Mais Forte Que A Morte
_Amanhã, no mesmo horário, farei a viagem novamente. Agora que está tudo
confirmado, de que realmente saiu como planejava e que até o corpo da Srta
Granger demonstrou melhoras, não posso desistir ou deixar para depois.
_Mas, Severus, você mesmo havia falado que não é prudente fazer essa viagem uma
seguida da outra. Como você pretende fazê-la novamente dentro de algumas horas?
_É, eu sei, Alvo. É arriscado, talvez o meu corpo não agüente. Mas tenho certeza
que não sucumbirei numa segunda ou terceira vez. É certo que posso sofrer uma
overdose com a poção, mas, se algo me matar, não será isso. Agora entendo
claramente o porque tal processo é tão arriscado.
_Sim, você falou sobre isso... o tal tratamento rude daquele ‘cobrador’...
_É isso mesmo. Lá só podem permanecer os que estão para embarcar. Só espero que
se encontrar o tal ‘cobrador’ novamente, ele não me reconheça. Mas isso não
importa! O importante é Hermione.
_Fique ciente, filho, que não permitirei que faça além do que seu corpo e
espírito agüentam. Às 15 horas estaremos Papoula e eu em seu dormitório, para
acompanhá-lo nessa experiência. E se notarmos qualquer coisa anormal, o traremos
de volta.
_Eu sei, professor. Está combinado!
*
Na plataforma, vultos esbranquiçados movimentavam-se de um lado para o outro.
Alguns permaneciam parados em pé. Outros esperavam seu embarque pacientemente
sentados.
O trem do retorno havia estacionado na plataforma, se anunciando com um longo
apito. Hermione levantava-se do banco mais uma vez, das inúmeras que já o fizera
desde que recebeu a visita de seu antigo professor Snape. Desta vez, apenas um
vulto entrou no único vagão do trem. Há algum tempo Hermione não via ninguém
embarcar neste trem que levava a pessoa de volta ao mundo que acabava de sair.
Ele estava sempre vazio. Eram vistos pouquíssimos vultos ali. Às vezes, ele
passava completamente deserto, mas sempre parava naquela plataforma e abria suas
portas esperando por seus passageiros. Nem todos embarcavam porque não queriam.
Muitos ali gostariam de retornar, mas não tinham recebido a autorização para
tal. Havia a minoria que poderia embarcar neste trem a hora que quisesse, mas
não o fazia. Estes mesmos prefeririam esperar mais um pouco, decidiam qual
caminho tomariam. Ao contrário deste, o trem que seguia adiante estava sempre
cheio e muitos vultos embarcavam nele. Muitos a contragosto. Muitos apenas
aceitando a viagem. Alguns por que assim escolhiam.
Hermione, até antes de receber aquela visita tão inesperada, tinha a decisão de
embarcar no trem que seguiria adiante, que a levaria a um mundo diferente de
tudo que havia vivido. Mas não conseguia reunir forças para levantar-se de seu
banco e embarcar. Agora, que recebeu tal visita, não queria embarcar em nenhum
trem que fosse, queria ficar ali e esperar para ver se o Prof Snape viria
novamente. É estranho como nessa dimensão neutra ela não conseguia sentir
nenhuma emoção ruim, nenhuma emoção forte. Não que chegasse a detestá-lo, mas
nem de longe simpatizava com ele. Mas agora estava curiosa em saber porque ele
estivera ali. Parecia que ali estava por livre e espontânea vontade. O tempo em
que estiveram juntos foi tão curto que não foi possível formular sua
curiosidade. Quanto tempo ele esteve ali falando com ela? Um, dois minutos? Era
estranho estar num lugar onde o tempo não é medido. E ela, quanto tempo que ela
estava ali? Uma, duas horas? Gostaria que ele viesse novamente visitá-la para
perguntar isso e outras coisas mais... mas será que ele veio mesmo visitá-la, ou
desceu nessa plataforma por engano, já que o cobrador o expulsou dali?
