Estranho Artefato Trouxa



Estranho Artefato Trouxa


Os pingos riscaram a janela da cabine quando coloquei os dedos sobre ela. Chovendo, novamente. Tia Cassiopéia costumava dizer que quando setembro começava com chuva, era sinal de tempestade até o fim do ano. Mas nunca ninguém escutou a velha que vivia com gatos. E o motivo de pensar nas palavras dela me era desconhecido.

- Chato, não? – perguntou Narcisa jogando os cabelos dourados para trás.

Bellatrix não respondeu. Quieta. Desde as férias parecia um bicho acuado.

- É. Não gosto de chuva... – disse, e não acreditava que qualquer uma tivesse escutado.

A garoa chata me dava sono. Como uma música, uma canção de ninar.

Logo estaria em Hogwarts novamente, era como inspirar e encher os pulmões com algo maior que ar.

A verdade era que eu mal consegui suportar Evan durante as férias, e não era por algum motivo em especial, mas por pequenas coisas que me irritavam. Desde manias até mesmo ao pouquíssimo sotaque que tinha.

Sim, porque para alguém que tinha morado a vida inteira na França, ele deveria pelo menos enrolar nos “erres”. Até mesmo mamãe que morava na Inglaterra há anos costumava esbarrar nos “erres”, ou falar francês quando ficava nervosa. Narcisa tinha mais sotaque que ele!

E por que aquilo me importunava? Não sei.

Ele falava pouco, e quando fazia era para dirigir-me comentários que, mesmo não sendo, soavam mordazes e dissimulados.

O que era estranho, porque Bellatrix, Rodolfo e até mesmo Rabastan e Narcisa costumavam falar daquela maneira, e nunca antes me importara. Não muito. Mas a voz dele parecia aguda demais para os meus ouvidos.

Não gostava dele.

Era a primeira vez que me sentia desconfortável na minha própria casa.

E por isso o ar de Hogwarts me faria bem. Não me sentiria sufocada lá. Mesmo com a chuva que eu detestava...


- Andy, você não tem que ir ao vagão dos monitores? – a voz de Narcisa sussurrada despertou-me.

E logo entendi porque ela cochichava. Bella também dormia, e qualquer um com pouco juízo que tivesse sabia que não era inteligente agüentar uma Bellatrix de mau-humor.

Mesmo de olhos cerrados continuava com a expressão sisuda. Uma curiosidade de saber exatamente o que estava acontecendo era a única coisa que incomodava meu cérebro.

- Eu também não sei. Ela não disse, faz meses que não fala nada... – disse Cisa lendo a pergunta que mentalmente fazia.

- O que você acha que é?

Ela deu de ombros e mordeu os lábios preocupada.

Narcisa poderia não saber, mas com certeza tinha suas desconfianças. E o fato de não dividir comigo suas dúvidas só tinha um motivo, era pudica demais. O que significava que o que quer que fosse, era preocupante.

Preocupante para a honra da família, pois era o único tipo de apreensão que Narcisa se dignava a esconder. Principalmente de mim.


- Andrômeda...

- Com licença Professor Slughorn. – respondi com uma voz envergonhada.

Atrasada. Todos os monitores já estavam lá.

- Venha, filha, sente-se aqui.

Segui seu gesto ainda escutando alguns burburinhos incômodos. Grifinórios se tivessem me perguntado.

Foi com um suspiro cansado que percebi Travers meu companheiro de monitoria. Dirigiu-me uma saudação sóbria e quase igualmente ignóbil.

Não seria realmente difícil ser monitora, teria que organizar mais meu tempo.

Só um par de olhos verdes me distraia enquanto Slug olhava o relógio a cada dois minutos. Ted também era monitor. Fez um aceno tão discreto que acho que fui a única a interpretar que era realmente um aceno.

Algo cutucou suas costelas e ele riu. Senti minhas mãos perderem a sensibilidade quando percebi que a monitora da Corvinal não era Joey. Era a única pessoa que fazia Ted Tonks rir quando cutucava as costelas.

- Bom, acho que está bem entendido...

Slughorn explicou tudo o mais rápido possível, distribuiu as tarefas e rapidamente dispensou os alunos. E todos sabia o porquê. Era hora do Clube do Slug, e ele não iria deixar meia dúzia de importantes pelos monitores desinteressantes.

