Dor e Solidão - V
[V]
Sem saber o que fazer ao certo, Ron abriu a porta de seu quarto e encarou as escadas. Parecia um outro meio o que o esperava lá embaixo, era um silêncio imutável, cortante e frio. Devagar, foi descendo as escadas, temendo fazer muito barulho.
Dirigiu-se à cozinha, queria falar com sua mãe, queria explicar-se, queria pedir desculpas, queria tanta coisa que sua mente estava confusa. Mas, ao invés de encarar sua mãe, seus olhos se encontraram com os da pessoa que ele menos queria ver no momento: Hermione.
Parecendo ler seus pensamentos, ela falou, olhando-o nos olhos:
- Ela está no quarto. Veio dizer que ia se recolher, pois não estava se sentindo muito bem, Ginny foi levar um chá para ela. E eu só não fui embora porque ela me pediu para esperar, para que nos despedíssemos direito. O que eu vejo que foi um erro agora... – e desviou seu olhar daquele rosto que parecia triste e decepcionado consigo mesmo.
- Mione, eu...
- E eu não quero saber.
Ele a olhou. Não estava com cabeça para aquela conversa, ele sabia. Mas também sabia que, se ela não acontecesse agora, as coisas poderiam não voltar a ficar bem – por mais que isso, no momento, já fosse difícil.
Ele foi caminhando para perto dela, lentamente. Ela ainda não voltara seu olhar para ele, olhava para qualquer coisa, mas recusava-se a olhá-lo. Tinha medo de vacilar, medo de aceitar as desculpas só ao ver sua expressão, medo de consentir a um beijo, medo de ser amada naquele momento, pois ela amava. Mesmo que não quisesse.
Ele chegou próximo dela, por trás. Hermione pôde sentir o calor do corpo dele próximo ao seu, seu cheiro. Sentiu-se inebriada por tudo isso, mas, no momento seguinte, também pôde sentir o seu hálito: whisky de fogo.
- Se você tocar um dedo em mim, Weasley, eu juro que te azaro! – mas não se moveu. Não queria ir para longe dele. E também estava curiosa para saber o quão disposto ele estava a se arriscar por essa relação.
Suavemente, ele começou a deslizar sua mão sobre o braço dela. Ela fechou os olhos, apenas sentindo o toque dele, mas a situação rapidamente tomou conta de sua mente de novo quando ela viu a mão esquerda dele sem a aliança.
Afastou-se, rapidamente e, ágil como sempre fora, sacou sua varinha e apontou para ele. Sua mão tremendo, seus olhos querendo derramar lágrimas e lágrimas, sua garganta seca, incapaz de pronunciar qualquer palavra.
- Eu sei que eu errei muito, sei que já disse isso muitas vezes também. Mas Mione, eu AMO você... Você sabe disso, sabe que eu sempre fui louco por você, sabe que eu morro de ciúmes de qualquer um que se aproxime demais de você, sabe que eu...
- Cala a boca! – ela disse, sua voz falhando. Mas não era por estar chorosa, era raiva. – Como você tem coragem de falar isso pra mim? Como? Depois de trazer uma outra mulher para a casa da sua própria mãe? Depois de ficar de mãos dadas com ela? Depois... Seu cafajeste! Depois de tirar sua aliança! – ela não pensou no que fez depois. Apontou a varinha para a pilha de pratos na estante e depois para Ron. Os pratos passavam velozes por ela, acertando-o nos braços, nas pernas, no tórax. Ele, com os braços protegendo a cabeça, pedia para que ela parasse. – Parar?? E se eu pedir para você deixar de ser um idiota?? Deixar de estragar a sua vida?? A minha?!?!
Os pratos que ainda estavam no ar caíram no chão. Hermione olhou para Ron que se encontrava com cortes causados pelos pratos e quase se arrependeu. Ele não a olhava, encarava os pratos quebrados no chão. Sacou sua varinha e passou a se concentrar nos pratos, tornando-os úteis de novo.
Depois de cinco minutos de silêncio absoluto, Ron resolveu tentar novamente. Encarou Hermione que desviou o olhar dele rapidamente.
- Eu estrago mesmo sua vida? – ele perguntou com a voz fraca, de quem realmente se arrepende.
Ela olhou para ele novamente, como quem não acreditava no que acabara de ouvir. Ele não estragava sua vida... Ele a tornava melhor, muito melhor. Mas isso fora até certa época. Tudo desmoronou depois.
- Sua pergunta não merece uma resposta. – ela disse tentando parecer fria.
- Mione, por favor... – ele disse dando dois passos em sua direção, mais ainda cauteloso. – Eu... Eu não suportaria saber que estrago sua vida. Eu quero seu bem, acima de tudo...
- Não quer, não. – ela disse, cortando-o.
- Quero sim! Olha, eu ‘to cansado disso, sabia? Cansado de ficar me desculpando sempre, ficar atrás de você! Ficar em suas mãos, depender das suas decisões... Você sabe que eu te amo, mesmo com todo esse seu jeito egoísta de “Eu sofri”, “Eu fui traída”, por Merlin, Mione... Não chega, não?