Foi andando vagarosamente em direção à única escadaria da plataforma. Se o Prof
Snape viesse novamente visitá-la, era certo que seria por ali que ele chegaria.
Alguns vultos desciam as escadas, outros circulavam no alto da estação. Um novo
silvo agudo vindo dos trilhos anuncia a chegada de outro trem, desta vez o trem
que partiria para o outro mundo.
O trem pára na plataforma com um apito alto e grave e abre suas portas para
receber seus passageiros. Muitos vultos embarcar no trem já lotado. Por
curiosidade, Hermione, que estava parada aos pés da escadaria, aproxima-se de
uma das portas, parando em frente a ela há apenas um passo de entrar no trem. Há
muito tempo era isso que ela pretendia fazer, mas não conseguia, uma força maior
que a sua a impedia de levantar-se do banco e rumar para o interior daquele
trem. Mas agora que não era a sua intenção, naquele momento, de embarcar
definitivamente naquele trem que a levaria embora de uma vez por todas, ela
conseguia aproximar-se e, se quisesse, poderia entrar.
E por que ela não faria isso, se já estava mais que convencida de que esse era o
melhor caminho a tomar? Livrar-se daquela vida era tudo o que mais queria nos
últimos anos e ali estava ela apenas há um passo de deixar pra trás toda aquela
existência que lhe trouxe tantas dores e amarguras. Mas a sua curiosidade, a
vontade de rever novamente o Prof Snape, era ainda maior que seu desejo de
prosseguir adiante. Queria saber se ele realmente esteve ali por ela, o que o
levara a fazer isso, o que ele tinha a dizer.
Hermione estava tão envolta de seus pensamentos que não percebeu que alguém lhe
chamava e descia às pressas a escadaria. Era inútil, pois mesmo que quisesse,
ela não conseguiria perceber. Havia um estado letárgico naquele lugar que
mantinha todos em estado de serenidade, desligados do que havia em volta.
Snape descia apavorado as escadarias. Hermione estava prestes a embarcar e não
seria mais possível fazer qualquer coisa para trazê-la de volta à vida. Mas no
instante em que pisou na plataforma, entrou em estado letárgico e toda sua
aflição desaparecera por quase completamente. Aproximou-se calmamente de
Hermione, que ainda observava muito atentamente o interior do trem.
Sentiu uma onda de calor como um vento morno aproximando-se de sua esquerda, que
a fez voltar sua atenção para a figura que estava próxima de si. Esboçou um leve
sorriso ao ver que se tratava do Prof Snape.
_Você vai embarcar, Hermione? – apesar do tom frio e sem emoção, os olhos de
Snape traiam seu estado letárgico, demonstrando sua tristeza.
_Não... não agora. Só queria ver como é lá dentro. Estou há muito tempo querendo
embarcar nesse trem, mas nunca conseguia.. e agora, quando não era essa a minha
intenção, consegui me aproximar e poderia até entrar...
O trem fechou suas portas e partiu, desaparecendo no véu negro do túnel
instantaneamente. Hermione acompanhou o movimento até que sumisse
silenciosamente. Snape ainda a olhava com apreensão, sentia o peito apertado. A
sua aflição de quase perder sua amada definitivamente era maior que a letargia
que o envolvia.
_Por que você ainda teima em querer embarcar no trem da ida? Você tem muito que
viver ainda, Srta Granger... há muitas pessoas que a querem de volta...
__Por que iriam me querer de volta, se virei as costas a elas há muitos anos, se
eu abandonei aquele mundo e conseqüentemente essas pessoas?
_Porque essas pessoas a amam, Hermione. Não importa que você tenha tomado um
outro rumo na sua vida, deixando-as para trás. Elas a amam mesmo assim e a
querem bem, viva.
_Desculpe Snape, mas não acredito nisso... só tive o amor incondicional de duas
pessoas em toda a minha vida e elas não estão mais lá... e é por isso que quero
ir, quero reencontrar meus pais...
