Chocolate quente



Disclaimer: Não, o Sirius (infelizmente) não pertence a mim. Ele é da Marlene e da tia JK (por isso, Nika, pode parar de gritar, ele não vai ouvir...). O mesmo vale para os outros personagens.

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Miosótis

"Há uma pequenina flor azul que é conhecida, em muitos idiomas, pela mesma expressão: não-me-esqueças."

Capítulo 1. Chocolate quente

Amie come sit on my wall
And read me the story of O
And tell it like you still believe
That the end of the century
Brings a change for you and me
- Amie, Damien Rice

- Quando nos casarmos, você vai ter que fazer chocolate quente para mim todos os dias – falou o garoto recebendo a xícara que a garota lhe passava. Estava frio e ela usava uma capa sobre as vestes.

Os dois estavam escondidos numa falha sob a cerca viva. Os espinhos da planta roçavam em suas cabeças. Já não eram mais tão pequenos a ponto de conseguirem ficar ali numa posição confortável – ambos recurvavam as costas e mexiam minimamente as cabeças enquanto sorviam goles do chocolate quente. Entre os dois estava uma garrafa aberta.

- Não fui eu que fiz, Black – resmungou a menina. Ela terminou o chocolate quente e pousou a xícara na terra úmida e escura. Depois afastou os cabelos, revelando os traços finos de seu rosto pálido. Mesmo sendo ainda uma criança, já tinha no formato das maçãs e do nariz uma complexa feminilidade felina. Os cabelos castanhos estavam respingados de dourado, reflexos de pequenos fachos de luz que transpunham a folhagem. Os olhos eram de um azul vivo.

- Já disse para me chamar de Sirius – retrucou o outro. - Vai ter que aprender a fazer, senhorita Marlene McKinnon – respondeu, com simplicidade. Sirius Black era um menino vivo, possuidor de uma beleza agressiva. Os cabelos negros há muito tinham perdido o corte, conferindo-lhe um ar desleixado. O nariz era proporcional e os olhos eram negros, com pequenos pontos prateados que brilhavam como tochas num túnel escuro.

A menina soltou um muxoxo de impaciência e fez um gesto em direção ao garoto, que ria para si próprio. O movimento brusco fez com que sua bochecha roçasse num espinho. Ela cobriu o arranhão com a mão, fazendo uma careta de dor. Quando abriu os olhos, percebeu que Sirius continuavaa rir, desta vez, mais abertamente.

- Isso não é coisa para se achar engraçado – ralhou.

- É sim! – ele agora estava gargalhando.

Marlene avançou na direção dele, dessa vez tomando cuidado com os espinhos, e arrancou a xícara de sua mão. Depois atirou o restante do chocolate no rosto de Sirius, que parou imediatamente de rir, atônito com o gesto inesperado.

- Agora sim, estou achando engraçado também – disse Marlene, agora imitando o garoto e rindo satisfeita.

Sirius agarrou a garrafa que ainda estava no chão. Marlene recuou o quanto pôde no espaço diminuto, escapando do ataque de Sirius.

- Black, você não teria coragem – falou ela, desafiadora.

- É Sirius – corrigiu o garoto, antes de uma nova investida.

Marlene tentou escapar pelo espaço à direita de Sirius, mas a saia do vestido se enroscou nos espinhos, atrasando-a por tempo o suficiente para o garoto conseguir prendê-la no chão, debruçando sobre ela. As mãos de Marlene seguravam seus pulsos, tentando manter longe a garrafa.

- E agora, você acha que eu tenho coragem? – perguntou Sirius, divertido.

- Não. Os Black são todos covardes – desafiou a garota.

- Eu sou um Black corajoso – riu ele. – Tenho tanta coragem que vou fazer minha mãe ter um ataque do coração quando for selecionado para Gryffindor.

- Como? Você não tem coragem nem de ir para casa, Black. Fica aqui escondido, esperando que eu lhe traga chocolate – retrucou Marlene.

