Confiança

_ Menino-lobo, por que você está triste?
_ Porque amanhã começa a lua cheia...
_ Ela vem todos os meses... - levantou os ombros.
_ É a última antes das férias...
_ E...? Não acredito que você está com medo de não passar nos exames? Você é neurótico, Remus!
_ Olha, bem que eu podia estar nervoso... Não é fácil virar lobisomem e fazer provas escolares, sabia?
_ Eu também tenho um monte de coisas para fazer e nem por isso...
_ Ah! Quem sabe agora, nesse clima a senhora possa revelar esse seu segredo tão bem guardado... O que é que você tem tanto para fazer?
_ Não mude de assunto! Eu perguntei por que você está triste... - ela levantou apressada dando as costas para ele.
_ Ah não! Não vai fugir de novo... - levantou atrás dela - Vamos, Selena! Eu quero saber... Não é justo você saber meus segredos e eu não conhecer os seus...
_ Opa! Eu gostaria de lembrar que o senhor está aqui porque eu o chantagiei... Ou seja, eu posso tudo, você não pode nada... - ela ria.
_ Você não vai voltar com isso agora, vai? Será que ainda não conquistei sua confiança? - ele a segurou pelos ombros enquanto Selena apenas olhava para o chão.
_ A questão não é essa, Remus! - continuava olhando para o chão - Eu não quero envolve-lo...
_ Me envolver, Sel? - a soltou e virou a deixando livre para partir na hora que quisesse - Você é a pessoa que mais me conhece nesse mundo... Eu te envolvi em todos os meus problemas... - ele começou a voltar para o castelo - E tudo que eu queria era conhecer ao menos um ou dois dos seus...
Selena sentiu uma dor no coração. Sentia isso toda vez que ele se decepcionava com ela. Não queria que ele fosse. Ainda era cedo e era a última vez antes das férias em que se falariam. Eles não conversavam pela manhã. Selena não gostava dos amigos de Remus, muito menos eles gostavam dela.
_ Espere!
Lupin parou mas não fez movimento de voltar apesar de todo seu corpo querer que ele fizesse isso. Esperava um bom motivo.
_ Eu troco uma verdade pela outra...
_ ...
_ Você me diz um segredo seu e eu conto um meu... Só respondo se você concordar em responder a minha pergunta....
Ele virou. Era um trato justo. E não havia mais segredos para ela. Concordou com a cabeça.
_ Tudo bem, então... - ela começou a respirar ofegante - Eu respondo se você responder a minha pergunta... - Parou e fechou os olhos - Quem é a menina por quem você está apaixonado?
Remus ficou vermelho. Como ela sabia que ele estava apaixonado. Será que sabia que era por ela? Como? Ele não ia admitir. Virou e foi embora, sem respostas.
_ Não vai, Remus, por favor... Você não precisa me responder...
_ Vai ser sempre assim, não vai?


Estava furioso aquela noite. Quebrara tudo o quanto vira. Seus dedos sangravam quando a aurora chegou. A solidão o corroía por dentro assim como a dor.
Voltara a ser uma fera. Mas dessa vez esteve humanamente consciente. Fizera o que qualquer um faria diante de tanto sofrimento no coração, extravasara a raiva, a dor e a saudade.
Sozinho, continuava só. Ficou deitado, abraçando a si mesmo naquele chão frio, a vista embaçada com as lágrimas que rolavam sem permissão, observava o nascimento de um novo dia, com novas esperanças e um monte de coisas para fazer. Ele, continuaria só, mas pelo menos restavam as lembranças de um tempo em que não fora assim.


_ Selena? - assustou-se ao vê-la sentar-se na mesa da Grifnória.
_ Hiiiiiiiiiiiiiii... Lá vem pepino!
_ Cala a boca, Sirius! - Tiago cutucou o amigo e permaneceu sentado do jeito que estava, comendo um pedaço de pão.
_ A senhorita Encrenca chegou!
_ Pedro, Sirius, será que vocês não podem ser um pouco mais compreensíveis?
_ Vamos, Selena, vamos conversar... Se é que você tem algo para me dizer... - Remus levantou da mesa.


_ E então, Selena?
_ Não acredito que você ficou chateado comigo...
_ Por que eu estaria, hein? Só porque além de me espionar a ponto de saber o que eu só falo com meus amigos mais chegados, você não me conta nada sobre você...
_ Desculpe... Eu... Eu não sou sua amiga mais chegada?
_ Eu só falei sobre essa garota uma vez com Pedro, Sel... E você já sabe? Que droga! Tem coisas que eu não quero falar com você...- jogou os livros no chão e sentou se encostando no grande teixo que ficava mais próximo do lago - Eu juro que não te entendo... Se você não quer segredos, por que não me fala de você? E se quer... Por que você me espiona...?
_ Eu gosto de você, Remus...
_ Eu também gosto muito de você, Sel... Mas assim não vai dar... - ele se abraçou com as próprias pernas - Cansei desse joguinho! Eu não sou espião. Se para saber mais de você vou Ter que te seguir, te espiar, me disfarçar, entrevistar as pessoas com quem você convive... Eu não sou assim, Sel...
_ É por isso que eu gosto de você, Remus!
_ Mas não confia em mim...
_ Eu... Eu...
_ Tá bom, Sel! Você tem seus problemas... Embora eu não saiba quais...
_ Detesto quando você faz essa cara... - deu um sorriso triste.
_ Eu não quero mais brincar... Acho que já paguei o seu preço... Não vou mais me encontrar com você...
Ela ficou tão chocada que parou.
_ Quem decide isso sou eu! - falou com o sangue fervendo em suas veias, estava desesperada. Não queria que parassem de se encontrar. E não era seu costume ser contrariada.
_ É... Eu posso até ir, Sel... Você sabe que me tem nas mãos... Mas não vou falar uma palavra.
_ Remus, eu não quero nem nunca quis brigar com você... Eu só preciso de mais tempo...
_ Tá... Enquanto isso vai se divertindo em chafurdar minha vida...
_ Eu não tenho... Eu não queria... Foi um acidente!
_ Basta, Sel! Eu já vou... Sei que é sempre um acidente, você ouve por acaso.... - Ele estava sendo sarcástico o que provava o quanto ela o havia magoado com todos aqueles mistérios - Quer saber: preciso confiar em você, e principalmente, preciso que você confie em mim.
Ele juntou os livros mesmo com os pedidos dela para sentar e conversar, limpou as vestes e seguiu o seu caminho.
_ Você quer uma prova de confiança, Remus... Eu vou te dar a prova de confiança... Esta noite! - Ela gritou, mas nunca soube se ele ouviu ou não.


