A peça de Sirius
Capítulo 5 - A peça de Sirius
Um vento sibilante vinha da floresta, fazendo os gramados verdes de Hogwarts dançarem sob a pálida luz da lua, encoberta de nuvens. O frio da noite fazia as pequenas gotas de orvalho congelarem, formando nas árvores verdadeiros pingentes de cristal.
Havia um vulto parado junto a uma das árvores, que se balançava sinistramente. Um garoto de cabelos castanhos claros e olhos atentos. Subitamente, as nuvens se dispersaram e ela percebeu que o vulto era de Remo Lupin.
Ele olhou para o alto e Lílian acompanhou seu olhar. A lua cheia brilhava tristemente no céu. Remo caiu de joelhos no chão e a garota tentou correr para ajudá-lo, mas parecia estar pregada no chão. Ela voltou a olhar para ele. Podia perceber o quanto ele sofria. Algo estava acontecendo.
Quando o corpo do rapaz começou a mudar, três sombras saíram da floresta: um pequeno ratinho branco, um enorme cão negro e um cervo. Dois deles caminharam para junto de Remo. O cervo, no entanto, se aproximou dela, pousando a cabeça no colo dela e empurrando-a delicadamente, como se pedisse para ela sair dali.
Ela começou a caminhar de volta para o castelo, observando os grandes olhos doces do cervo. Ela conhecia aqueles olhos. Sabia que sim, e essa certeza fez seu coração disparar. Nesse momento uma grande nuvem encobriu a lua e Lílian sentiu alguém passar por ela, correndo. A sombra aproximou-se do lugar onde estavam os animais com Remo e estuporou o cão, fazendo o rato fugir. O cervo ainda estava ao lado dela, parecendo indeciso entre protegê-la e atacar o desconhecido.
Mas então o vulto que era Remo levantou-se. Os olhos de Lílian alargaram-se em choque. Não era mais um rapaz que estava ali. Estava muito escuro para ela dizer com certeza o que era aquilo. Só sabia que era mais alto que qualquer pessoa que conhecera e mais feroz que qualquer animal de que já ouvira falar. A fera soltou um longo uivo cheio de dor e atacou a sombra que enfeitiçara o cão.
- NÃO!!!!!!!!!!!!!!!!
A ruiva acordou assustada em seu dormitório, suando frio e com o coração acelerado. Fora só mais um sonho. Mais um maldito sonho. Ela levantou-se da cama e contemplou o dormitório. Vazio. Pelo menos ninguém ouvira seu grito. Ela suspirou, caminhando para o banheiro para tomar banho e esquecer o pesadelo que tivera.
*****
No dia seguinte, Sirius e Tiago evitaram conversar sobre o que havia acontecido. Visitaram Remo na enfermaria e contaram sobre a aventura, esquecendo convenientemente a parte dos centauros. Pedro os acompanhara, mas passara a visita um tanto distante. Depois de combinarem tudo para aquela noite, os rapazes se separaram de Remo, sem saber que havia mais uma pessoa na enfermaria.
Lílian esperou pacientemente que os garotos saíssem e que a respiração de Remo se tornasse mais lenta, sinal de que ele estava dormindo. Viera à enfermaria para pegar com Madame Pomfrey um frasco de poção para sonâmbulos, já que o seu estava acabando e ela não queria voltar a perambular pela escola de noite. Não vira Remo dormindo lá até a porta se abrir e os outros três marotos passarem por ela. Temerosa de um encontro com Potter tão cedo, ela se escondera atrás de um cortinado. E acabara por decobrir que seu sonho não tinha sido tão sem pé nem cabeça dessa vez.
Ela caminhou distraidamente pelos corredores, imersa em pensamentos. Como nunca desconfiara? Ela convivia com Remo há seis anos e jamais duvidara das doenças mensais na família do garoto. Jamais desconfiara que o monitor com quem fazia rondas durante a noite pelo colégio era, na realidade, um lobisomem. E não acreditaria se não tivesse ouvido da boca dos rapazes que Tiago, Sirius e Pedro eram animagos ilegais.
Com a cabeça latejando de dor, mas decidida a fazer alguma coisa, qualquer que fosse, ela sentou-se numa das mesas da biblioteca e começou a ler o primeiro volume que encontrou na seção de licantropia: "Focinho peludo, coração humano".
"Sempre foi um tormento. Na véspera do primeiro dia de lua cheia eu me isolava de todos e mergulhava em profunda melancolia, enquanto a dor consumia meu corpo. E quando finalmente chegava a noite em que eu me transformava, minha mente ficava numa espécie de letargia e só o que havia em mim era o instinto assassino de uma fera.