- Eu não peço para você me trazer chocolate porque não tenho coragem de ir para casa, McKinnon – discordou Sirius. – E é Sirius. Não se esqueça mais disso.

Sirius fez um movimento rápido, desprendendo os pulsos das mãos de Marlene e despejando o conteúdo da garrafa sobre o rosto da menina. Ela fechou os olhos e, como se o gesto a fizesse reunir forças, empurrou Sirius para longe. O garoto caiu sentado no chão, rindo, enquanto Marlene praguejava.

- Por que continua dizendo que quer se casar comigo? Isso não é coisa que se faça com a garota com quem se quer casar – reclamou ela.

- Para poder beber o seu chocolate quente – respondeu Sirius, com ar debochado.

Marlene abriu a boca para continuar a discussão, mas Sirius não conseguiu ouvir o que ela dizia, um alto som de trovão ecoou no esconderijo, sendo sucedido pelo som dos pingos de chuva se derramando na terra e nas folhas, gotejando no esconderijo que dividiam.

- Idiota, você acabou com o chocolate – Marlene atirou a garrafa vazia para longe. Seus olhos azuis estavam perdidos numa falha da cerca que deixava à vista o quintal da mansão Black. Um salgueiro se debatia com o vento.

- Você nem me deixou terminar minha xícara – acusou Sirius. O rosto claro de Marlene ainda estava manchado de chocolate.

- Pode lamber o que caiu no chão se quiser – ela esticou a língua para o menino.

- Tenho uma idéia melhor – Sirius sorriu e engatinhou até a garota. Então, envolveu seu queixo com as mãos, virando o rosto da garota para ele. Seus narizes se tocaram e ele inclinou o rosto, indo pousar os lábios na ponta do nariz de Marlene.

- Ei, eu não disse que podia vir pegar seu chocolate no meu nariz – a menina o empurrou. Tinha as bochechas vermelhas. Ela mirou os olhos de Sirius.

Ele não sorria mais. Tinha uma expressão decidida e não respondeu nada à reclamação de Marlene. Seus olhos se encontraram, a distância entre eles era quase nada. Um par de pedras azuis, muito claras, feitas de vidro, gelo, cristal. Como cristal azulado dos bibelôs que sua mãe trancava num armário. Ou como aquelas minúsculas flores azuis que Narcisa tinha no quarto. Pequenas pétalas de miosótis cobertas de chuva haviam se concentrado naqueles olhos, rodeando a pupila, sob os longos cílios de boneca. A flor azul, o vento azul, a música azul, o sangue azul, o triste azul, o céu azul. E ele era tão escuro, sombrio, parecia prestes a ferir aquelas lagoas de límpida água azul.

Sirius inclinou novamente o rosto e, dessa vez, seus lábios se uniram aos lábios dela, num beijo lento e delicado. Tão macia, tão quente a sensação. Ele poderia estar deitando nas pétalas azuis.

Ele se afastou muito devagar. Suas mãos ainda envolviam o rosto de Marlene. Os braços dela ainda estavam pousados no peito do menino, do mesmo jeito que tinham estado quando ela tentara afastá-lo. Agora estavam quietos, como todo o resto do corpo dela, estático, seus olhos fechados como se quisesse reter aquela sensação para sempre.

- Eu disse que ia me casar com você – falou o menino.

Lá fora, a chuva ainda caía.

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- Vocês se amavam? – Sirius ouviu a voz aguda da mulher ao seu lado. Ela estava sentada na beirada da cama, calçando as botas de couro de dragão. Tinha longos cabelos loiros e uma franja lhe caía sobre a testa. Seus lábios eram cheios e os olhos castanhos pareciam excessivamente grandes por causa da maquiagem exagerada que usava.