Aquilo foi como um baque para Snape. Ali estava a verdadeira razão de tudo, de
Hermione ter abandonado o mundo bruxo, de querer seguir adiante para outra vida.
Ela queria reencontrar os pais. Ela queria ter de volta aquele amor
incondicional que apenas eles tinham para com ela.. o que não era verdade. Ele
também a amava incondicionalmente, tanto que estava ali arriscando a própria
vida e desafiando as condições naturais dos fatos. Mas ela não sabia disso e por
sua própria culpa. Se tivesse estado ao lado dela nos seus momentos mais
difíceis, se ele tivesse se aproximado dela, se ele tivesse... droga! Ali estava
o maior de seus erros. Não aproximou-se dela por orgulho, por acomodação, por um
misto de motivos que nada mais era que a covardia de assumir seus sentimentos! E
agora ela estava ali entre a vida e a morte, convencida em seguir o caminho para
além-vida, pois acreditava que lá encontraria seus queridos pais e teria de
volta o amor que não experimentou de outras pessoas. Ela tinha um fortíssimo
argumento, quase impossível uma réplica... mas ele não poderia desistir, não
agora. Precisava usar todas as armas que possuía para convencê-la a retornar.
_Você está cometendo um engano, Hermione... os pais jamais querem que seus
filhos morram, querem que vivam o máximo possível de tempo, sejam felizes... o
que eles sentirão em saber que você poderia retornar e quis seguir adiante por
causa deles?
_Minha felicidade morreu junto com eles, Snape... pra quê insiste tanto nisso? O
senhor sempre me detestou, para quê isso agora? Me deixe seguir em paz, por
favor.
_Eu nunca a detestei, Hermione! Muito pelo contrário. Eu te amo, Hermione,
muito! Se é amor incondicional que quer, é o que terá. Se não o quiser de mim
certamente terá de outras pessoas que a querem de volta. Não desperdice essa
segunda chance que está tendo!
_O senhor?! Isso é impossível.. isso não é verdade... como...
Snape aproxima-se ainda mais de Hermione e segura seu rosto com as duas mãos,
mesmo que não a sentisse mais que uma forte pressão de ar. Sentia que seu tempo
de permanência ali se esgotava e precisava agir com mais vontade. Ele a amava e
amava muito, precisava deixar isso bem claro... talvez não tivesse outra chance
para fazê-lo.
_Eu te amo, Hermione! Estou aqui por sua causa, estou usando magia negra para
isso! Você tem que voltar! Se não for por mim que seja por todos os outros que a
querem bem! Não tenho mais muito tempo, mais uma ou duas vezes e depois passarei
dentro desse maldito trem que você insiste em embarcar.
Sentiu um redemoinho de calor no peito, sentindo que poderia ser capaz de
qualquer coisa. Envolveu a moça em seus braços trazendo-a para junto de seu
corpo. Sentiu como se aquele estado letárgico que dominava o lugar fosse se
dissipando como uma leve fumaça. Hermione apenas observava sem conseguir desviar
seu olhar dos olhos negros que transmitiam um misto de carinho e tristeza. O
calor que a envolvera vinda dele era aconchegante e não queria mais que isso
terminasse. Entregou-se, retribuindo ao abraço.
Lentamente os lábios de Snape encontraram os de Hermione e, ao contrário do que
esperava, encontrou ali textura e calor. Hermione entregou-se completamente ao
beijo, apertando ainda mais Snape em seus braços, como se temesse que ele
evaporasse dali a qualquer instante. Os sentimentos que ali afloraram foram
maiores e mais fortes que qualquer condição que aquele Limbo impunha aos que ali
estavam. Sentiam-se completamente vivos, completamente palpáveis. Era real e
concreto. Ambos jamais haviam sentido-se assim, eram emoções e sentimentos novos
sendo vividos em toda a sua essência. Não havia a corrupção da carne para
bloquear os sentidos...
Era o amor em sua forma mais pura, em sua essência...
Mesmo relutante, Snape cessou o beijo e se afastou um passo de Hermione. Ambos
experimentavam juntos um estado de absoluto nirvana. Havia muito paz ali.