Meu maior medo era que alguém descobrisse meu segredo. 'mestiço imundo', diriam aqueles que eu considerava meus amigos. 'Você é perigoso, uma fera. Não vou ficar ao seu lado'. Além de suportar a dor que era virar um ser terrível uma vez por mês, teria que aguentar as humilhações e o abandono por algo que nunca foi realmente minha culpa..."
- Não é à toa que ele nunca contou a ninguém. - Lílian sussurrou baixinho para si mesma - Ele tem medo que todos se afastem dele quando souberem. Mas os garotos descobriram. E Dumbledore? Com certeza ele sabe. Só falta agora descobrir onde se encaixam os animagos...
Ela mordeu os lábios, pensando. Lobisomens eram perigosos para humanos, se alguém conseguisse sobreviver a virar comida de um com um único arranhão, transformaria-se em lobisomem também. Mas eles não ofereciam risco a outros animais. Somente para seres humanos! Por isso Potter, Black e Pettigrew eram animagos.
- Para minimizar o sofrimento de Remo...
Há dias que Lílian permanecia com a cabeça em livros, pesquisando para a escola e sobre Antiga Magia, sem conversar com ninguém (por sorte suas amigas estavam acostumadas com seu jeito de ser). Aquela descoberta, no entanto, conseguiu arrancar um sorriso da ruiva. Escondido atrás de uma estante, observando a garota, Tiago se surpreendeu. Nunca havia visto nos lábios da monitora sorriso tão belo, tão singelo... tão cheio de paz. Meio inebriado, ele saiu de trás das estantes e parou diante dela.
- Bom dia, Lily.
Inacreditavelmente, ela abriu ainda mais o sorriso.
- Bom dia, Tiago.
O moreno piscou os olhos. Nenhuma ameaça por tê-la chamado pelo apelido? E desde quando ela o chamava de Tiago? Lílian observou a careta de surpresa dele e sentiu o coração disparar. Por alguns instantes, ela pensou na hipótese do maroto ser seu "admirador secreto" e, mais absurdo ainda, gostou da idéia. Ainda sorrindo, ela recolheu os poucos livros que estavam sobre a mesa e saiu da biblioteca. Sem fala e sob o efeito de uma estranha emoção, o rapaz sentou-se à mesa e ficou olhando o lugar onde a garota se sentara. O que afinal tinha acontecido ali?
Mil hipóteses passaram pela cabeça de Tiago e, de todas, ele foi se agarrar a mais estapafúrdia (garotos têm uma habilidade incrível para isso...). Furioso, ele saiu da biblioteca, disposto a ir atrás de Sirius para contar sua estranha teoria e planejar vingança...
*****
Aula de história da magia. Lílian, como sempre, estava anotando tudo, embora sem uma insana atenção. Frank e Edgar conversavam sobre "assuntos de futuros Aurores", entediando Alice, que estava sentada ao lado do namorado. Emelina, Selene e Susan conversavam animadamente através de bilhetes, como sempre. Mais atrás, no fundo da classe, observando corvinais e grifinórios em estado de dormência, estavam Tiago, Sirius e Pedro, esse último dormindo profundamente.
- E então ela me chamou de Tiago! Almofadinhas, vê se eu não tô certo: alguém enfeitiçou ela. E só pode ter sido o Ranhoso!
- Pode-se saber de onde você tira essas brilhantes onclusões? - Sirius perguntou num tom baixo para o alucinado amigo - A Lily decidiu ontem ser minha amiga e nem por isso eu tô dando escândalo dizendo que ela foi enfeitiçada, abduzida ou qualquer das loucuras que você consegue imaginar.
Tiago olhou-o surpreso.
- Ela decidiu ser sua amiga? - o maroto quase pulou em cima de Sirius - Ora, isso é mais uma prova! Ela também não vai muito com a sua cara. Tudo o que ela diz de mim, ela pode dizer de você.
- Exceto por chamá-la de pimentinha e convidá-la um sem número de vezes para sair. Fala sério, Pontas, você tá é apaixonado. Há muito que aquela ruiva deixou de ser apenas mais uma na sua lista.
- Será que dá pra parar? - Tiago disse, repentinamente sério.
- Certo, digamos que por alguma absurda conjuntura do universo você esteja certo e o Ranhoso esteja controlando a Lily. Porque ele a faria sorrir pra você? - perguntou Sirius, enfatizando a palavra "sorrir".
- Pra me deixar nervoso? - Tiago suspirou ao ver a cara de descrédito de Sirius - Não sei, como é que eu vou entender o que se passa na cabeça do Ranhoso?
- E o que você quer que eu faça?
Tiago sorriu malignamente.
- Uma peça seria bem vinda. Que tal enviar uam caixa de bombons de flor de murtisco*?
Sirius sorriu com uma expressão igual a do seu "quase irmão".