Esparsos fachos de luz avermelhada entravam por entre as lâminas da persiana de madeira. O apartamento de Sirius ficava num prédio velho, numa área de Londres que já abrigara a classe média, mas agora era um reduto de pessoas humildes, pontilhado de cortiços. Entres os edifícios de arquitetura vitoriana, se estendiam varais que eram puxados por roldanas, tomados por todo tipo de peça de roupa, que se balançavam como estranhas bandeirolas sobre os becos escuros.

Ele bufou para a mulher, sem querer responder. Elvira Prewett era um tanto quanto curiosa demais, e esse era um dos motivos pelos quais Sirius não queria ter mais nada com ela. Ficou olhando para as dobras do lençol de linho branco, as pequenas reentrâncias do tecido fazendo sombras disformes. Elvira ergueu o corpo da cama e pegou a fotografia que havia sobre a mesa de cabeceira.

- Um romance de crianças? - ela sorriu.

Sirius se levantou, deixando o lençol escorregar por seu corpo e arrancou com violência a foto das mãos da garota. Ela o mirou desapontada enquanto Sirius abria uma gaveta da cômoda e deixava que o papel caísse lá dentro.

- Já disse que não gosto de você bisbilhotando as minhas coisas – resmungou, se abaixando para apanhar as calças do chão.

- Não estou bisbilhotando! – exclamou Elvira, ofendida.

Sirius suspirou. Devia ser uma fraqueza dele. Não conseguir dizer o que realmente queria. “Elvira, vá embora”, ele teria dito. Mas não se sentia bem naquele dia. Não quando era outono e o céu parecia tão exageradamente azul. Quando havia uma guerra e o mundo todo estava manchado de negro.

Elvira baixou os olhos e sorriu, seus finos dedos se torcendo junto à cintura.

- É uma namorada antiga, não é? – perguntou ela, seus lábios vermelhos formando um sorriso matreiro. Ela queria provocá-lo.

Sirius terminou de vestir a calça e, sem pressa, voltou a se sentar na cama, pegando um isqueiro prateado que havia sobre a mesa de cabeceira. Tirou um maço de cigarros do bolso da calça, pegou um ao acaso e o levou aos lábios. Então acendeu o isqueiro e ficou por alguns instantes olhando para a chama avermelhada antes de finalmente encostá-la na ponta do cigarro. Um fio de fumaça cinzenta se ergueu em direção ao teto do quarto.

- Então...? – insistiu a garota.

- Ela me amou – murmurou Sirius, com o cigarro se mexendo entre seus lábios enquanto falava. – Foi a única pessoa que... Enfim, não tem importância – ele sacudiu a cabeça e ofereceu o maço à Elvira.

Ela o mirou com curiosidade antes de pegar o maço e tirar um cigarro. Então, inclinou-se para que Sirius o acendesse. Tragou uma vez e expirou a fumaça vagarosamente pelo nariz antes de continuar:

- Eu gosto de você, Sirius – murmurou. Estava de pé no meio do quarto, usando grandes botas e um curto vestido preto.

- Sei que gosta – ele fez um gesto banal com a mão que segurava o cigarro. – Mas ela me amou. Percebe a diferença?

Elvira fez uma careta. Então, empurrou Sirius para o meio da cama para se sentar na beirada. Arrastou o cinzeiro que estava na mesa de cabeceira mais para perto. O barulho ecoou no quarto silencioso.

- Quando começou a se importar com isso? – a mulher bateu o cigarro na lateral do cinzeiro e uma grande camada de cinzas se desprendeu dele.

- Nunca me importei – respondeu ele. Olhava para o teto, admirando os desenhos abstratos que a fumaça fazia. – Foi você que perguntou.

- Se não se importa porque guarda aquela foto? – Elvira ergueu as finas sobrancelhas.

Sirius se inclinou sobre ela para alcançar o cinzeiro. Depois deu mais uma tragada e apagou o cigarro. Levantou da cama, esticando os braços para o alto, e andou até a janela ampla. Devagar, puxou as cordas para abrir as persianas. Listras de luz avermelhada cresceram rapidamente sobre seu rosto e nas paredes, colorindo o quarto inteiro. Na rua lá embaixo ainda era madrugada e tudo estava cinzento. Mas o sol já nascia para as residências mais altas de Londres.