Quando eu, pessoalmente, descobri que Selena se transformava em serpente, fiquei aterrorizado. Como todo bruxinho bobo, eu não sabia que existiam animagos que não fossem registrados, e que eles eram de certa forma comuns ao ponto de uma colega minha ser uma.
Eu estava no sétimo ano e ela veio pedir minha ajuda. Ela veio pedir a minha ajuda! Não acredito nisso até hoje. Lógico que nessa época eu já estava perdidamente apaixonado. Faria qualquer coisa por ela, por um instante da sua atenção.
Perdi as contas de quantas vezes eu tentei... Ela nunca me deu bola. Mas sabia que eu faria o que pedisse e sem muitas perguntas.
Por que ela confiava em mim? Longa história...
Eu ia cair no mesmo erro dos outros, eu a estava seguindo por todos os lugares. Deixando bilhetinhos nos seus livros favoritos na biblioteca. Colocando flores pelo seu caminho quando ninguém sabia que ela ia por ali. Enfim, quis mostrar interesse.
Tudo que ela mais detestava era que a seguissem. Mesmo um garoto estabanado como eu fui, se continuasse a persegui-la, ia acabar descobrindo coisas que eu só vim saber muitos anos depois, e porque a própria Selena me disse.
Uma das coisas que ela me contou foi como e por que deixou os rapazes interessados nela com medo. Eles faziam o que eu fiz no princípio, eles a seguiam. Dava mais trabalho despistá-los do que encontrar o que queria: A câmara Secreta.
Como estava perdendo muito tempo. Tirou um por um do seu caminho. Depois que a fama pegou, não precisou mais afastar ninguém porque eles simplesmente não se aproximavam.
Eu quase entrei nessa, mas Selena usou outra tática comigo, acho que ela já sabia que eu seria útil. Certa vez, eu a estava observando de longe enquanto almoçava, fez sinal para que eu sentasse junto a ela e falou, eu quase morri:
_ Se você gosta mesmo de mim, pare de me seguir.
Foi assim, sem muitas delongas. Ela falou, eu obedeci. Como faria sempre. Mas desde então ela me cumprimentava no corredor com um sorriso e às vezes almoçava ou jantava do meu lado.
Nós conversávamos... Para mim era suficiente. Aprendi a não fazer perguntas nem muito menos esperar respostas.


Naquela noite não destruiu muita coisa, estava triste, quase um lobo doente. Só quis uivar para a lua.
Na cabeça ainda estava a conversa com Selena. Quem era ele afinal para falar de confiança? Ele que ainda não contara aos melhores amigos do mundo que era lobisomem.
Fora severo demais com ela.
Mas haviam outros motivos. Ele quis se afastar. Estava apaixonado. Não era justo condenar outra pessoa à maldição que ele carregava. Selena não merecia. E bem no fundo, ele sabia que ela também o amava.
Remus também conhecia alguns segredos de Selena, não que ela os contasse, ele era quem os lia nos olhos intensos dela.
Ficou lá observando a lua pela sua minúscula janelinha. Estava tão cheia, tão completa, como ele provavelmente nunca conseguiria ser. Percebeu que na raiz mais próxima uma serpente negra o encarava.
Nunca tinha visto uma daquelas. Não se amedrontou, mesmo quando ela desceu pela janela ao seu encontro para depois fugir para um canto do quarto. Não poderia fazer nada a ele, teria ao máximo uma febre, o veneno de cobras e serpentes não afetam os lobos e cavalos, e deles que se tira o soro que os trouxas usam contra picadas.
E veio o amanhecer, e com ele a dor. Rastejou, gritou, uivou, implorou para que ela parasse. Pensou Ter ouvido a voz de Selena dentro da sua cabeça dizendo que ele tivesse calma, que ela estava ali com ele, que estava quase acabando. Devia estar mesmo obcecado por ela. Até que a dor parou. Seu coração acalmou.
Respirou fundo e abriu os olhos. Só então ele viu. A serpente se transformou em garota na sua frente. Ele estava exausto e logo Madame Pomfrey viria para ver como ele tinha passado a noite.
_ Sel...
_ Não fale nada, Remus... Eu só quero que você saiba que eu confio mais em você do que em mim mesma...

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