso ele deveria estar agradecido.
Como não havia de fato mais nada a se dizer, Harry acabou por voltar ao único acontecimento relativamente importante: O oráculo.
- Isso foi tudo que ela disse?- questionou Lupin que falava pela primeira vez.
- Foi. – respondeu Harry num tom ainda mais distante. Foi impressão dele, ou..?
Seu olhar passou de Sirius para Lupin, e de Lupin para Dumbledore, e Sirius novamente. O que era aquilo? Ele tinha acabado de fugir, e ao voltar o que encontrava? Mais mentiras... Talvez ele não devesse ter vindo no final das contas... Seria mais simples se ele não tivesse que passar por aquilo, não esquecendo o fato de que a recepção de Rony muito provavelmente seria tão calorosa quanto a de Lupin ou Dumbledore... A de Hermione muito menos... E com razão, acrescentou ele mentalmente com azedume.
Começando a se irritar, Harry estava prestes a exigir saber o que estava acontecendo, quando Dumbledore o interrompeu:
- Bom... Harry está tarde, e eu entendo que você ainda tem muito que conversar com os seus amigos, não? Lupin?
- Isso... – concordou o homem encarando o amigo, esperando por uma resposta. Um momento de silencio se fez até que Sirius respondesse. Obviamente a contragosto:
- Certo... E levo-o. – acrescentou.
- Sem ter muito que argumentar, Harry se deixou levar escadas abaixo.
Guiado pela mão do padrinho no seu ombro, Harry olhou a sua volta, estava mesmo de volta... Certamente que ele não esperava voltar, seria complicado demais, perigoso demais... Ainda mais fugir do jeito que fugira, tornava as coisas ainda mais dolorosas... Como que lendo os pensamentos do afilhado, Sirius comentou:
- Se você está se perguntando como eles vão reagir... Eles estão magoados, com certeza... Todos nós estamos.
- Eu... - começou ele respirando fundo. – Animador... – comentou desanimado.
- Olhe. Eles são seus amigos. É isso que importa, e mesmo as coisas estando um tanto complicadas agora, no final vão ficar bem... Mesmo não parecendo agora. Agora... – continuou o padrinho. – Eu não sei o que você estava pensand...
- Sirius...
- Quando você foi embora daquele jeito... Alguma coisa séria poderia ter acontecido tipo...
- Sirius. – repetiu Harry, o padrinho finalmente pareceu ouvir. – Ele... Dumbledore, ele te contou da... Da profecia...? – por um momento, o padrinho pareceu considerar o que responder:
- Contou. – disse ele seriamente. Compreendendo o que passava pela cabeça do afilhado ele continuou. – Harry, você não devia sentir vergonha por se sentir assustado... É normal...
- Eu não estou! – rebateu Harry encarando o padrinho por um momento. – Eu não tenho medo de morrer se é isso que você quer dizer.
- Ah, sim... – compreendeu o padrinho. – Então, na verdade isso não é sobre você... – Harry pôs as mãos nos bolsos se mantendo calado. – Harry, eu não sei se você acompanhou os jornais durante esses dias... Stanislaw morreu na semana passada... – disse ele simplesmente.
- O que??!
- Eu suponho que nesse tempo você estava...? Não muito perto, certo? – continuou ele. E estava certo, apesar do choque da notícia, Harry sabia que semana passada estava fora do país... – Nem tudo que acontece de ruim é culpa sua Harry. Eu entendo que você está sob pressão... Mas... Só se lembre de que você não está sozinho... E que o que quer que você tenha para resolver com eles, isso não vai mudar...
- Certo... – respondeu Harry com um aceno em desânimo. Ambos pararam. Haviam chegado ao retrato da mulher gorda, que dormia profundamente. E só agora Harry se tocara, não tinha a senha.
- O que foi? – questionou Sirius.
- A senha. Eu não tenho a senha... – comentou soando ainda mais miserável.
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- Eu estou dizendo... Agente podia mandar outra pessoa fazer essas rondas... Claro que ninguém ia me ouvir, mas você poderia... – disse Rony contrariado enquanto esperava a porta do retrato se abrir. – Harry ouviu uma voz masculina familiar soar do outro lado da passagem, seguida por outra mais fina que fez seu estômago revirar, reconhecendo-a na hora:
- Pare de reclamar Rony... – retrucou Hermione levemente irritada. – “Torta de Amora”. – Harry olhou para o padrinho meio que em desespero. Certo que eventualmente ele iria ter que confrontar os amigos e dar alguma explicação convincente sobre o porquê dele ter ido embora... Mas não esperava que isso fosse ocorrer tão repentinamente. Pressentindo o desespero do afilhado, Sirius tateou:
– Olhe. Você vai...
- Sirius? O que você est... – Rony se interrompeu assim que avistou Harry ao lado do padrinho. A pior parte era de não ter absoluta certeza do que se passava na cabeça do amigo naquela hora. Provavelmente, (pelo menos essa foi a primeira reação que Harry captou), ele pensasse que Harry não estava realmente ali, ou...
- Sirius? Sirius está aí? – questionou Hermione ainda de dentro da passagem. – O que ele está fazendo aí? – perguntou novamente antes de aparecer ao lado do amigo.
Harry pode ver claramente os olhos da amiga saírem de Sirius e recaírem sobre a segunda presença ali. Ele. E ali eles ficaram... Se Rony se mostrara perturbado com a presença de Harry, Hermione estava completamente atônita.
