O casamento



Os dias se passaram, as semanas tornaram-se meses. Minha vida havia se transformado numa semi-vida, um esgotar de dias entre a tristeza e exaustão. Hermione havia entrado num coma profundo, de onde, diziam os medi-bruxos, ela jamais sairia.
Os medi-bruxos estavam errados, Hermione viria a acordar, mas, cada hora que passei ao lado da cama dela, atento ao menor movimento, ao mais leve respirar foram terríveis e torturantes, podem acreditar.
No início, todos os amigos de Hogwarts e os Weasleys vieram para vê-la. Todos, até mesmo o professor Dumbledore e a professora Minerva que ficou muito emocionada por ver a aluna mais brilhante de Hogwarts naquele estado, mas teve forças para preparar uma poção calmante para os pais de Hermione, que ficaram inconsoláveis.
Lembro-me de que a mãe de Hermione lançava-me olhares furtivos, embora não demonstrasse isso nas palavras. Mas eu sabia. Os olhos dela, que eram tão parecidos com os de Hermione, revelavam-me que ela me considerava culpado. E eu o era... por Deus... eu o era.
Com o tempo, os amigos foram desaparecendo... Dumbledore sumiu, a professora Minerva sumiu, os Weasleys desistiram semanas depois. No último mês haviam restado somente eu, os Grangers e Gina.
Num dia... só eu permaneci...
O pai de Hermione veio horas depois. Cumprimentou-me. Disse que me admirava, mas que não podia continuar com aquilo. Sua esposa já não agüentava vir ali, velar eternamente o corpo da filha. Eles haviam decidido que ela estava morta e que dali por diante, não mais a veriam.
Eu não queriam que fossem, resisti. Disse que ela precisava do amor deles naquele momento, mas o que ele respondeu, feriu-me profundamente.
- Ela escolheu seu próprio destino, Harry. Nunca quisemos que ela fosse uma bruxa, preferíamos que ela fosse uma dentista como nós. Mas ela foi teimosa... tinha que ser uma bruxa. Nós aceitamos... nós a apoiamos... mas nunca, nunca apoiamos que ela continuasse do seu lado. Sabíamos o que você representava no seu mundo... morte! Você a matou... você matou minha filhinha... !

Ele foi embora... não consegui impedi-lo. Voltei para o quarto de Hermione e pus-me a chorar sobre o colo de minha amiga inerte. Segundos depois, foi Gina quem entrou no quarto. No início ela me pareceu apoiar, mas o discurso dela queria me dizer outra coisa.
- Você não pode ficar assim o tempo todo... Harry. Hermione está morta. Nós estamos vivos, deixe o tempo fazer esquecê-la.
Não movi um só músculo para me justificar e quando Gina começou a ficar brava, eu simplesmente abaixei a cabeça.
- Você terá que fazer uma escolha! – sentenciou a garota que eu amava depois de minutos de monólogo. – Ou vem comigo e vamos viver nossa vida, em segredo ou abertamente, vamos nos assumir como noivos, ou eu vou embora e nunca mais vou querer ver você!
Chorando, extremamente magoada, Gina foi embora mesmo depois de alguns minutos, ao ver qual era minha resposta sem que eu lhe falasse nada.
E por fim... restaram no quarto, apenas eu... e o corpo de Hermione, lutando para respirar, lutando para viver numa batalha dita perdida.
Eu fiquei, fiquei para ver os dias passando, fiquei para ver o temor de Voldemort se devanescendo, quando divulgaram no Diário (que eu lia todos os dias no hospital) que Harry Potter havia matado Voldemort e destruído os supostos Horcruxes restantes.
Eu fiquei... por muitos dias...