- Pra isso você não precisa inventar nenhuma maluquice. Diversão envolvendo o nosso caro amigo Seboso Snape é sempre bem vinda.
Enquanto os dois conversavam animadamente sobre planos de "como salvar Lily das garras do Ranhoso" (na opinião de Tiago) ou simplesmente "Como se divertir com o Seboso" (na opinião de Sirius), a vítima da conversa estava não muito longe dali, próximo à enfermaria.
Severo Snape era um sonserino de cabelos oleosos (que de acordo com os marotos, nunca chegara perto de um shampoo), estudante do mesmo ano que seus grandes "inimigos". Desgraçadamente, ele era monitor, o que o fazia perseguir os grifinórios, especialmente o quarteto maravilha. Para completar, tinha um particular desprezo pelo apanhador do time dos leões, o que era recíproco da parte de Tiago.
Um sinal tocou, anunciando o fim das aulas e Snape observou Potter, Black e Pettigrew aparecerem no corredor. Dois deles entraram na Ala hospitalar, mas Sirius permaneceu à porta. Havia notado o sonserino. Com um sorriso de quem acaba de ter uma grande idéia, o moreno aproximou-se.
- Olá, Snape. O que faz por aqui? Procurando uma maneira de me expulsar?
- É o Lupin que está na enfermaria, não é? O que vocês aprontaram dessa vez? - Snape perguntou com um sorriso torto.
- Porque não tenta descobrir? - Sirius o olhava furioso - Você pode segui-lo essa noite para encontrá-lo tomando chá com a avó doente. É só apertar com uma vara o nó que há debaixo da raiz do Salgueiro Lutador.
Havia um brilho louco no olhar do maroto e Snape calou-se. Ouvira o suficiente. Sirius sorriu quando o sonserino lhe deu as costas e desapareceu no corredor.
- Isso vai ser melhor que o murtisco. Com alguma sorte o Aluado engole ele de uma mordida só. É uma pena que depois ele vá ter uma baita indigestão...
*****
"Lílian:
Sei que deve estar se perguntando quem sou, mas ainda não posso me revelar. Não quero assustá-la, muito menos afastá-la de mim. Estou tentando me controlar para não dizer tudo o que quero diante de você, mas está sendo muito difícil. É uma tortura tê-la por perto todo dia. Sentir sua presença e não poder tocá-la, sentir seu olhar e não poder corresponder. Dói ouvir sua voz tão perto e tão distante. Não sei se algum dia você poderá me corresponder. Enquanto isso, espero.
De alguém que não apenas te adora."
A ruiva releu o bilhete, sozinha na sala dos monitores. A reunião havia acabado e, para completo desespero dela, encontrara outro bilhete, dessa vez em sua bolsa. De novo, qualquer um poderia ter colocado aquele bilhete ali. Não tinha qualquer pista para, como de hábito, "começar a pesquisar".
Tentando distrair a mente, ela aproximou-se da janela. A lua ainda não nascera, mas ela sabia que aquela noite seria de lua cheia. Estava tudo mergulhado na escuridão agora, mas ela viu duas silhuetas se encaminhando para o Salgueiro Lutador. Estava pronta para procurar algum professor e comunicar o fato quando percebeu que os vultos eram de Madame Pomfrey e Remo Lupin. Ela deu um suspiro, misto de compreensão e piedade, mas subitamente seu olhar foi atraído para outra direção.
Havia uma sombra seguindo a enfermeira e o rapaz. Lílian não viu quando Remo entrou por um alçapão, só percebeu que Madame Pomfrey estava sozinha quando a enfermeira entrou pelo portão do castelo. Por trás das nuvens, a lua começou a nascer e a sombra continuava lá fora. Um raio de luar pegou-o na escuridão onde tentava se esconder e a ruiva sufocou um grito de pânico, enquanto lembrava-se de seu sonho. Reconhecera Severo Snape.
*****
Pedro estava acabando de tomar o banho mais longo de sua vida e Sirius havia sumido, quando Tiago foi agarrado no meio da sala comunal e arrastado para uma sala de aula escura e vazia pela última pessoa que ele esperava que fizesse isso.
- Tiago, eu preciso falar com você urgente.
O rapaz sorriu, passando a mão pelo cabelo. No momento em que ela fechara a porta da sala sua teoria sobre Snape ter enfeitiçado Lílian caiu por terra e ele quase disse que conhecia um lugar mais aconchegante para o que ela queria dizer.
- Eu sei que o Remo é um lobisomem e que vocês são animagos para ajudá-lo. - ela fez um gesto impaciente quando percebeu que ele ia retrucar, obviamente assustado - Não importa como, eu sei que é verdade. Mas Snape também conhece o segredo de vocês. Ou não, eu não sei... Em todo caso, ele foi atrás do Remo. E se você não agir logo-
- ...o Aluado vai matar o Ranhoso! Ele vai se encrencar! Droga, como o Snape descobriu? - Tiago começou a andar de um lado para o outo, nervoso. Quando Lílian o levara até aquela sala, aquela era a última idéia que ele teria sobre o que ela queria falar.
