Perto Demais
“O primeiro beijo, seja isso bem claro,
não o dão os lábios, mas sim os olhos.”
(P.B.Shelley)
O almoço passara rápido. Hermione agradeceu aos céus pelo fato de Rony não ter contado nada do que ele havia visto a Harry, ou teria que explicar as coisas direito - Harry não aceitava ouvir mentiras esfarrapadas. Claro, porque ele tinha um poder sobrenatural de saber quando as pessoas mentiam pra ele, exceto quando ele realmente precisava saber.
As aulas da tarde também passaram rápido. Talvez porque elas fossem fáceis e divertidas, ou talvez porque Hermione tivesse uma detenção pra cumprir durante a noite, com Malfoy. Porque é claro, quanto mais se deseja que o tempo passe devagar, mais rápido ele passa.
Draco, que não tinha aula à tarde, decidiu ficar à toa no jardim, com seu pergaminho. Não que ele tenha conseguido escrever alguma coisa, não conseguiria sabendo que ela tinha lido. Era só uma desculpa esfarrapada pra ficar bem longe de todo mundo, pra pensar em coisas fúteis. Ou apenas para observar coisas que ele nunca tinha prestado atenção. Mal sabia ele que no verão não havia flores, tampouco sabia que existiam borboletas tão belas.
Foi quando uma delas pousou em seu braço esquerdo, que jazia sobre seu joelho. Era uma beleza exótica, singular, que ele nunca havia visto. Suas asas amarelo furta-cor, que se movimentavam cada vez mais devagar com uma leveza extraordinária, lhe faziam lembrar de... “Granger. Por que essa menina idiota não sai da minha cabeça?” – indagou-se o loiro, olhando de esguelha para o pergaminho jogado ao seu lado – “Eu preciso fazer alguma coisa pra parar de lembrar dela, porra!” – levantou-se enervado, agarrando o pergaminho e sem querer espantando a linda borboleta. E foi então que, vendo-a voar pra longe assustada, se sentiu a pior das criaturas do mundo.
“Então é isso que eu faço com as pessoas?” – murmurou, desanimado.
A ficha finalmente caiu.
Não era o mundo que estava errado. Não eram as pessoas que eram idiotas, que não eram capazes. Não eram os seus amigos que não costumavam lhe dar valor suficiente.
O problema era com ele.
Ele precisava mudar. Mais do que já havia mudado. Não era suficiente que ele não fosse um comensal, que ele fosse bom, que ele admitisse que gostava de coisas que não deveria. Isso ele já havia feito. Ele tinha que consertar todos os seus erros. Tinha que se desculpar por tudo que havia feito. Não lhe importava o fato de que Malfoys não se desculpavam, ele já não se considerava um Malfoy há muito tempo.
E ele sabia exatamente por onde começar.
~*~
- Mione, que horas você vai cumprir a detenção? – perguntou Harry, enquanto jogava xadrez com Rony, na Sala Comunal da Grifinória.
- Às nove. – respondeu a garota indiferentemente, que observava o jogo deles de uma poltrona próxima com Bichento no colo. - Por falar nisso, faltam só vinte minutos, é melhor eu ir andando... – concluiu levantando-se e dirigindo-se ao retrato.
- Quer que a gente te acompanhe? – perguntou Rony, com aquele jeito protetor inconfundível que Hermione tanto odiava.
- É melhor não, o Snape pode pegar no pé de vocês... – disse sem jeito, a última coisa que queria era a companhia deles, embora não gostasse de admitir isso.
- Certo então, boa sorte! – sorriu Rony, enquanto Harry deu um aceno tímido, tendo percebido que ela não queria que eles a acompanhassem.
Hermione enfim saiu do Salão Comunal. Seguia em passos lentos para as masmorras, refletindo sobre tudo o que acontecera até aquela hora desde que chegara à Hogwarts. Tudo parecia tão... Chato. Tedioso era a palavra certa, na verdade. Não que ela não estivesse feliz por Voldemort ter sido derrotado, porque ela estava, é claro. Mas não havia mais preocupações, intrigas, mistérios a serem resolvidos; e ela havia se acostumado com isso tudo, com a vida de aventuras que eles levavam. Agora eram só eles e os livros. E isso significava que ela precisava mudar seu jeito de viver.