As aulas do dia seguinte foram exaustivas. História da Magia decididamente não era a melhor opção para uma segunda-feita de manhã. E a chuva costumava tornar tudo ainda mais inoportuno. Herbologia era a última matéria do dia, e foi exatamente quando reclamando mentalmente, a chuva se transformou de garoa para tempestade. Ventava tanto que as estufas por pouco continuavam no chão, mas o professor (Jim Jefferson) não estava exatamente interessado se a tempestade estava quase arrastando as bases, os malditos NOM’s e aquelas plantas horrendas (mandrágoras, novamente) eram mais importantes.

Cheguei às masmorras com as botas repletas de barro, esse que se estendia até o joelho, a capa encharcada pesava quilos nas minhas costas. A vontade de jantar esvaindo-se a cada passo que chegava do dormitório.

- Deus do céu, Andrômeda, onde você esteve?

- Precisamente? No fundo do Lago, com a Lula Gigante... Excelente companheira de estudos, aliás. O que parece, Bellatrix?

- O que parece não importa. Encontrei Amos Diggory quando saia da aula de Aritmancia, ele pediu para que você o encontrasse no corredor da sala de troféus. – respondeu sentando-se no sofá desinteressadamente.

- Amos? Amos Diggory? – perguntou Narcisa ansiosa atrás de Bellatrix.

- Não se anime Cisa...

- Você não vai jantar? – continuou ela quando tomei novamente o caminho da porta.

- Sem fome.

- E vai encontrar Amos Diggory desse jeito? – escutei ela dizer escandalizada.

Não respondi.

Voltei a andar pelos corredores, e o vento não estava ajudando. Gelado. Depois de passar pelo Salão Principal lembrei-me de que deveria ter, ao menos, despido a capa.

“Dane-se”

Eu que não ia voltar. E era bom que o que quer que Amos tivesse a falar fosse importante, e rápido. E que fosse sobre Joey, de preferência pedindo desculpas. Pois parou de me mandar cartas desde a minha festa, era incrível que alguém que se dizia tão inteligente não conseguisse entender as circunstâncias em que fui obrigada a mandá-los embora.

O dia que já estava cinzento desde o amanhecer tornara-se definitivamente escuro, tal qual noite. Além dos archotes, os raios ajudavam a iluminar o caminho.

- Srta. Black.

- Tonks, eu juro que não estou de bom...

- Você está horrível.

- ... humor. Onde está Amos?

- Jantando, eu presumo. Eu pedi para que ele falasse com a sua irmã, acho que é meio óbvio por que, não?

Claro. Evidentemente Bellatrix acabaria com ele. Fechei os olhos por um instante e imaginei algo muito bom. Como uma sopa bem quente, algo que me fizesse lembrar o quanto Ted Tonks tinha me ajudado no ano anterior...

- O quê?

- Vou ser direto, preciso de ajuda. – um clarão iluminou suas feições exatamente quando ele terminou de falar. Ted Tonks contrariado.

- Você precisa de ajuda? Da minha ajuda? Você está pedindo a minha ajuda?

- Se você continuar repetindo não vamos chegar a lugar nenhum.

Era impossível não saborear aquele momento em silêncio. Era boa a sensação, ótima. Sabia que ele não estava mentindo, não com os olhos verdes insatisfeitos daquela maneira.

- Em que posso ser útil?

- Runas Antigas. – e fechou os olhos cansado.

Cruzei os braços, e aquela roupa encharcada já não incomodava tanto. Nem a chuva. Tonks cruzou os dele também, franziu o cenho e inspirou profundamente.

- Desculpe, se você está querendo que eu pratique a arte da Adivinhação, vou lhe adiantar que não faço essa matéria. Nem pretendo, então seria muito menos constrangedor se você disse de uma vez.

Meu ânimo foi por água abaixo quando entendi que ele estava cobrando um favor. Claro. Ele não tinha feito tudo aquilo no ano anterior por livre e espontânea vontade de me ajudar. Ted Tonks era o tipo de pessoa que cobrava favores.

