Lágrima Gigante



A risada de Madame Maxime estourou no ar frio da noite. Um casal que parecia muito ocupado se assustou e saiu correndo. Hagrid viu um vislumbre de um cabelo loiro-prateado, mas pouco se importou e continuou a contar sua história.
— E pensar que eu poderia ter criado um hipogrifo, o Bicuço, mas fiquei muito contente ao ver a cara de bosta de Macnair ao golpear a abóbora gigante da minha horta... Gostaria pelo menos de saber onde o Bicucinho está...
Sentaram-se em um banco de pedras, Hagrid observando atentamente Mme. Maxime. Nunca pensou que encontraria uma mulher como aquela, que parecia tanto com ele e era, ao mesmo tempo, tão bela. A sensação que o transpassava era nova e ao mesmo tempo gostosa. Será que aquilo era amor? Dumbledore dizia que sim.
— Mas Madame... Olímpia, mas... o que você sente quando estamos juntos? Me fale sobre você — perguntou Hagrid, ansioso.
— Agrrid, não sei. Admito que prróxima a você sinto que somos iguais, sinto que me completo, mas acho que estamos indo muito rápido. O que aconteceu na florresta me assustou um pouco...
— Você se sente como minha igual?
— Sim.
— Pois sim, verdade — Hagrid achou que tinha chegado o momento certo. Já que Olímpia o considerava um igual, era hora de abrir o jogo com ela. Ela com certeza também era uma meia-giganta, estava na cara. Hagrid achou que a voz que saiu de sua boca em seguida estava estranhamente rouca. — No momento em que vi você, eu soube.
— Que é que você soube, Agrrid? — Perguntou Olímpia, com um suave ronronar.
— Eu simplesmente soube... soube que você era como eu... puxou ao seu pai ou à sua mãe?
— Eu... eu não sei o que você quer dizer com isso, Agrrid... — disse uma intrigada Olímpia. Hagrid não entendeu.
Hagrid começou então, sem saber o porquê, a contar a história de sua vida. Lembrar do seu pai era algo realmente difícil, lembrar do carinho que recebera até os onze anos. Hagrid controlou uma torrente terrível de lágrimas que parecia estar prestes a saltar dos seus olhos. Assoou o nariz com força.
— Então... em todo o caso... chega de falar de mim. E você? De que lado você herdou?
Mas Olímpia repentinamente se pusera de pé.
— Está frio — disse com a voz grave e fria, muito diferente do ronronar quente que Hagrid tinha ouvido até então. — Acho que vou entrar agora.
— Eh? — Hagrid não entendia mais nada. O que será que tinha falado para o comportamento de Olímpia ter mudado tão drasticamente. — Não, espere. Nunca encontrei alguém como você antes.
— Alguém exatamente como? — perguntou Olímpia, cortando subitamente Hagrid.
— Alguém meio gigante, é claro — disse Hagrid, espantado pela pergunta.
A mudança nas feições de Olímpia foram assustadoras. A expressão bela deu lugar a uma tão medonha de raiva e de medo que assustou Hagrid. Olhou para os lados para ver se havia alguém por perto.
— Como é que você se atreve? — gritou Olímpia. — Nunca fui mais insultada na vida! Meio gigante? Moi? Eu tenho... eu tenho... ossos graúdos.
E saiu intempestivamente, grandes enxames de fadinhas multicoloridas se ergueram no ar quando ela puxou, empurrando arbustos para o lado. Hagrid continuou sentado no banco, em silêncio, o cérebro trabalhando furiosamente para entender o caos que havia ocorrido. Como, de repente, sua relação com aquela mulher maravilhosa havia afundado daquele jeito? Será que ele interpretou errado o que ela disse? Será que estava frio mesmo, e ele o tratara mal? Será que o efeito do seu perfume havia acabado?
Levantou-se. Pensou em voltar para o castelo, mas achou que não agüentaria ver Olímpia lhe evitando. A noite para ele havia acabado. Fizera o que Dumbledore recomendara: contara a verdade, mas as conseqüências não chegaram nem perto do que imaginara.
Ao se aproximar de sua cabana, ouviu Canino latir. Isso era comum, o cão parecia sentir a aproximação de seu dono. Ao abrir a porta, o cachorro veio correndo para receber Hagrid, mas parou subitamente ao ver a expressão em seu rosto. “Eu devo estar realmente abatido” pensou Hagrid. Canino se contentou em lamber as mãos do seu dono.
“Por que diabos ela se comportou daquele jeito?” Hagrid pensou com raiva, se jogando na cama e socando o travesseiro. Ao longe ainda se ouvia o som do baile animado pelas Esquisitonas, mas ele não se sentia nem um pouco à vontade.
Para ele a noite havia acabado.