Ela cerrou os punhos. Fechou os olhos e tentou contar até 10, mas as palavras dele não saíam de sua cabeça.
- Que bom! – ela disse simplesmente, encarando-o com frieza.
- Hum? “Que bom!”? – ele perguntou sem entender. Por que ela tinha de ser tão confusa?
- Sim! Que bom! Os dois não agüentam mais isso, os dois estão cansados de toda essa situação. É o fim. Acabou.
- Não, não acabou, não! – seu tom de voz deixava transparecer raiva.
- Claro que acabou! Ou você acha que eu vou me submeter a um casamento de fachada enquanto você tira sua aliança para sair com qualquer uma que encontre?
- Eu não saio com qualquer uma que encontre... – ele começou tentando explicar-se, mas ela interveio.
- Melhor ainda então! Vá morar com ela! Case com ela! Assim você não vai precisar ficar escondendo sua aliança!
Ele não disse nada, ficou encarando-a, sem acreditar no que estava ouvindo.
- O que foi? Finalmente você entendeu? – ela disse com frieza quando percebeu o modo que ele a olhava.
- Não.
- Que foi, então?
- Eu não a amo. Você sabe disso.
- Não sei de nada. Não sei nem se te conheço mais... E, sinceramente, seria melhor que você a amasse.
- Pára de falar assim, Mione. Eu... Por que você ‘tá falando isso?
- Seria melhor para você aceitar... Sabe, não ficar com peso na consciência de que nosso casamento tenha acabado de vez por causa de um casinho qualquer com uma mulherzinha qualquer.
Silêncio.
- É, acho que você entendeu agora... – ela disse olhando para sua mão esquerda.
Ron também olhava para a mão de Hermione, lembrando do exato momento em que colocara a aliança em seu dedo. Lembrando do sorriso dela, de como o corpo dele parecia completamente inebriado pelo brilho dos olhos dela, do amor dos dois. Era isso? O fim? Realmente acabara?
- Eu realmente achava que você dava mais importância a nossa aliança, sabe? Achava que ela significava mais que um simples acessório. Mas acho que me enganei... – ela fechou os olhos com força, como seu quisesse controlar o choro, o que não adiantou muito. Grossas lágrimas desceram pelo seu rosto enquanto ela mexia em sua aliança. – E eu juro... Nunca pensei que fosse me enganar pela coisa que achava mais certa em minha vida: nós dois.
Ron abaixou a cabeça. Vê-la daquele jeito doía mais do que qualquer coisa. Sabia o quão errado ele estava, mas queria que ela gritasse com ele, continuasse jogando pratos... Não frágil como se encontrava agora. Quando ela ficava assim ele se sentia a pior pessoa do mundo, incapaz de fazê-la sentir-se segura, protegida. Ele queria abraçá-la, beijá-la, dizer a ela que ele a protegeria de tudo e todos... Mas o que podia fazer se a única pessoa que causara todo esse sofrimento era ele mesmo?
- Toma.
Quando ele levantou sua cabeça, encarando-a, viu que ela o olhava com os olhos vermelhos e com a mão direita estendida. Em sua palma estava a aliança de ouro branco, gravada com escrita em Runas – que ele fizera questão de aprender para que só ela entendesse o que representavam aqueles símbolos na aliança.
- Eu... Mione... Não...
- Acabou, Ronald. – ela disse parecendo se esforçar para isso.
- Não, Mione... Não fala assim.
- O que você quer que eu fale? Seja racional, Ronald! Você conseguiria ficar no meu lugar? Por quanto tempo? Quantas horas? Eu não agüento mais isso! Não agüento mais essa vida! Não quero mais me iludir achando que você, um dia, voltará a ser o que era!
- Mion... – ele tentou falar.
- E não me interrompa! – ela disse olhando-o com raiva. – Eu só... Só... – e, mais uma vez, suas feições mudaram. – Só queria ser feliz com você... – e começou a chorar novamente.
Dessa vez Ron não hesitou. Puxou Hermione para seus braços, aconchegando-a em seu peito. Ele pôde perceber que ela estava um pouco desconfortável... Não parecia que um se encaixava nos braços do outro como costumava ser. Aquela situação toda era estranha. Eles se tornaram estranhos.
Mas era incrível o que cada um deles podia sentir ao estar tão próximo do outro.
Ocultos, com os rostos virados, eles sorriram. Aproveitando, talvez, o último momento que teriam juntos.
Da porta, Ginny sorria ao ver o irmão e sua amiga.
- Tapados... – e, acariciando sua barriga, subiu novamente as escadas que acabara de descer.
Sometimes I listen outside the door
(Às vezes eu ouvia de fora da porta)
And I'd hear how my mother cried for him
(E escutava como minha mãe chorava por ele)
I pray for her even more than me
(Eu rezava para ela ainda mais do que por mim)
I pray for her even more than me
(Eu rezava para ela ainda mais do que por mim)
***
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