Hermione abriu os olhos que brilhavam intensamente para fitarem um Snape
totalmente diferente do que sempre fora. Seu semblante tranqüilo demonstrava a
felicidade que vinha dentro de si. Mas eles haviam quebrado uma regra natural
daquele lugar e Snape sabia que a sua punição não tardaria a chegar.
Sorrateiramente, surgido do nada, o cobrador aproximou-se e Snape sentiu aqueles
olhos invisíveis invadirem sua alma. Suavemente o cobrador pôs sua mão etérea
sobre a cabeça de Snape e ao contrário de todas as sensações boas que sentiu
naquele momento com Hermione, um grande mal estar muito desagradável tomou conta
de si e sentiu-se como se tivesse sido arremessado com violência de um carro em
alta velocidade.
Com o impacto, enterrou os dedos no colchão de sua cama, temendo ser novamente
arremessado. A respiração ofegante e difícil, travando-lhe a garganta. Estava
suando muito, logo seus cabelos e sua camisa ficaram úmidos. A reação abrupta de
Snape fez Dumbledore e Madame Pomfrey sobressaltarem.
Madame Pomfrey percebeu a taquicardia que acometeu Snape, lançando imediatamente
de sua varinha uma névoa prateada e brilhante, que o envolveu por completo,
fazendo sua pulsação se normalizar aos poucos. A névoa se dissipou aos poucos,
apenas deixando um Snape ainda ofegante na cama que sorria abobado.
Levou as mãos à testa para secar o suor, enterrando os dedos nos próprios
cabelos. Snape sorria extasiante como se fosse um menino. Dumbledore o assistia
com um sorriso maroto nos lábios enquanto Madame Pomfrey parecia irritada com a
boba felicidade do mestre de poções.
_Que bom que esteja feliz, Prof Snape! Não permitirei que faça novamente essa
viagem louca! Saiba que uma próxima vez poderá levá-lo a uma parada cardíaca! –
Pomfrey falava aborrecida enquanto alcançava uma fumegante xícara de chocolate à
Snape.
Snape colocava-se sentado na cama, apoiando-se num dos braços. Ainda um pouco
ofegante esticava a outra mão para pegar a xícara.
_Se isso acontecer, sei que a senhora estará aqui para me ajudar, Pomfrey. –
dizia com um sorriso maroto.
Sentindo-se irritada com o descaso que Snape fazia com a própria saúde, Madame
Pomfrey saia do quarto, maldizendo qualquer coisa inaudível. Alvo a acompanhou
com o olhar até que fechasse a porta atrás de si. Voltou sua atenção à Snape,
logo em seguida.
_Então, filho, como foi dessa vez?
_Foi... maravilhoso.. finalmente consegui externar aquilo que guardava por
tantos anos... ela não se esquivou... ela retribuiu.
Snape estava tão exausto que não conseguia se manter sentado, deitando-se
novamente na cama. Apesar da exaustão, estava feliz. Alvo o fitava com certa
alegria. Temia jamais ver seu querido Mestre de Poções experimentar tal emoção.
O que ele via ali não era um homem maduro, mas um menino que parecia
experimentar a felicidade pela primeira vez. Desdobrou o edredom que estava aos
pés da cama cobrindo Severus até o pescoço, que tentou dizer mais alguma coisa,
mas a voz já não saia com nitidez. Alvo apenas colocou a mão na testa do rapaz,
ainda lhe sorrindo levemente.
_Agora descanse, meu rapaz... voltarei aqui para acordá-lo para o jantar e então
você me conta tudo.
Snape apenas assentiu com a cabeça, fechando os olhos e dormindo
instantaneamente. Viver o amor em sua essência foi o mais sublime de tudo que já
viveu, não haveria como ser diferente. Desta vez acreditava que a convenceria a
retornar. E, talvez, o tempo de viverem juntos essa segunda chance.
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Fim do 10º capítulo - continua
By Snake Eye's - 2004
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