- Ela está morta? – ele ouviu a voz de Elvira atrás de si. Ela falava com uma simplicidade banal. Talvez de propósito. Ele também vinha encarando as mortes de modo banal ultimamente. Era uma defesa. Mesmo assim, Sirius gostaria que os dias não fossem tão claros. Então ele poderia ficar bravo e mandar Elvira embora. E poderia ficar sozinho. Mas não, não podia ficar sozinho sabendo que um dia inteiro de céu azul o esperava.

O mundo inteiro de repente tinha ficado mudo. E tudo que ele desejava era o barulho, a violência. O silêncio agora era a maior das torturas para Sirius Black. E existiam também os fantasmas. Às vezes, acordava de súbito e tinha a impressão de sentir o calor de um corpo ao seu lado. E tinha medo de abrir os olhos, pois sabia que sua mente o enganava. Sua procura por ela era inútil, e fadada ao fracasso. Por isso preferia acordar com Elvira ao seu lado. Pelo menos, sabia que ela era real. Não tinha que ter medo de abrir os olhos.

Sirius se adiantou para abrir as portas do armário. Queria dizer algo bastante grosseiro para que Elvira não pensasse mais em fazer perguntas. Mas sabia que isso só a incitaria a perguntar mais. E como não podia mandá-la embora... Afastou as capas penduradas e tirou uma camisa. Passou-a rapidamente pela cabeça. Como se sentia patético se apoiando em alguém como Elvira.

- Aquela menina...

- Estou com fome – cortou Sirius, tentando parecer indiferente enquanto andava em direção à porta abotoando a camisa.

Parou sob a moldura de madeira gasta da porta. Seus olhos perscrutaram o quarto, como se tivesse se lembrado subitamente de algo que esquecera de pegar. Tinha a súbita impressão de sentir aquele perfume leve no ar. Perfume azul. Alguns perfumes eram quentes. Outros eram fortes. Mas ele não resistia à tentação de pensar que o perfume de Marlene McKinnon era azul. Talvez estivesse confundindo tudo. Não importava. De repente, parecia que tinha de novo um coração.

De novo aquela sensação quente. E estava apenas começando o martírio, andando do quarto até a sala, que permanecia escura, com as persianas fechadas. Estava apenas se lembrando, se lamentando. Era patético o bastante para isso. E também para ficar se perguntando onde afinal tinha ido parar sua alma naquela história toda. Ele sabia. Deteve-se ali, observando a mobília velha, o piso amarelado, a lareira de tijolos vermelhos, pensando apenas. Ainda era cedo, mal se podia ouvir os sons das pessoas acordando nos apartamentos vizinhos. E Sirius fingia que não a via de pé, diante da lareira, banhada pela luminosidade das chamas, com aquela expressão estranha de quem não tinha certeza. “Você já teve vontade de ir, e ao mesmo tempo de ficar?” Sirius olhava para o teto, tentado enxergar algo além da tinta manchada, quando pensou novamente naquilo. Naquele dia, não entendeu a pergunta dela.


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N.A.:
Vocês não acharam o Sirius e a Marlene dois pestinhas fofas?

Como essa fic apresenta uma patológica falta de continuidade, resolvi dividi-la em capítulos pequenos. Serão ao todo 10 e a fic vai ser atualizada de acordo com as demonstrações de interesse (traduzindo, reviews). Então, se não for muito esforço, deixem um comentário e façam uma Bel feliz.

Essa fanfictions foi s vencedora do II challenge S/M do fórum 3 Vassouras.

Dedico a fic a Mylla, que me estimulou a voltar a escrever S/M. Afinal, somos mães da mesma criança n.n
Agradecimentos a Nika-noiva-alternativa-versátil-do-Sirius, por ter betado essa fic gigante em tempo récorde e ter me feito rir muito com suas observações espirituosas.

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