Eu gostaria de dizer a vocês que fui forte o tempo todo. Que fui o motivo pelo qual Hermione conseguiu sair daquela coma, mas não seria sincero. E essas páginas precisam ser verdadeiras... precisam ser a minha confissão... a confissão de um crime que cometi aos poucos. Não, caríssimos, não fui tão forte. Tentei desistir várias vezes, mas algo mais forte do que eu me fez ficar ali. Num dia, enquanto a chuva caía sobre as janelas falsas, eu desisti. Arrumei minhas coisas, coloquei uma última flor sobre o vaso de Hermione e levantei-me. Caminhei até a porta e a abri, decidido a nunca mais voltar. O destino é engraçado. Imagino o que teria acontecido se eu não estivesse lá, naquela hora... naquele exato segundo, enquanto meus pés levantavam-se para dar o primeiro passo para fora do quarto e da vida de Hermione quando escutei aquela voz:
- Gosto de flores, você não? – era uma voz suave, doce...
Eu me virei assustado, ainda imaginando que era uma peça de minha imaginação, nitidamente culpada, quando vi os olhos de Hermione olhando para a rosa que eu havia acabado de colocar no vaso.
- Mione? Meu Deus... Hermione!
Eu abracei minha amiga que sorria graciosamente para mim. Fi-la levantar-se e a acolhi em meus braços, quase esmagando a pobre coitada, tal era minha alegria.
- Harry... deixa eu respirar...
Eu não a deixei. Eu afastei-me um pouco. Segurei o rosto dela entre minhas mãos... essas mesmas mãos que hoje eu uso para escrever e a beijei. Lenta e deliciosamente... eu a beijei, meu Deus... eu a beijei e senti, não podia deixar de sentir... que Hermione tremeu em meus braços.
- Harry... – disse ela, um pouco depois, quando finalmente a libertei. – O que você está fazendo?
Não deixei que ela recobrasse a respiração normal. Não perdi tempo, cobri os lábios dela novamente, como se quisesse convencer a mim próprio de que a amava. De que o que estava fazendo era o certo para ambos. Minha alegria por ver minha amiga acordada misturou-se aos meus planos de recompensação e deixei-me levar.
“Será fácil amá-la. Talvez eu já a ame”, pensei comigo mesmo.
Eu comecei a desabotoar a larga camisola de hospital que Hermione trajava, enquanto acariciava seus cabelos. Mas, de repente, Hermione deu dois passos para trás e se afastou de mim.
- Hermione... você está bem? – perguntei, confuso com a distância dela. Hermione parecia me querer. Por que então ela havia parado? Só fui entender anos mais tarde. O coração de uma mulher pode ser um poço de segredos profundo.
- Sim, disse Hermione, abotoando novamente a camisola.
- Hermione... você... você não gosta de mim?
- Meus pais, onde estão? – perguntou ela, dando-se conta de sua situação. – O que aconteceu comigo?
- Você estava em coma! Seus pais... bem... seus pais não estão... eles acham que você está morta... foi difícil para eles, Hermione... sabe... eles não estavam bem...
- Tudo bem! Eu estou morta para eles. É melhor assim mesmo. Não quero que os procure, está bem? – disse ela, parecendo distante e etérea.
- Hermione... eles sofreram muito. Sofreram demais vendo você assim.
- Eu sei, Harry... e é por isso que não quero que saibam que estou bem.
- Por que?
- Eu tenho meus motivos.
- Vou ligar agora mesmo para eles se não me disser qual é?
- Não quero que eles se alegrem agora para me perderem mais tarde! Não sou estúpida, Harry. Eu sei que não enfrentamos o pior. Voldemort ainda está vivo, eu tenho certeza que...
- Os Horcruxes estão destruídos.
- Ele pode ter feito mais um Horcruxe...
- Não... não fez. Você viu ele morrendo. Se não estivesse morto ele já teria me atacado, Hermione. Está tudo bem, agora. Voldemort está morto para sempre. E eu e você... eu e você ficaremos juntos... para sempre... eu quero me casar com você.
Hermione ficou em silêncio por alguns instantes, mas pareceu-me horas. Ela parecia preocupada, mas depois, como se pensasse em alguma coisa boa, abriu um sorriso. Segundos depois, o sorriso morreu novamente.
- Você quer mesmo se casar comigo?
Hermione abaixou a cabeça.
- Se quiser, Hermione, podemos ser felizes... sinto muito por tê-la tratado mal naquele dia... sinto muito mesmo, querida!
O que aconteceria se Hermione recusasse meu pedido?, pensei naquela hora. Talvez fosse bom, eu estaria livre da minha própria promessa, mas eu não tinha certeza se era assim que eu queria, e insisti.
- Hermione... eu amo você!
- Harry.... ! – Os olhos de Hermione marejaram na minha frente e uma lágrima doída começou a rolar por seu rosto.
- Eu não entendo... porque está chorando...?