- Acho que sim. Não tem problema... Só acho que você poderia procurar pessoas mais velhas, do sexto ou sétimo ano...

- Eu tentei.

- Tudo bem então... – não consegui esconder meu desânimo. Era tão raro estar em vantagem com relação a Ted Tonks que nem aproveitar a ocasião conseguia.

- Domingo na biblioteca?

- E minha irmã iria me matar. Sala 22, e por que não sábado?

- Quadribol!

- Ah... Claro.

§*§*§

O som agudo e continuou do despertador acordou-me. Sete horas. Escutei Annabel resmungar e jogar o travesseiro contra minha cômoda. Não reclamei, faria a mesma coisa se um despertador soasse indesejadamente em pleno domingo.

Olhei pela janela deprimida, uma chuva fina borrava o horizonte. Grande novidade.

Ainda relutante levantei e dirigi-me ao banheiro.

Sem surpresa constatei que a sala comunal estava vazia, a não ser por longos e sedosos cabelos negros no sofá. Bella.

- Bom dia. – disse abatida. – O que faz acordada uma hora dessas?

- Estudar, vou à biblioteca. E você?

- Lendo. – respondeu mostrando um livro grosso de capa de couro, tão antigo que conseguia sentir o cheiro agridoce de mofo.

Fitei os olhos de Bellatrix e percebi-os foscos, a pele amarelada, longas olheiras, o rosto mais magro e a boca pálida.

- Está tudo bem com você?

Ela colocou o livro de lado, mas não me olhou. Encarava a lareira com os olhos desfocados, distantes. Era muito incomum ver Bellatrix quieta, costumava ser uma criança agitada e impaciente, vê-la calma era quase impossível.

- O velho pegou a gente nas férias, não é?

Fiz que sim com a cabeça, mas ela continuava a olhar a lareira com um sorriso estranho nos lábios. Triste.

- É sobre Rodolfo?

Ela cruzou os braços e uma mecha do seu cabelo caiu sobre seus olhos. Com uma voz dura e sem emoção voltou a falar:

- Talvez você devesse se apressar...

Entendi aquilo como assunto encerrado. Bellatrix não queria falar, conhecendo-a como conhecia sabia que seria irredutível.


Percebi uma claridade recente abordar os livros e pergaminhos estendidos em cima da mesa. Àquela sombra não precisei virar meu rosto.
- Bom dia. – disse ele sonolento

- Bom dia, Tonks. Está atrasado.

- Não, você está adiantada. Desculpe se sou um ser em formação e preciso me alimentar vez ou outra. – respondeu colocando a mochila à minha frente. – Não tomou café?

- Sem fome. – aquela frase estava se tornando realmente muito comum.

Ele deu de ombros e puxou a cadeira. Estralou os dedos e com um sorriso muito raro de se ver em um domingo de manhã disse:

- Por onde começamos?

- Quem sabe se você me dissesse no que exatamente tem dificuldade. – encarei-o séria colocando de lado as minhas anotações de Transfiguração.

- Basicamente tudo. Quer dizer, não tudo, mas acho que acumulei as deficiências desses dois anos, de modo que precisaria revisar tudo. Claro, se você tiver a bondade de me ajudar.

- Ok. Acho que posso.

E peguei o maço de pergaminhos correspondentes ao primeiro ano. Era muita coisa, muita mesmo. Sempre pedi ao professor McTavish lições extras, indicações de livros e dicionários, felizmente estava tudo documentado, catalogado e organizado.

- De onde surgiu tudo isso?

- Lições extras.

Ainda boquiaberto murmurou um “Ahn...” pouco antes de tirar da mala alguns pergaminhos amassados e algumas folhas listradas, penas, tinteiros e um pedacinho de madeira com a ponta preta. A mala de Tonks era, literalmente, um caos. Pude perceber que ele anotava coisas de Poções junto com um mapa de Astronomia, Runas Antigas se misturava com Feitiços e Transfiguração. Não era de se admirar que tivesse dificuldade em estudar a matéria.

- Por que você faz isso? Com essa salada de informações é claro que não vai entender nada...