Harry sentiu seu estômago afundar ao encarar a amiga. Ela nunca olhara daquela forma para ele... E pro que quer que Harry estivesse preparado, aquilo com certeza era pior... Bem pior... – pensou Harry com uma sensação desagradável de culpa e arrependimento. Sentindo uma urgência repentina de se aproximar da garota e puxa-la para si, explicar pra ela o porquê dele ter ido embora, e mais importante, o motivo pelo qual ele havia voltado... Mas o passo de aproximação dele teve como resposta a recua instantânea da amiga. Dando recuando mais dois passos, Hermione deu meia volta e seguiu pelo corredor sem uma palavra sequer...
Com a agonia aumentando dentro dele Harry fez menção de seguir a garota, mas o amigo se interpôs impedindo-o de seguir, prestes a protestar, Harry encarou Rony, que se manteve sério.
- Harry, não... Deixa... Ela precisa de tempo... – disse ele simplesmente. Um momento de silencio recaiu sobre os três. Com um pigarro, Sirus se pronunciou com audível desconforto:
Hum... Bom, er... Eu já vou então... – disse se afastando, rapidamente. – Harry, você... Mande notícias... – acrescentou antes de dar meia volta e seguir pelo lado oposto ao que Hermione acabara de ir, deixando Harry e Rony sozinhos...
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Rony tamborilou os dedos na mesa mais uma vez. O silêncio pairava sobre os dois havia mais de meia hora... O que ele deveria dizer? “Oi como foi de férias?” Não era como se o amigo tivesse passado um fim de semana na praia... –pensou ele indignado. Não que ele não estava feliz em saber que Harry estava bem. Afinal apesar dos pesares eles ainda eram amigos... Certo? Mas ainda sim...
- Onde você esteve? – questionou ele, falando a primeira coisa que lhe veio à mente, a guisa de conversa.
- Eu... – Harry não soube como responder. Onde ele esteve? Que raio de pergunta era aquela...? – Isso é mesmo importante?
- Eu acho que não... – respondeu Rony sem jeito. Com a sensação de que as coisas só ficariam piores se eles não se resolvessem de uma vez, Harry continuou:
- Rony, eu... Eu sinto muito...
- Tudo bem. – respondeu ele rapidamente, sem muita intenção. Não compreendia o fato de o amigo ter ido embora daquela forma, e certamente não aceitava a recusa de as ajuda por parte dele...
- Eu não devia ter mentido. – disse Harry se ajeitando no sofá. Rony piscou por um momento até compreender do que o amigo falava.
- Ah, sim. – disse Rony acrescentando logo em seguida. – Não devia não.
- Eu sei... – disse Harry lentamente, buscando o máximo de paciência para rebater a frieza do amigo. – E eu sinto muito pelo que eu fiz, eu...
- Não sente nada. – retrucou simplesmente, apesar de aparentar relativa e estranha calma. – Você está mentindo de novo... – Harry se manteve calado por um momento analisando a situação.
- Você está certo. – assumiu Harry simplesmente. E ele realmente estava. Pensou Harry com a lembrança do beijo que compartilhara com a amiga antes de fugir... – Eu não sinto. Então...?
- Bem... Nós poderíamos brigar... – disse Rony com ar de quem também analisava a situação. – Mas eu acho, apesar de tentador, que isso não vai adiantar muito não... Então agente espera.
- Espera...?
- Isso.
- Pelo quê?
- Pra que ela escolha. – ele ouviu direito? Harry observou o amigo mais uma vez. Surpreendentemente ele parecia estar fazendo o possível para evitar qualquer tipo de confronto com Harry. Apesar de ele ser capaz de perceber o quanto isso estava sendo trabalhoso para o amigo...
- O que está acontecendo? – perguntou Harry desconfiado.
- Isso não é o que ela precisa agora... Só... – Rony pensou um momento antes de responder à pergunta do amigo. – È melhor você conversar com ela sobre isso...
- Sobre o que? – insistiu Harry, ficando cada vez mais preocupado. Era sobre isso que o Oráculo falava? Rony não respondeu. Harry também não insistiu. E após da suposta bandeira branca que os dois haviam acabado de hastear, a sensação que ele tinha era de que viria a ora em que ele realmente a faria valer...
Rony se levantou para seguir em direção ao dormitório, parando por um momento sem encarar o amigo.
- Eu teria ido com você... – disse ele sem levantar os olhos.
- Eu sei disso.
- Certo... Eu sei que você sabe...
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Hermione continuou caminhando, sem completa noção de para onde estava indo exatamente... Ela apenas continuou. Tateando pelo corredor escuro ela esbarrou no que pareceu ser uma armadura à sua frente. Parando instantaneamente, Hermione sentiu suas mãos gelarem. Sua cabeça estava a mil... Aquele era Harry? O quê...? Como?
Respirando profundamente, tentou por os pensamentos em ordem, apesar de parecer uma tarefa impossível... Ela não conseguia... Tudo que via... Harry, e o calor que ela sentira quando ele a olhou daquela forma... Como se ele estivesse prestes a puxá-la para os seus braços mais uma vez, ali mesmo... Um calafrio percorreu seu estômago só de lembrar daquele beijo... O primeiro beijo deles, ou, último... – corrigiu-se mentalmente.
Um gosto salgado tomou conta de sua boca. Tocando o rosto levemente, Hermione sentiu uma lágrima quente descer-lhe pela face.
Ele estava de volta... Partira, e agora estava de volta... Havia uma parte dela que realmente acreditava que ele não voltaria mais, e esta tomara conta dela por um momento de felicidade, por mais breve que fosse. Pois agora a adrenalina que ela sentia começava a ser substituída por uma mágoa tão grande que ela própria sentia que não podia agüentar...
Isso, ele havia voltado... Quando na realidade nem deveria ter partido...
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