Hagrid acordou cansado no dia seguinte, a noite havia sido horrível. Não conseguiu pegar no sono de imediato e, durante a noite inteira, foi incomodado por um besouro que martelava em sua janela. O seu entusiasmo havia caído tanto que nem se mexeu para espantar o inseto.
“Por que?” ainda se perguntava. Estava tão distraído que queimou a mão na água que estava fervendo para preparar o chá. Não iria tomar café no castelo. Estava sem coragem para olhar no rosto de Olímpia
— Vamos passear, Canino? — o cachorro latiu alegre e saíram da cabana na direção da floresta. A companhia da natureza sempre o ajudara a relaxar e poderia até mesmo trocar uma palavrinha com Aragogue.
Nem haviam andado muito quando o som de cascos fez Hagrid ficar alerta. Só poderiam ser os centauros, mas naquela floresta relaxamento significava morte, nunca se sabia o que a profundeza daquelas árvores escondia. Ainda se lembrava do vulto negro que matava unicórnios e que havia perseguido há 3 anos, no ano que reviu Harry Potter...
Sua dedução estava certa. Um tronco de homem em um corpo de cavalo irrompeu de trás de uma árvore com o arco armado e pronto para atirar, virado para cima. Aparentemente não havia percebido a presença de Hagrid, até ele cumprimenta-lo.
— Como vai a caçada Firenze?
O centauro parou de súbito e se virou para o lado da voz. Seus olhos azuis brilhando sobrenaturalmente na penumbra da floresta.
— Você sabe que não caço, Hagrid.
— Sim, sei. Bom, estou com um pouco de pressa, Firenze — e recomeçou a caminhada. Estava ansioso para chegar ao seu destino.
— Preocupado com alguma coisa, Hagrid?
Hagrid se virou e viu Firenze apontando para o alto. Não estava com ânimo para ouvir mais uma vez sobre estrelas e constelações.
— Vênus como sempre, a última a sumir no céu. Meu astro favorito... pena esta noite ter sido encoberta por uma nebulosa. Mas algo me diz que ele voltará a brilhar.
Hagrid sorriu, mas virou as costas e continuou a caminhar. Detestava ser rude com Firenze, mas estava esgotado para esses tipos de conversa que não entendia. Ouviu o centauro recomeçar o seu cavalgar e os seus trotes sumirem ao longe. Continuou andando, e, aos poucos, o ambiente ao seu redor foi mudando, se tornando sombrio e escuro. Até que teias de aranhas encobrindo fortemente o sol mostraram a Hagrid que haviam chegado aonde queria. O antro de Aragogue se erguia ao seu redor como uma boca escancarada e pronta para abocanha-lo. Contudo, aquele covil dava a Hagrid a impressão familiar de aconchego. Ali, naquela escuridão, morava seu amigo mais antigo.
Ao dar o primeiro passo, Hagrid ouviu várias pinças estalarem e olhos na escuridão o vigiarem cobiçosos. Ele sabia que só conseguia entrar ali e voltava vivo graças à proteção de Aragogue, pois nenhum dos filhos dela o tratavam como amigo. Canino se aproximou mais da perna de Hagrid e ele sentiu o cachorro tremer como sempre fazia.
— Aragogue!
Um deslocamento de ar e um grande zumbido mostraram a Hagrid que seu chamado havia sido ouvido e logo seria atendido. Da boca de uma caverna no canto mais distante de uma clareira, grandes pernas peludas brotaram e grandes olhos que pareciam opalas refulgiram na escuridão.
— Oh, meu querido amigo, Hagrid. A que devo essa visita.
— Precisava de um amigo para conversar. Estou horrível.
— E o que aconteceu?
Hagrid começou a contar sobre o que tinha acontecido na noite anterior. Aragogue apenas ouvia sem emitir qualquer som.
— E aí ela saiu desembestada para dentro do castelo e me deixou sozinho — terminou Hagrid com um longo suspiro.
Aragogue continuou em silêncio por um tempo até que finalmente falou:
— Creio, Hagrid, que esse problema já não é mais seu e sim dela.
— Como?!
— Você realmente acredita que ela tenha ossos grandes?
— Sinceramente não. Ela parece temer que descubram sobre isso.
— Exato, e o que você fez foi tocar na ferida.
— Mas... mas ela parecia ser tão forte.
— Hagrid, você tem noção do que aconteceria caso descobrissem que Olimpia é uma meia-giganta?
Hagrid pensou em todo o preconceito que a mulher da sua vida sofreria e protestou aborrecido.
— Mas eu não contaria a ninguém!
— Aí é que está, meu amigo. Será que vale mesmo a pena se relacionar com alguém que não confia no seu parceiro. O problema nunca foi e nem será seu.