- É que, às vezes, durante uma aula ou outra eu lembro de alguma coisa, por exemplo, essa de Poções. – e mostrou uma folha toda desenhada e rabiscada. – Provavelmente o gordo estava falando sobre alguma coisa inútil, ou puxando o saco de gente importante, e ao invés de desperdiçar meu tempo escutando esse tipo de baboseiras, fiz algumas anotações da última aula de Astronomia. E coloquei nessa folha porque é preciso esperar o ciclo certo das posições das estrelas para preparar a poção... Logo fica bem mais fácil fazer com essas informações extras.

- Seria se não estivessem erradas. – respondi erguendo as sobrancelhas. – Arcturus definitivamente não fica na constelação de Câncer, e sim na de Bootes. É uma estrela alaranjada e muito fácil de encontrar, faz um triângulo com Spica e Denebola.

- Hein? Ah... Você tem certeza?

- Existem muitos Arcturus na minha família, acredite, eu sei do que estou falando...

Ele deu de ombros, tomou a folha da minha mão e franzindo o cenho tornou a analisar o mapa.

- ‘Brigado Black... – e pegou um objeto branco e friccionando contra o papel apagou o que estava escrito, com o artefato de madeira escreveu fraquinho em cima.

Lutando contra a curiosidade de perguntar o que se tratava retomei minhas anotações.

- Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as runas não são algum tipo de escrita céltica, Até mesmo porque os celtas não possuíam uma língua escrita. Existem documentos que provam que as runas são uma espécie de “língua germânica primitiva”, era usada pelos escandinavos e saxões. Você pode perceber que elas são letras facetadas e angulosas, isso porque eram feitas para ser gravadas com faca em pedra ou metal, e eram curtas, geralmente algumas poucas letras que indicavam somente o que for extremamente necessário... ¹
[...]

- Chega. Agora chega. Eu juro que não consigo escutar mais nada sobre Runas Antigas! – disse ele estirando os pés sobre a mesa.

- Certo. Eu também. Ainda tenho os relatórios da monitoria... – respondi enquanto arrumava meus pergaminhos em ordem.

Ted fazia o mesmo, ou parecido. Jogava as anotações de qualquer jeito, papéis amassados, livros, penas e aquele estranho objeto de madeira.

Durante toda a manhã o vi escrever com aquilo em algumas folhas brancas e listradas, produzia um traço bem fraco, diferente da pena, e vez ou outra era apagado não pela varinha, mas pelo outro artefato branco.

- Ei, eu não perguntei... Como terminou a confusão da sua festa?

- Ah... foi Sirius, meu outro primo. Ele fez uma “Poção do Sono” e deu para Evan beber minutos antes da valsa. Meu tio descobriu, acredito que ele esteja de castigo até hoje. – e sem perceber já estava rindo, Ted também.

- Família animada a sua. – falou colocando a mala em cima da mesa, visivelmente judiada pelos livros.

- Ah sim... Sirius da trabalho de vez em quando.

- Sirius, Bellatrix... Todos têm nomes de...

- ... estrelas. Geralmente. Ou relacionado, como constelações: o meu, do meu pai “Cygnus”, meu outro tio “Órion”. Existem exceções como Narcisa...

Ele desviou os olhos para baixo e riu-se.

- Sua família é bem tradicional.

- Bastante.

E jogando a mala nas costas dirigiu-se à porta

- A gente se esbarra por aí...

Supondo que esse fosse a habitual saudação de despedida de Tonks murmurei um “aham”, e terminei de guardar meus livros.

§*§*§

E logo era domingo novamente...

Tornou-se costume meu chegar sempre antes que Tonks. Precisava aproveitar qualquer minuto extra para colocar meus deveres de Transfiguração em dia, o que não era tarefa fácil. Precisei desistir do “Clube de Duelos” e das festinhas do “Clube do Slug”. Não que tivesse sido realmente um a pena, nunca fui uma excelente duelista e o único motivo de freqüentar as reuniões particulares do Professor Slughorn era puramente por obrigação, ao rever minhas prioridades não foi difícil perceber que teria que abrir mão de certos comprometimentos.

- Bom Dia!

- Bom Dia. Está atrasado novamente, Tonks. – respondi sem tirar os olhos dos meus pergaminhos.

- Não. Não estou. – respondeu com um sorriso despreocupado.