“É insuportavelmente chato.” – pensava, lembrando de todas as coisas que fez durante o dia. Lógico que se divertira, como não se divertir com Harry e Rony do lado? Mas foi uma diversão vazia, momentânea. Ela precisava de mais, ela queria mais. Não estava bem consigo mesma. Pensou nos seus quase dezoito anos e logo lhe veio à cabeça aquele assunto que sempre a pegava de surpresa, que sempre a deixava sem saída.
“Talvez alguém pra amar seja o que eu realmente precise.” – admitiu para si mesma. Mas logo lembrou que não sabia amar; não dessa maneira. O único amor que ela conhecia era aquele sentimento familiar, ou mesmo o de amigo, que ela ofertava ao moreno e ao ruivo com quem passara praticamente toda a vida. Nunca havia se apaixonado de verdade por alguém. Claro, ela tinha consciência de já ter gostado um pouco de Rony, mas aos 13 anos não se tem muita noção do que é amar de verdade.
“Eu odeio o amor.” – murmurou em seguida, desanimada.
Mas não, ela não odiava. Ela mal conhecia. Na verdade o que ela tinha era medo. Medo de não saber o que fazer, de se machucar, de talvez um dia amar demais. Porque o amor é uma coisa irracional e inexplicável. Coisa que ela nunca aprenderia com os livros. E isso fez com que pra ela, tal sentimento se tornasse a coisa mais assustadora do mundo.
- Boa noite Srta. Granger. – disse o Professor Snape maliciosamente, esperando Hermione na porta de sua sala e a tirando de seus devaneios. A garota chacoalhou a cabeça levemente e parou.
- Onde... Ah! Boa noite, Professor. – respondeu distraidamente, por um momento havia esquecido da detenção e de onde estava indo.
- Que bom que não se atrasou dessa vez. – sorriu sadicamente – O Sr. Malfoy está te esperando lá dentro, ele sabe o que é pra ser feito.
- Certo. – respondeu Hermione indiferente.
- Volto às onze horas, e... – outro sorriso malicioso, antes de dar às costas a garota e ir embora. – Boa sorte.
“Acho que vou precisar” – pensou antes de entrar no escritório úmido de Snape, que ficava nas masmorras. A primeira coisa que pôde reparar foi na escrivaninha, que aparentemente precisava ser arrumada. E a segunda...
Draco Malfoy, tirando os frascos de poções dos armários de Snape e colocando-os em uma mesinha de mogno. E ele aparentemente os organizava em ordem alfabética, porque pegava os frascos e lia (com certa dificuldade) seus rótulos para depois colocá-los na mesinha. Hermione ficara boquiaberta com a atitude do garoto, que nem ao menos a esperou – como certamente teria feito – para começar a arrumar as coisas.
Mas, sem dúvida, o que mais a deixara admirada era o fato de ele estar parecendo muito mais bonito do que ela já havia admitido que ele era. Sua concentração no serviço tirou a concentração de Hermione. Ela observava os lábios do garoto movendo-se enquanto ele lia os rótulos dos frascos, observava o modo com que ele arrumava o cabelo que insistia em atrapalhar-lhe a visão. Então observou os frascos enfileirados na mesa e se lembrou que deveria estar ajudando-o.
- Malfoy? – disse timidamente, ainda na porta do escritório.
- Olá, Granger. – ele respondeu distraído, sem ao menos olhar pra ela, como se tivesse percebido que ela estava observando-o a alguns segundo trás.
- E então, quer ajuda? – ela perguntou, fingindo-se indiferente.
- Ah, não, não precisa. – Draco virou-se para Hermione e sorriu timidamente, provavelmente o primeiro sorriso sincero que ele ofereceu à garota. – Esse aqui eu já tô quase terminando, você pode começar a escrivaninha, se quiser.
- Certo. – respondeu Hermione, confusa. “O que deu nele? E como pode ficar tão lindo quando sorri?” – pensou, logo se arrependeu – “De novo pensando nele, Hermione? E o que ele te fez de manhã, onde fica?” – chacoalhou a cabeça de leve e virou-se para a escrivaninha, que realmente precisava ser arrumada.
Por mais que tentasse negar, Hermione sabia que já não odiava mais Draco. Tampouco gostava dele, claro, mas o ódio que costumava sentir já não se mostrava presente. Talvez ele tivesse sido trocado por pena. Pena de tudo que Draco viveu. Pelo menos era assim que ela gostava de pensar.