No caminho de volta, Hagrid estava mais aborrecido, mas mesmo assim um pouco mais calmo. Desabafar seus problemas com Aragogue, desde os tempos de escola, sempre o ajudara a se recuperar, porém poucas palavras da acromântula o haviam deixado tão chateado.
Quando chegou próximo da sua cabana, ao lado do picadeiro com os cavalos alados de Beauxbattons, viu a silhueta gigante de Olímpia se aproximando. Mordendo os lábios de ansiedade, estancou. Os cabelos negros e ondulados daquela mulher pareciam hipnotiza-lo.
— Boa tarde Agrrid — disse novamente no seu ronronar.
— Escute Olímpia, sobre ontem a noite...
— Está um belo dia, não Agrrid?
— Sim, mas eu gostaria de lhe falar...
— Sabe, eu acho que você ainda não me entendeu. Não querro mais falar sobrre o assunto de ontem.
— Mas eu quero saber... por acaso você não confia em mim? — perguntou Hagrid de uma vez.
— Como poderia? Faz menos de um ano que o conheço!
— Eu tenho sentimentos verdadeiros por você!
— Mas a minha verdade é mais preciosa que os seus sentimentos.
— Eu a amo!
Alguns minutos de um silêncio retumbante se seguiram a essas palavras. Lágrimas começaram a brotar dos olhos de Olímpia, enquanto a visão de Hagrid começou a ficar borrada. Ele se virou. Nada mais importava. Realmente era amargo o sabor da desilusão, porém as palavras de Aragogue voltaram a sua cabeça: não valia mesmo a pena amar alguém que não confiava em ninguém.

Na manhã do primeiro dia do trimestre, algo pesado bateu na janela de Hagrid, acordando-o sobressaltado. Levantou-se e foi ver o que era. Do lado de fora, caído ao chão, estava um jornal dobrado onde podia se ver a metade de seu próprio rosto, que ele julgou estar com uma expressão muito retardada.
Ainda surpreso, ao abrir o jornal reparou na manchete escrita com letras colossais “O Pior Erro de Dumbledore”.
— Que brincadeira seria aquela? — E começou a ler.
Sua visão foi turvando e seu cérebro se anuviando cada vez que lia. Cada linha parecia entalar em sua garganta e prender na sua vista. Não entendia mais nada, afinal como Rita Skeeter havia descoberto sobre a sua verdadeira natureza. Parou de ler e olhou de esguelha para o castelo. Dois primeiranistas estavam o observando e saíram correndo quando viram que Hagrid percebera sua presença.
Era pior que um pesadelo. Seu maior segredo revelado para toda comunidade bruxa de forma tão brusca, só poderia haver uma explicação.
Olímpia havia contado.
Ele, mais uma vez, entrou em sua cabana sem olhar para a carruagem a poucos metros. Não entendia o porquê de tudo aquilo, seu cérebro lentamente se anestesiando. Finalmente, depois de anos, o seu maior medo ocorreria novamente: Seria visto como uma fera.
Na mesma noite, Hagrid ouviu uma voz conhecida de alguém que batia em sua porta:
— Hagrid, somos nós! Abre!
Canino olhou para o rosto molhado de Hagrid, com olhos de pena. Ele não abriria, nunca mais se mostraria para esse mundo que só o torturava. Não seria mais motivo de medo ou de chacotas. Nunca mais.