Alguns anos de convivência com o Sr. Tonks me ensinaram que introduzir uma discussão iniciada por um assunto banal, era o palco para um desfile de coisas que não estaria interessada em escutar, e geralmente culminava em uma briga desnecessária.

Relevei. Mesmo sabendo que ele tinha o inoportuno hábito de nunca chegar no horário marcado, isso não me irritava tão profundamente, dando-me tempo de rever a matéria da semana, enquanto ele se dispunha no Salão Principal.

- Que está fazendo? – perguntou aproximando ligeiramente o rosto até as minhas anotações.

- Estudando Transfiguração.

- Entendo, mas Transfiguração é uma matéria essencialmente prática. A teoria ajuda, mas definitivamente não é tudo... – disse puxando um dos pergaminhos da longa pilha em cima do livro.

- É, seu sei... – respondi o mais secamente que consegui tomando o pergaminho de suas mãos e colocando junto aos demais, pouco antes de afastá-los para o lado.

Sentou-se em cima da mesa e colocou a mala na distância faltante entre meu cotovelo e sua mão direita.

- Eu poderia ajudar, não é algo que eu goste de demonstrar, mas tenho certa facilidade com a matéria...

- Está me oferecendo ajuda?

- Só se você estiver pedindo.

E talvez eu estivesse mesmo pedindo. Que mal faria em aceitar? Podendo melhorar meu desempenho na matéria, minha consciência ficaria tranqüila, e não haveria mais motivos para meu que meu pai tivesse vergonha de mim.

Sábados e domingos das oito (oito e trinta na visão de Tonks) até o meio dia. E nas tardes quando os deveres da monitoria não ocupavam a maior parte do tempo, ou quando haviam jogos e treinos de Quadribol.

E Ted Tonks não se mostrava afinal uma companhia tão insípida quanto originalmente se apresentava. Tinha decerto um senso de humor muito peculiar, e sarcástico por muitas vezes, mas era um bom professor. Não era algo que admitiria publicamente, mas ele realmente entendia do assunto. Para um “sangue-ruim” ele era extremamente mais talentoso que eu. No entanto quando o assunto era Runas, esse sim eu tinha plena convicção que era substancialmente superior, não apenas por favorecimento do Professor McTavish – como ele costumava praguejar - mas pela facilidade em idiomas, preparação que sempre tive em casa.

Ao longo do tempo, descobri certas peculiaridades a seu respeito. Pequenos tiques, e manias, além dos objetos estranhos que usava para estudar.
Estralava os dedos e os braços com uma freqüência irritante, tanto que no início cheguei a reclamar duas ou três vezes daquele som insuportável, mas dado a sua inconsciência do fato, percebi ser realmente impossível controlar. E por fim acabei por me acostumar.

Mas tinha um artefato que ele usava constantemente e que eu ainda não sabia o que era. Dois na realidade, e era perceptível que um dependia do outro e que os dois sozinhos se anulavam. Um dia tomada de um tom que julguei ser o mais despreocupado que possuía, para que ele não se dedicasse relevada importância, finalmente resolvi perguntar do que se tratava.

- Tonks, o que é isso? – perguntei indicando sua mão.

- A minha mão direita... – respondeu mecanicamente

- Não, isso que você está segurando. Do que se trata?

- Isso? – repetiu confuso ao levantar o objeto – Você não sabe o que é isso?

- Se eu soubesse não estaria perguntando.

Ele sorriu e estralou os dedos, inclinou a cadeira para trás orgulhoso e impertinente antes de voltar a falar-me.

- Isso, Black, é uma das maiores invenções trouxas.

Estreitei os olhos descrente, um pedaço de madeira de pouco mais de dez centímetros a melhor invenção trouxa? Então Bellatrix tinha mesmo razão em colocá-los abaixo de nós na cadeia alimentar...

Bufei e revirei os olhos cruzando os braços.

- É verdade. Isto é um lápis!

- E qual é a propriedade tão fascinante do lápis?

- Dele e da borracha – disse mostrando o objeto branco. – O lápis não é nada sem a borracha. Vamos imaginar que você é uma escritora famosa, e está escrevendo um conto sobre um cachorro...

- Por que um cachorro?

