Parnaso
Desde o início do ano letivo, Lacrima tinha como certo deixar a irmãzinha na casa da avó durante todo o período de férias, enquanto ela mesma passaria lá apenas uma semana, devido aos compromissos com Hogwarts, reuniões, preparações de calendários, matéria e tudo o mais que a profissão exigia. Obviamente que seus planos não foram concretizados.
Na alegre balbúrdia do dia da partida, Pansy, Aurea, Draco e Allard tentavam conversar no salão da Sonserina.
- Minha família não vai poder viajar este ano... Meu pai estará muito ocupado com seus compromissos...
- Eu acho que vou passar o tempo todo sozinha... Minha irmã vai passar boa parte do tempo trabalhando...
- Eu vou ficar por aqui mesmo...
- Que coisa, acho que eu fui a única que deu sorte este ano! Meus pais vão me levar à Paris...
- Legal!
- Hey, Aurea, já que sua irmã vai ficar por aqui, porque você não fica também? Nós podemos passear em Hogsmeade e explorar o castelo! De qualquer forma, sempre é melhor fazer nada acompanhado do que sozinho, né?
- Ora, bem pensado Allard! Venham vocês dois passar uns dias lá em casa Crabbe e Goyle também estão sempre por lá...
- Bem, eu preciso ir. Boas férias para vocês, queridinhos!
- Perfeito! Até mais, Pansy! Boas férias! Bem, vou falar com minha mana... Obrigada pelo convite, garotos!
E, de fato, Aurea só passaria com a avó a penúltima semana de férias, quando Lacrima esteve lá.
Ela e Allard se fartaram das delícias da Dedosdemel, quase se cansaram das quinquilharias da Zonko's, leram boa parte dos contos de terror da biblioteca da escola e até mesmo se aventuraram nos primeiros metros da Floresta Proibida. Na última semana, conforme havia sido combinado, uma carruagem pousou em Hogwarts para levar os pequenos à mansão Malfoy.
Era um grande veículo em estilo vitoriano com o brasão da família em prata engastado em ambas as portas. O estofamento interno era todo forrado de veludo verde escuro. Um criado vestindo um belo uniforme negro com um chapéu emplumado vinha com um ar imponente na boléia. Outro, com vestes no mesmo tom, segurava a porta aberta e ajudava o jovem Malfoy a descer.
Allard veio correndo enquanto Aurea ainda terminava de colocar os últimos apetrechos na mala.
- Bom dia, Draco! Ah... A Aurea ainda está terminando de arrumar as malas... Meninas...
- Ah, sim... Que bom que vocês vão, eu realmente tenho me sentido um tanto perdido em casa... São as primeiras férias que passo sem viajar...
Allard apenas respondeu com um sorriso amarelo - ficava um tanto desconcertado frente a alguns assuntos de seus colegas. Viajar nas férias, ter elfos domésticos, criados e tudo o mais que para Draco, Aurea e Pansy era cotidiano, mal passava por sua cabeça como seria... Tentava aparentar naturalidade mas muitas vezes cometera gafes, as quais, com o tempo, os colegas aprenderam a entender e já não se riam mais...
Aurea finalmente apareceu seguida de Lacrima, que carregava sua bagagem e não pode deixar de observar o brasão... O "M" entrelaçado a uma serpente dentro do escudo encimado pelo elmo emoldurado de plumas. Subitamente veio-lhe a voz trovejante à cabeça, martelando-lhe ao fundo "a serpente", junto de uma forte pontada nas têmporas. Balançou a cabeça, querendo espantar aquela impressão. Ora, agora não podia dar com figuras de cobras?!
Beijou a irmã na face, fazendo-lhe algumas recomendações automaticamente; abraçou Allard e cochichou-lhe ao ouvido: "Seu pai mandou-lhe um abraço e pediu-me para lembrá-lo novamente para que não deixe que ninguém saiba sobre sua família, OK?"
Ele respondeu afirmativamente com a cabeça e seguiu.
A viagem até a Wiltshire, onde ficava Mansão Malfoy, foi bastante animada a despeito das alfinetadas que Draco e Allard trocavam vez ou outra. Apesar de serem consideravelmente amigos, ambos não passavam um dia sem fazer uma crítica maldosa a respeito do outro, sempre por motivos mínimos ou mesmo sem eles. Coisa de garotos, Aurea pensava - com razão.
A Sra. Malfoy esperava as crianças no jardim. Aurea ficou impressionada com a imagem da mãe de Draco: Um ar etéreo e distinto coroava aquele semblante de linhas delicadas e aquela postura altiva. Aquela mulher, sem que ela soubesse o motivo, lhe inspirou extrema simpatia e respeito. Ela trajava um modelo que poderia se dizer vitoriano, todo feito em cetim claro com delicados padrões de rosas e miosótis; uma profusão de belas rendas davam o acabamento final ao traje, que era complementado por um largo chapéu de finíssima palha do Panamá ornado com os originais que teriam inspirado a estampa do vestido.
- Mãe, estes são meus colegas de Hogwarts: Aurea Lunare e Allard Warrick.
