Exodos
Música: Exodos, Evanescence
My black backpack's stuffed with broken dreams
(Minha mochila preta está cheia com sonhos desfeitos)
20 bucks should get me through the week
(20 doláres me sustentarão durante a semana)
Never said a word of discontentment
(Nunca disse uma palavra de descontentamento)
Draco andava com a mochila de couro preto sobre o ombro esquerdo enquanto contava o dinheiro trouxa na palma de sua mão. Desde que fugira de casa a vida se resumia a muitas contas feitas em pergaminhos para saber quanto podia usar por semana, sabia perfeitamente quando saiu de casa que assim que terminasse Hogwarts não ia ter onde ficar, então pegou cada um dos galeões que tinha antes de jogar toda a sua vida para o alto.
Tinha vinte dólares para comprar a comida da semana, os bilhetes de metrô que usava constantemente agora para poder chegar ao pequeno apartamento de três quartos que alugou, o dinheiro do aluguel da semana e ainda sobrariam uns trocados.
No meio de uma rua de Londres ele acabara de desembarcar do metrô que o levara até uma pequena rua de prédios com as pinturas descascando. Se vestia consideravelmente bem, seus vinte e um anos tinham feito dele um jovem de cabelos loiros platinados caindo sobre os olhos cinzentos muito belos e muito só. As calças pretas de jeans já deviam ter uns dois anos, mas ele as mantinha com aparência nova usando magia, os sapatos cobertos de neve ainda tinha sobras de brilho e o casaco longo de lã pura que era de seu pai e ele furtara de casa lhe davam uma aparência muito aceitável. E era fato que ele nunca disse uma palavra de reclamação de suas escolhas ou de seu novo “estilo de vida” mais simples que antes.
Fought it a thousand times but now
(Lutei mil vezes mas agora)
I'm leaving home
(Estou saindo de casa)
Ele se lembrava direito do porquê saíra da mansão. Fazia naquela manhã cinzenta de inverno quatro anos; não queria seguir alguém que iria mandar nele, e tanto Dumbledore quanto Voldemort iriam mandar nele. Ninguém mandava nele. Seu pai aprendeu isso quando disse a Draco que ele seria um comensal, por bem ou por mal, lhe lançou o Cruciatus, e como punição perdeu seu único filho para as ruas abandonadas dos trouxas.
Draco tentara sempre ficar apenas levando a sua vida a base de xingamentos e ofensas aos outros, dinheiro e mais nada. Por isso, quando se viu sozinho no mundo, sem ninguém a quem lançar palavras hostis ou não, sem ter riquezas para gastar a vontade, ele se viu também sem propósito.
Mas, pensou ele, entrando em um prédio de pintura vermelha gasta e seguindo pelos lances de escada, ele nunca teve um propósito. Nunca teve nada para perder ou ganhar, e, talvez, aquele fosse o principal motivo para ter saído de casa.
Here in the shadows
(Aqui nas sombras)
I'm safe
(Estou salvo)
I'm free
(Estou livre)
Acendendo a luz do apartamento número 27, revelou na pequeníssima sala quadrada um sofá verde de veludo, pousado sobre um tapete de aparência um pouco velha nos cantos, uma prateleira de livros lotada de objetos para leitura ,grandes e pesados, outro tanto de livros estava sobre uma mesinha ao lado do sofá, com duas xícaras de chá um tanto lascadas. Um fogão ficava ao lado de uma mesinha com apenas uma cadeira, a mesa forrada por uma toalha branca com uma quantia de cinco envelopes sobre ela, pousados perto de dois rolos de pergaminho, pena e tinteiro. Por cima, os armários, um deles com a maçaneta um tanto quanto presa duvidosamente à madeira. Cortinas de renda pendiam sobre a janela que dava para a rua coberta por um tapete branco de neve.
Com um suspiro ao olhar ao redor, ele deixou a mochila sobre o sofá e foi até o quarto, que possuía cortinas na janela do mesmo padrão que as da sala-cozinha, uma cama de madeira pesada e escura, com lençóis de algodão branco e cobertores azuis petróleo. Um armário da mesma madeira que a cama ficava do lado de uma poltrona azul e mais uma estante de livros se achava por perto, além do criado-mudo ao lado da cama.
Deitou na cama e ficou fitando o teto branco com algumas rachaduras.
I've nowhere else to go but
(Sem ter um lugar pra ir)
I cannot stay where I don't belong
(Não posso ficar onde não pertenço)
No dia seguinte, se ele chegasse, iria ficar em casa novamente, iria sair apenas para comprar o café que acabara na semana passada. Assim como naquela véspera de natal em que isso se passava, ele não teria nada para fazer. Ia ficar mofando naquele lugar, era melhor do que ir a um local onde não veria nada além de rostos sorrindo por causa do feriado que ele estava perdendo. Queria cobrir seu rosto com o travesseiro macio e dormir para nunca mais acordar.