- Que seja um gato, não tem importância. – reclamou impaciente – E você está escrevendo sobre um gato, e resolve que ele deve morrer de tuberculose...

- Gatos não têm tuberculose.

Tonks fechou os olhos impaciente, olhou-me irritado o que eu entendi que minhas interrupções não eram só impertinentes, como também completamente inúteis.

- Pois é isso que você acaba de perceber quando está escrevendo, gatos não têm tuberculose... Então você pega a borracha e apaga a palavra “tuberculose” e escreve qualquer outro tipo de doença que gatos tenham.

Arrumando uma mecha do meu cabelo revirei os olhos. Então era isso o que o tão fantástico par fazia. Escrevia e apagava. Simples. Tão simples que poderia ser feito pela varinha, escrever com a pena e apagar com a varinha.

- Tonks, isso pode perfeitamente ser feito com...

- É, eu sei. Mas primeiro, os trouxa não tem varinha, então é preciso dar créditos a eles. Segundo, eu acho extremamente desnecessário usar magia quando não precisa, é um desperdício de energia, energia essa que você pode usar para matérias como... Transfiguração – e senti um toque de indignação e insolência na resposta.

Apesar de contrariada, não tinha como não pensar que ele era coerente.

- Ok. Entendi.

- O lápis e a borracha servem para mudar os rumos de uma história... – acrescentou presunçoso.

Que ele havia exagerado era evidente, mas ele era Ted Tonks, e Ted Tonks costumava vangloria suas origens. Normal. Mas realmente, eu havia gostado do lápis.

Um dia, depois que ele saiu, eu estava arrumando meus pergaminhos quando fui pegar um que havia caído no chão e percebi que o lápis de Tonks estava embaixo da mesa. Sem pensar duas vezes guardei-o na minha mala com a intenção de entregá-lo assim que tivesse oportunidade, e apesar de ver o dono do lápis duas vezes por semana eu achei melhor esperar até domingo, sábado era dia de jogo de Quadribol.

Ou pelo menos era essa a desculpa que eu tinha arrumado, quando na verdade eu queria ter tempo para usar o tal lápis.

Não era uma coisa tão abominável assim, no final das contas o máximo que ele teria que fazer era se comportar como um bruxo comum, e apagar as coisas erradas com a varinha.

O tal lápis era confortável de escrever, bem mais que a pena, o que me fazia entender a preferência de Ted Tonks à pena. Fiquei absolutamente tentada em não devolver o objeto ao dono, entretanto, na sexta feira de noite quando fazia minhas leituras, aboletada em meus cobertores, a ponta do lápis quebrou enquanto eu fazia pequenas anotações nas bordas.

Meu estômago sofreu uma leve queda, de uns trinta ou quarenta metros, e minha percepção ficou alterada quando percebi que tinha inutilizado o lápis de Ted Tonks. Hiperventilação outra vez enquanto tentava colocar meus pensamentos no lugar, milhares de soluções absurdas brotavam na minha mente sem que nenhuma me parecesse coerente. O fato era que eu não tinha a menor idéia de como lidar com artefatos trouxas, principalmente sem que Tonks percebesse algo diferente.

Foi uma noite horrível, nos pequenos cochilos que tirava, imaginava o dono gritando aos quatro ventos, dizendo que eu tinha estragado seu precioso lápis.

“...uma das maiores invenções trouxas!” escutava-o gritar até que o
despertador me acordou na sóbria manhã de domingo.

Aquele dia resolvi abrir uma exceção e passar pelo Salão Principal, a princípio para tomar café da manhã, mas na verdade queria analisar o ânimo dos corvinais a respeito do jogo do dia anterior contra a Lufa-Lufa.

Tomando por base os barulhentos quintanistas da Corvinal e a mesa silenciosa dos lufos, um mínimo de esperança brotou no meu pulmão ao ver Joey e Tonks distribuindo pequenos socos nos braços de Amos na mesa da Lufa-Lufa.

Talvez ele não ficasse tão bravo.

Joey viu-me e fez um discreto aceno com a cabeça, completamente estranho à sua natureza. Era assim que ela andava agindo comigo desde a minha fatídica festa, ainda dividíamos a mesma carteira nas aulas de Transfiguração, mas nos falávamos quando era indispensável.