Ambos passaram longos minutos terminando suas devidas tarefas, no mais gritante dos silêncios. As únicas coisas que podiam ser ouvidas eram o barulho dos frascos que Draco agora guardava nas estantes do armário, e o barulho dos papéis que Hermione ajeitava na escrivaninha. Por mais estranho que aquilo fosse, nenhum dos dois ousava quebrá-lo. Era, no mais íntimo de cada um, como um momento de trégua, em que um podia ajudar o outro sem que parecesse errado.
Draco, que havia acabado de terminar com as estantes, seguiu na direção da escrivaninha, onde Hermione ainda arrumava as coisas e, sem dizer uma palavra, começou a ajudá-la. Para ele, era como se uma pequena parcela de seu pedido de desculpas estivesse sendo paga. Claro, ele sabia que teria que pedir desculpas do modo habitual, mas depois de tantas grosserias uma gentileza não cairia mal.
Hermione se perguntava o que estava acontecendo realmente. Para ela, aquela detenção seria o próprio inferno, horrível, mas estava sendo pateticamente agradável. Era estranho como Draco poderia ser tão grosso e parecer tão gentil. A cada vez que ela acidentalmente esbarrava sua mão na dele, podia sentir o quão quente ele era. Aquelas mãos que pareceram tão frias anteriormente agora exalavam um calor estranho, tentador.
Ela então, propositalmente, esbarrou sua mão na de Draco. O rapaz não a moveu, com o pensamento de que ela afastaria sua mão da dele como vinha fazendo até aquela hora. Mas ela não afastou. Passaram-se um minuto, dois, e eles continuaram assim. Não sabiam o que de fato acontecia, mas continuaram ali, imóveis. Os dedos de Draco já entrelaçavam os de Hermione, mas ela não se movia, tampouco se importava com o que podia acontecer. Queria sentir aquele calor que provinha de cada pedaço de carne dos dedos do loiro, calor que a hipnotizava. Ele, se deixou levar pela delicadeza com que Hermione demonstrava estar confusa. E foi assim que tudo começou.
No meio de um silêncio aterrador, eles podiam escutar a intensidade da respiração do outro. Era, para cada um, um momento que não aconteceria de novo, que nunca mais seria possível. E com esse pensamento, ambos deixaram-se levar pelo que estavam sentindo ali, de mãos dadas. Não importava a infantilidade daquilo, não importava que todo mundo dá a mão para qualquer um. Para eles, tudo era diferente. Era o começo de alguma coisa que eles não tinham conhecimento, mas que queriam mais do que tudo que começasse.
As luzes da sala de Snape pareceram diminuir de intensidade. Da pequena janela que havia no recinto soprou um vento gelado, que fez com que as cortinas esvoaçassem. Hermione olhou enfim para Draco, que a encarou. Para ele, ela nunca parecera tão linda quanto ali, naquela hora. Suas bochechas estavam ligeiramente ruborizadas, e seus olhos, que agora insistiam em mirar o chão, tinham um brilho estranho. Já não importava mais quem ela era; aquele brilho fez com que Draco tocasse o rosto dela com a mão desocupada, fazendo-a encará-lo. Era como mágica. Mil coisas passaram pela cabeça de ambos, mas o medo de estragar tudo lhes roubara o dom da fala. Ele acariciava-lhe a face com as costas da mão, e a distância entre os dois ia diminuindo cada vez mais. Hermione também já não ligava em estar tão próxima de Malfoy. O que importava realmente era tudo o que estava sentindo, tudo o que podia sentir e não sabia. Draco então parou de acariciá-la devagar, e delicadamente postou sua mão na cintura da garota. Ela sentiu um leve arrepio tomar-lhe o corpo, enquanto Draco a trazia para mais perto. Já era possível sentir a respiração de Hermione acelerando, seu nariz já roçava com o dela, mas ele não queria parar. Ele ia até o fim, estava tomado pelo desejo de tê-la em seus braços, e nada o pararia naquele momento. Nada exceto...
- O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – berrara um Snape aparentemente enervado, que adentrara a sala naquele estante, os separando tão rapidamente quanto se podia imaginar.
O resto da noite seria difícil, sem dúvida.
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