Two months pass by and it's getting cold
(2 meses passaram e está ficando frio)
I know I'm not lost
(Sei que não estou perdido)
I am just alone
(Só estou sozinho)
Fazia dois meses que tinha mantido uma conversa de mais de duas palavras com alguém. E ,para piorar, esse alguém tinha sido o gato da vizinha, que ele vira às vezes com seus cabelos cobertos por um xale. Não via a mulher, mas seu gato gostava de passear pelos corredores, e normalmente ia visitar Draco em seu apartamento. Ia. Ia até o dia em que foi atropelado por um caminhão. Desde então, os jornais e livros tinham sido a única companhia que Draco podia usufruir.
Sabia dentro de si que não estava perdido, só estava sozinho. Sem ninguém e nem nada que valesse a pena, e isso parecia pior ainda naquele dia tão frio e cinzento nos céus que o inverno marcava, castigando quem estava andando pela tempestade de neve branca e pura que agora caia com violência.
But I won't cry
(Mas não quero chorar)
I won't give up
(Não quero desistir)
I can't go back now
(Não posso voltar agora)
Waking up is knowing who you really are
(Acordar é saber onde você realmente está)
Uma lágrima parecia fazer questão de sair dos olhos cinzas, e ele não pode negar pela súplica que toda sua alma fazia para ter aquela demonstração de dor posta para fora. Mas ele não queria chorar, não queria mostrar que estava ficando fraco. Não queria dizer que queria voltar pra casa e dormir sobre seus lençóis de seda. Queria poder acordar um dia e saber que estava no seu lugar, o lugar ao que ele pertencia. Mas ele não acordava nunca, só ficava ali preso ao mundo trouxa e sabendo da guerra que ainda se travava no mundo onde nascera pelo Profeta Diário, que ia comprar ás vezes.
Here in the shadows
(Aqui nas sombras)
I'm safe
(Estou salvo)
I'm free
(Estou livre)
I've nowhere else to go but
(Sem ter um lugar pra ir)
I cannot stay where I don't belong
(Não posso ficar onde não pertenço)
Estava no meio da escuridão, salvo da guerra, do mundo, da culpa que jogava sobre si mesmo por tudo, estava salvo de si. Estava também livre para fazer o que queria, mas ele não queria nada. Como podia querer algo se nada mais agora existia? Não podia. Não ia voltar pra mansão, não iria dar o braço a torcer nem aquele gosto de vitória para seu pai, se ele ainda estivesse vivo a essa altura do campeonato. Mais lágrimas começaram a correr, apesar do esforço para mantê-las dentro de si, Draco as libertava pelos olhos agora vermelhos de raiva de si mesmo, dor e acima de tudo, solidão.
Here in the shadows
(Aqui nas sombras)
I'm safe
(Estou salvo)
I'm free
(Estou livre)
I've nowhere else to go but
(Sem ter um lugar pra ir)
I cannot stay where I don't belong
(Não posso ficar onde não pertenço)
Ele não queria mais ficar ali. Não queria mais existir. Queria deixar tudo para trás. E naquele momento, com vinte dólares embolados no bolso, sapatos cheios de neve espalhados pelo quarto e frio, ele se levantou e foi até a sala, abriu sua mochila, pegou sua varinha e a colocou entre seus compridos dedos. Ela ainda mantinha o mesmo brilho que sempre tivera. Foi novamente até o quarto, abiu o guarda roupa e colocou uma roupa branca. Era meio que fina, inapropriada para o tempo que fazia lá fora. Mas não fazia diferença. As lágrimas tinha cessado, mas os olhos ainda se mantinham vermelhos. A idéia que tinha surgido fora igual a tantas outras geniais que o mundo nos traz; veio sem que, ou porque. De repente. E Draco sorriu internamente por isso. Ele ia acordar no lugar ao qual ele pertencia. Ele ia, não podiam impedi-lo, não que alguém fosse se importar, não, mas as correntes que lhe mantinham apodrecendo ali tinham feito ele temer um pouco, de que elas quisessem ainda lhe manter preso. Ele tinha que fazer aquilo.
Show me the shadow where true meaning lies
(Mostre-me a sombra onde a verdade significa mentira)
So much more is made in empty eyes.
(Muita coisa é feita em olhos vazios)
Draco se sentou na cama da maneira mais confortável que achou, que fora se apoiando na cabeceira da cama. Os olhos se mantinham a observar a varinha que agora ele apontara para o próprio peito. Sorriu, o primeiro sorriso que dava em muito tempo, talvez o primeiro sincero e de alguma esperança que dava na vida, ao pensar que ia descobrir o que ia acontecer enfim depois de morrer. Ele se preparou para o que estava por vir de si próprio. Respirou e expirou algumas vezes, como que para poder lembrar para sempre o cheiro que a vida tinha. Parou, já que não havia cheiro para ser sentido e lembrado. Mas ele respirou profundamente antes de dizer “Avada Kedavra”, apontando a varinha para o próprio peito e soltando seu último suspiro ao nada. Os olhos se fecharam pouco depois com a primeira impressão de estarem vazios, mas se alguém olhasse dentro deles quando se fecharam para nunca mais serem abertos, veria que pela primeira vez quem os tinha estava certo de algo, certo de que queria morrer, mas estava certo disso.
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