Nós nos casamos numa tarde de outono, dois meses depois, numa festa beirando a tristeza. A morte de Gui ainda estava muito viva na memória de todos e Gina parecia estar na pior depressão que alguém podia estar vivendo, como Rony, que parecia estar no mundo da lua o tempo todo.
Rony e Gina foram nossos padrinhos e o Sr. E a Sra. Weasley foram as testemunhas.
Foi um casamento rápido e íntimo, embora tivesse uma grande repercussão, pelo que vimos nos jornais no dia seguinte.
Depois do casamento eu e Mione tivemos uma semana romântica numa ilha mágica da tailândia, onde fomos muito bem tratados. Aquela semana, nossa primeira lua de mel, foi a melhor fase do nosso casamento, tanto que eu imaginava que havia acertado e que poderíamos ser felizes para toda a vida.
Não podia estar mais enganado, pois nossa primeira discussão aconteceu no trem de volta para casa (havíamos comprado uma casa perto da Toca com a herança que meus pais e Sirus haviam me deixado):
- A primeira coisa que vou fazer é dar aulas... gosto muito de dar aulas! – dizia Hermione alegre, aconchegada em meus braços, enquanto olhávamos para as paisagens que atravessavam a janela. – E você, Harry? O que pensa em fazer?
- Vou ser auror... se puder. O sr. Weasley disse antes de partirmos que o Ministério está precisando de aurores. Mas não precisamos nos incomodar em trabalharmos, Hermione, você sabe que minha herança é...
- Eu sei, Harry. Mas não podemos viver as custas do seu dinheiro. – disse Hermione. – Temos que fazer nossa própria sorte, sem dependermos de ninguém.
- Eu concordo com você, querida, mas não podemos nos isolar do mundo. – disse-lhe eu. – Não gostei de não termos convidado seus pais para o nosso casamento. É crueldade não dizer-lhes que você está viva. É crueldade deixá-los na ignorância e na tristeza.
- Bem... eu sei o que estou fazendo – disse Hermione, desvencilhando-se de meus braços.
- Isso não se faz, Mione, meu amor... por favor... deixe que eu fale com eles, você nem precisa vê-los novamente, mas deixe que eu....
- NÃO! EU PROÍBO QUE O FAÇA! – disse Hermione, exaltada como nunca a vi antes.
- Fique calma, Hermione... tudo bem... não vou falar nada se não quiser.
Hermione se afastou ainda mais e grudou na janela.
- Hermione? – eu disse, acariciando suas costas. – Querida...?
- Eles estavam me pressionando para deixar de ver você. Disseram que você me levaria para o fundo do poço, de onde eles não se incomodariam em me tirar. Eu tive uma briga muito feia antes de ir a Toca. Eles disseram que se eu fosse embora, que jamais voltasse, pois para eles, eu estava morta. Pois bem... agora eu estou mesmo.
- Mione... eu... eu sinto muito... – eu disse, preocupado com minha esposa.
- Eles nunca me deixaram em paz. Eu dizia para mim mesma que eles me apoiavam, mas nunca foi verdade. Eles queriam que eu saísse, principalmente quando descobriram quem você era e quem era seu inimigo. Foi por isso que me dediquei a vida inteira em Hogwarts: para ser perfeita... para ser a melhor... para que eles pudessem me aceitar... e ver que isso é a minha vida... mas não foi o suficiente... nada foi suficiente. Horas e horas de sacrifício e estudo... eles nunca deram valor a nada... a nada... eu nunca mais quero vê-los... nunca mais!
- Hermione... não diga isso! Família é tudo o que temos. Veja... eu nunca tive uma família... sempre fui só... sempre... tanto que quis... que acabei transformando a família de Rony na minha própria família.
- Ah... Harry... agora nós teremos nossa própria família não teremos... prometa para mim que teremos! – disse Hermione, abraçando-me novamente, com os olhos marejados.
- Claro, Mione... teremos nossa própria família...
Eu abracei Hermione bem forte tentando afastar os pensamentos. Fiquei imaginando como seriam os meus filhos com Hermione... e por mais que tentasse vê-los morenos, via-os ruivos... com sardas no rosto e olhos verdes brilhantes.


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