Toc toc toc.
As batidas na porta assustaram Hagrid. Quinze dias haviam se passado desde a última pessoa que lhe tinha aparecido, Harry Potter. Quinze dias haviam se passado desde que o pesadelo começou. De fato, Hagrid já estava começando a acreditar que ninguém o queria mais.
Toc toc toc.
As batidas persistiram por mais vinte minutos. Hagrid, se perguntando quem afinal seria tão insistente, relutantemente abriu a porta.
Dumbledore o esperava do lado de fora com o rosto sério, mas mesmo assim acolhedor. O mesmo rosto de seu pai. Canino começou a latir e correu ao encontro dele
— Já não era sem tempo. Começara a pensar que a minha visita estava sendo inoportuna — Dumbledore cruzou a porta e sorriu, deixando que sua mão fosse lambida por Canino. — Hagrid, Hagrid... vim tomar uma xícara de chá na sua companhia.
— Senhor, eu estou...
— Eu sei, Hagrid. Chateado, aborrecido. É exatamente por isso que vim. Não há homem que resista ficar duas semanas sozinho remoendo suas mágoas. Nem um homem forte como você.
— Não sou humano por inteiro!
Dumbledore suspirou.
— Já conversamos sobre isso, não é mesmo Hagrid? O que eu lhe expliquei sobre a magia mais poderosa existente?
Hagrid se sentou, cansado. Dumbledore nunca entenderia. Ele também se sentou, conjurando duas canecas de chá.
— O amor, Hagrid. A magia que rege todas as criações desta terra. O ser humano é a criação máxima dessa magia, quem consegue potencializar ao máximo esse poder.
— Mas...
— Você, Hagrid e a sua capacidade de amar todas as formas de vida são a prova viva de que esse poder existe. E a prova da sua humanidade.
— Eu sou um monstro. Todos me temem — com uma pausa, Hagrid disse. — Olímpia me teme.
— Olímpia teme a si mesma. Ela primeiro precisa se aceitar para lhe aceitar — Dumbledore fitou Hagrid com seus olhos cintilantes por cima dos óculos de meia-lua. — E definitivamente não foi ela que contou sobre o seu segredo para a Rita.
— Então como ela descobriu?
— Isso ainda não sei, mas procurarei saber.
— Senhor, eu quero pedir a minha demissão. Quero sair daqui.
— Você ainda não entendeu o que eu disse? As pessoas não o temem, nem nunca o temerem. Você é importante para essa escola. Olhe — e agitou a varinha fazendo uma pilha de envelopes aparecerem sobre a mesa. — Há cartas minhas e suas aí. Tomei a liberdade e abri, poderia haver coisas perigosas nelas — Dumbledore pausou, pegando uma. — O resultado da inspeção não poderia ser mais surpreendente — e estendeu uma carta para Hagrid, cujo destinatário eram os Srs Patil.

“Caro Dumbledore”
“Pedimos que não despeça Hagrid. Ele sempre nos pareceu ter uma ótima índole e essa descoberta sobre a sua real natureza não mudará o que pensamos sobre ele”

Surpreso, Hagrid pegou outra. Viu que era da Sra. Longbottom.

"Alvo”
“Lembro-me exatamente de quando Hagrid entrou em Hogwarts e sei que ele nunca faria mal nem mesmo a uma mosca. Não ficarei quieta se souber de sua demissão.”

Outra de Andrômeda Tonks, endereçada a ele:

“Hagrid”
“Não se deixe levar por essas acusações levianas. Nós te amamos!”

Hagrid emudeceu. Olhou para Dumbledore que estava sorrindo tranqüilamente. Todas aquelas pessoas estavam o apoiando, pedindo que voltasse. Continuou olhando Dumbledore até que uma batida forte estremeceu toda a cabana. Canino latiu:
— Hagrid! — a voz de Hermione explodiu do lado de fora. — Hagrid, pode parar com isso! Sabemos que você está aí dentro! Ninguém liga a mínima a sua mãe era uma giganta, Hagrid!
Dumbledore sorriu mais radiante que nunca, ao mesmo tempo em que levantava e fazia as cartas sumirem com um aceno displicente da varinha. Hermione continuava a berrar do lado de fora.
— É parece que não sou o único que veio lhe acordar para dizer isso, Hagrid.

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