- Não é hora para perguntar isso! - Lílian segurou-o, desesperada - Você tem que impedir o Snape antes que seja tarde demais!
Tiago assentiu e saiu correndo da sala, tirando a capa de invisibilidade do bolso no meio do caminho. Tinha que chegar a tempo de salvar o Seboso ou Remo sofreria as consequências do que estava para acontecer.
*****
Snape sorriu quando a maldita árvore parou de se mexer enquanto um fio de sangue escorria por sua bochecha. Ele viu o alçapão que guardava a passagem por onde Lupin sumira e o abriu, desaparecendo sob ele. Antes, no entanto, que pudesse caminhar pelo corredor escuro que se desdobrava diante de si, alguém o segurou pela barra da camisa.
- Você não pode entrar aí.
- Porque não? Quem é você para mandar em mim?
- Snape, anda logo, sai daqui! - Tiago estava suando frio e tinha o semblante tão mudado que deu ao sonserino a convicção que o maroto tinha enlouquecido.
- Não, Potter. Não vou sair. Está com medo que eu descubra algo que possa finalmente expulsá-los?
- É PERIGOSO FICAR AQUI! VOCÊ NÃO SABE O QUE TEM NO FIM DESSE CORREDOR! - Tiago gritou com todas as forças.
- Não sei, Potter, mas posso descobrir.
Tiago segurou novamente o braço de Snape antes de esmurrá-lo. Poucos instantes depois os dois estavam embolados no chão, trocando socos, quando um grito aterrador encheu o corredor estreito. Tiago empalideceu e Snape sorriu.
- Essa voz é do Lupin, não é? O que ele está fazendo aqui também?
Os ouvidos treinados de Tiago captaram gemidos que logo se transformaram num resfolegar selvagem. A fera estava livre, pronta para atacar. Perdendo a pouca paciência que lhe restava, Tiago deu mais um murro em Severo, fazendo-o cair com o nariz sangrando, para em seguida começar a arrastá-lo.
- Me solte, seu imbecil.
- Eu adoraria, Seboso. Tenho tanto prazer quanto você em manter esse contato, mas, infelizmente é preciso.
Finalmente chegaram ao alçapão e Snape conseguiu se desvencilhar de Potter. Os dois se encararam com ódio por alguns instantes, mas um uivo muito próximo fez com que a atenção deles se desviasse um do outro. O olhar de Snape brilhou com compreensão e terror.
- Lupin, ele é um lobisomem!
- Bingo! Agora será que dá para sairmos daqui ou você ainda quer ter um encontro romântico com ele?
Tiago já subira o alçapão. Snape encaminhanhou-se até ele, mas antes que pudesse subir, a fera apareceu. Devia ter quase dois metros de altura. A boca cheia de dentes estava aberta e o focinho farejava no ar o cheiro de carne humana. Os olhos amarelados do lobisomem se encontraram com os de Snape e o sonserino congelou.
Se Tiago não tivesse puxado-o para cime e fechado o alçapão, Lupin o teria mordido. O maroto deixou-se cair na grama, suado, e voltou-se para o castelo. No alto de uma das torres, alguém os observava. Lílian. Snape se interpôs entre ele e a adorável visão.
- Você salvou a minha vida.
- Não precisa agradecer. - Tiago respondeu enquanto levantava-se, procurando a garota. Mas ela sumira da janela.
- Eu não estou agradecendo. - o olhar de Snape brilhava de ódio - Dumbledore vai saber agora que seu maldito amiguinho é um lobisomem e que vocês o estão acobertando desde que chegaram aqui. Dessa vez não há como não serem expulsos.
- Dumbledore já sabe.
Snape não se abalou com isso e seu olhar tornou-se ainda mais perigoso.
- Mas o restante da escola não sabe. Adivinha o que vai acontecer, Potter, quando todos souberem do segredo de seu amiguinho? Dumbledore não poderá mais protegê-los. Engraçado que tudo isso se deva a uma dica muito útil de seu amigo Sirius Black.
Tiago gelou. Agora sim estavam numa enrascada.
*Murtisco_ animal semelhante a um rato, encontrado nas áreas litorâneas da Grã-Bretanha. Tem uma saliência nas costas que lembra uma anêmona-do-mar. Quando essa pseudoflor saliente é ingerida em conserva produz resistência a feitiços e azarações, embora em overdose possa causar o crescimento de pêlos purpúra nas orelhas. Alimenta-se de crustáceos e dos pés de qualquer um que pise em cima dele.
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