Ambos cumprimentaram a mulher, que respondeu numa voz aveludada e comedida, mas que indubitavelmente deixava clara sua posição de senhora do lugar: "Sejam bem-vindas, crianças, espero que sintam-se à vontade. O chá está servido no jardim e ordenei aos elfos que preparem as montarias para vocês."
Allard sentiu como se um bloco de gelo caísse em seu estômago, ficou pálido e só conseguiu dar um sorriso desconcertado. Rumaram então para o jardim, onde sentaram-se à mesa sob uma bela pérgula(*) abobadada coberta por um pé de rosa-trepadeira com flores claras com bordas rosadas. Ao notar a aparência de Allard, Draco o questionou:
- Você está passando mal?
- N-não...
- Allard, você está muito pálido! O que há? - perguntou Aurea seriamente preocupada.
- É que... Ah... Desculpem... Eu nem deveria estar aqui com vocês... Eu não sou como vocês, não estou acostumado com todas essas coisas, deveria saber meu lugar...
- Warrick, fecha essa boca! Você acha que minha família ia tolerar alguém inferior?
Allard olhou triste e perdido para Draco.
- A resposta é "não"! Então, Allard, se você está aqui, é porque aqui é exatamente onde deveria estar! Você não é nenhum sangue-ruim, nenhum idiota, nenhum desonrado... Só porque você passou meros onze anos sem conviver comigo não quer dizer que você não possa se redimir disso e aprender agora!
O garoto olhava o pequeno anfitrião num misto de estranhamento e dúvida, ao que Malfoy respondeu com uma risada:
- Se eu não lhe quisesse aqui, não teria lhe convidado, Warrick! Você... Pode não ser tão bom quanto eu, mas é bem-vindo de verdade...
Allard sorriu sem jeito e disse timidamente:
- É que... Sua mãe falou sobre montarias, não? Eu... Nunca andei a cavalo.
- Também tivemos uma primeira vez, não é, Aurea?
- Pois é! Não sofra por antecipação, Allard, e aprenda uma coisa: você sempre pode fingir que sabe!
O chá continuou entre risos e conversas sobre os mais importantes assuntos - para pessoas de doze anos. Terminada a leve refeição, eles se dirigiram às cavalariças, fazendo questão Aurea de ficar por um momento distante de Allard, em companhia de Draco.
- Draco... Foi muito legal da sua parte ter falado aquilo pro Allard... Eu sei que ele sofre por se sentir excluído sempre que tratamos de coisas que nunca fizeram parte da vida dele... Eu nunca imaginei que você pudesse falar isso para ele, sabe, fazê-lo se sentir à vontade... Vocês dois vivem com briguinhas...
- Aurea... - sorrindo sem jeito - Não são coisas que eu costumo dizer, de fato... E espero que você não saia espalhando isso por aí, certo?! Bem... Nós estamos sempre querendo cada um ter a última palavra, ser melhor que o outro... Mas não é exatamente confortável ver ele daquele jeito. Não é assim que eu quero ser melhor que ele! Assim... Você sabe, assim não tem graça!
- Haha! OK, eu não digo nada! Garotos... - terminou a frase com a justificativa acompanhada de um leve meneio de cabeça.
A tarde passou num relance e o arrebol veio encontrar as três jovens almas cansadas e satisfeitas. Depois do banho, eles foram convocados para a sala de jantar, onde encontrava-se apenas Narcisa.
- Então, Srta. Aurea... Sua família é da Itália, não? Já ouvi falar de seu clã...
- Oh, sim... Bem, ultimamente percebi que somos mais conhecidos do que eu supunha. Minha irmã é uma pessoa muito discreta e não costuma comparecer a muitos eventos...
- Compreendo... Mas você ainda é nova e chegará sua hora de debutar. Em Hogwarts certamente não lhe faltará a oportunidade de um baile. É tradição realizar um baile de inverno durante o Torneio Tribruxo do qual participam os alunos que já alcançaram o quarto ano...
- Isso é ótimo! Eu realmente estou ansiosa para participar de algum evento do tipo. Não sou exatamente como Lacrima... - a garota sorriu docemente.
- Bem, decerto não faltariam convites para uma Lunare em reuniões da alta sociedade, mas, se me perdoa a indiscrição, a estadia de vocês na Inglaterra não é de conhecimento geral, como deveria...
- Ah... - em dúvida sobre o que dizer, Aurea calculava as palavras para evitar dizer coisas que pudessem comprometer planos que ela desconhecia - Bem... Minha irmã veio para dar aulas... E... Conhecer mais sobre a fascinante história da Inglaterra. Ela tem estado realmente atarefada.
- Ora, mas sabendo que se encontram aqui, ficamos honrados em enviar-lhes um convite para nosso baile deste ano. Diga-lhe que eu espero que ela possa reservar alguns momentos para conhecer as pessoas daqui... Afinal, o que é um país senão seu povo?
- Eu agradeço também em nome dela.
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(*) Pérgula - s. f., espécie de galeria para passear, coberta de plantas trepadeiras em forma de ramada; terraço coberto. Mais ou menos assim: http://www.morrishousehotel.com/images/pergula.jpg
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