- Bom dia! – disse ele mais animado do que o de costume quando chegou à sala.

Nada no mundo faria com que chegasse no horário, especialmente depois de uma vitória do Quadribol. Murmurei alguma coisa para disfarçar meu nervoso, ele sentou na minha frente com um sorriso tão grande quanto a musculatura do rosto tornava possível.

- O que?

- Ganhamos ontem! – respondeu socando o tampo da mesa

- Meus parabéns.

E foi aí que acredito que ele notou algo realmente diferente em Andrômeda Black, porque eu mesma estava achando difícil esconder a inquietação.

- Como?

- Estou lhe dando os parabéns, Tonks. Eu soube da vitória, e segundo meus companheiros de casa a sua atuação foi particularmente notável, e acredite que eles não diriam isso a não ser que estivessem realmente surpresos. – respondi à cerca dos comentários que escutei na mesa pela manhã.

Ele cruzou os braços e olhou-me visivelmente confuso.

- Obrigado. – disse depois de algum tempo.

Vendo que se demorasse mais tempo para dizer que tinha estragado o seu precioso tesouro poderia ser pior, achei melhor aproveitar o seu estado e devolver seu lápis.

- Eu achei semana passada debaixo da mesa, e não tive oportunidade de entregar antes. Eu... eu... acho que sem querer estraguei ele, me desculpe... e se houver alguma coisa que puder fazer... – senti o sangue aflorar no meu rosto e minha mão estendida com o lápis tremer mais que deveria enquanto encarava firmemente meus pergaminhos.

- Ah... Sem problemas. Eu já estava usando outro mesmo. – disse mostrando uma coleção de lápis, todos de cores e desenhos diferentes. – Mas obrigado.

- Realmente, é muito confortável usar lápis, melhor que a pena.

- Você quer? – perguntou colocando-o na minha frente.

- Não vai fazer falta para você?

- Não...

Mordi os lábios até senti-los sangrar.

Por que não?

- Se não for fazer falta. – disse dirigindo-me em um tom de agradecimento que esperava que ele percebesse.

- Não, tenho outros. Aliás, vou fazer melhor. Vou lhe dar esse que você achou, um novo para quando precisar, uma borracha e uma apontador, porque você não vai conseguir usá-lo com a ponta quebrada.

Eu sorri. Não esperava que agisse dessa maneira.

- Obrigada. – respondi pegando os presentes. De alguma forma estava me sentido estranhamente feliz.

- Viu. Aposto que não sou tão ruim quanto você pensava. – riu-se da minha expressão.

- Não, não é mesmo.

- E eu deveria tirar uma foto. Quase nunca vejo você sorrir. Deveria fazer mais vezes, sabe? Praticar um pouco. Seu rosto não vai ficar deformado se fizer com mais freqüência.



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N/a: Nossa... a Tia Lara ficou com um sorriso tal qual Ted Tonks depois de ganhar o jogo contra os lufos...
Vocês são realmente muito bondosas caríssimas leitoras.
Eu não gostei do último capítulo, travei geral quando tive que escrevê-lo, por isso espero imensamente que não fiquem iradas comigo por não continuar com a festa...
;D
Já esse eu gostei de escrever, principalmente a parte do lápis. Espero que aproveitem!
\o\

¹ peguei muitas inforações sobre runas em um livro de literatura inglesa, mas contrariando minha professora de Métodos e Técnicas de Pesquisa esqueci de anotar dados trivia como autor, ano e o nome... O livro era de um amigo meu e precisei devolver, mas assim que as aulas voltarem eu empresto o livro outra vez e coloco a referencia para os interessados.
[é um livro tecnicos sobre aulas de um professor sobre literatura Inglesa, então acho interessante para quem gosta da área]

Obrigada: Morgana Black, Camila, Sally Owens, joy malfoy e Charlotte Ravenclaw.
E também à Alex Black, que apesar de ainda não ter lido e revisado (como de costume) sempre me ajudou muito!
Em off: [espero que esteja curtindo suas férias moça!]
Beijos para todas (os) [sei lá se tem algum senhor lendo, mas por via das dúvidas...]

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