Patético
O baile estava cheio. Na pista, casais se embalavam ao som de uma música lenta. Em pé, junto à mesa de bebidas, James escolhera o recanto mais escuro da festa para observar.
Um copo permanecia em sua mão desde que a festa começara e sempre que ele se esvaziava, Sirius aparecia quase que magicamente para voltar a enchê-lo com whisky de fogo.
Alguém parou ao lado dele. O rapaz, de tão entretido que estava em sua observação, não notou a aproximação dela até que estivessem frente a frente.
- Lily? - ele perguntou, rouco, surpreso por vê-la ao seu lado.
A ruiva observou-o por alguns instantes antes de voltar-se para a pista.
- Porque não está se divertindo com seus amigos? - ela perguntou com certa violência.
Ele mordeu os lábios. Lily virou-se para o rapaz irritada com a falta de resposta.
- E então? - ela falou impaciente.
- Porque eu deveria responder? Tudo aquilo que eu digo sempre é dito com o intuito de te ofender. Talvez fosse melhor eu simplesmente ficar em silêncio. - James suspirou - É a única possibilidade de não ver o desprezo que você sente por mim em seus olhos.
A expressão dela quase que imediatamente se suavizou. James percebeu que pela primeira vez ela tinha se desarmado na presença dele. O que havia nos olhos dela? Ele não saberia precisar. Era uma mistura de dor, mágoa e um medo tão profundo que chegava a ser palpável. Mas medo de que?
A resposta surgiu como uma pontada em seu peito. Ela estava com medo dele.
James deu as costas à ruiva, disposto a deixar ela sozinha. Mas antes que pudesse fazê-lo, ele sentiu a mão delicada dela pousar em seu ombro e, no segundo seguinte, todo o corpo dela inclinar-se em sua direção.
Já conheço os passos dessa estrada,
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Graças aos reflexos de jogador, ele conseguiu segurar a garota antes que ela desabasse no chão. Estavam agora próximos demais e James quase se sentia em êxtase por ter a cabeça dela aninhada junto ao peito.
Lily levantou a cabeça, sem no entanto deixar os braços do rapaz. A respiração dela estava entrecortada e, se James não estivesse tão preocupado com as batidas do próprio coração, teria descoberto que o rosto dela ardia de tão rubro que estava.
- Desculpe, eu estou um pouco tonta...
Ele mal ouviu as palavras dela. Toda sua atenção estava focada nas íris da garota, no verde vivo tão intenso que sempre lhe dava calafrios.
Nenhum dos dois teve consciência do que estava fazendo. Era pedir demais para tanto tempode espera. Anos mais tarde, James se lembraria apenas de ter fechado os olhos no minuto em que sentiu os lábios quentes dela encostaram-se aos seus e de tudo ao seu redor ter parado: a música, os risos, o tempo.
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar, tanto pior
Por alguns instantes, ele não queria pensar em mais nada. Mas Lily descolou seus lábios antes mesmo que ele pudesse descobrir o gosto dela. Eles se encararam novamente antes que ela fechasse os olhos e seu corpo amolecesse por entre os braços do grifinório.
- O que aconteceu? - a voz nervosa de Remus finalmente o trouxe de volta à realidade - Lily? Lily, você está bem?
James deixou que o amigo lhe tirasse a garota dos braços e aos poucos sua atenção voltou a se focar em sua própria mente.
O que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto, evito tanto
E que no entanto volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes velhos fatos
Que num álbum de retrato eu teimo em colecionar
- Eu disse que ela não devia vir. - a voz de outra garota soou muito longe. Provavelmente uma colega de Lily - Ela está queimando em febre. Não devia mais nem ter noção do que estava fazendo.
- Por sorte James a encontrou. - Remus observou, carregando a amiga no colo - James, se vir o Sirius, avise que fomos à enfermaria, sim?
James apenas assentiu, observando o semblante desarcodado de Lily. Ela não ia se lembrar de nada no outro dia.
Maldita a hora em que se deixara cair na armadilha daqueles olhos verdes.
Lá vou eu de novo como um tolo,
procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras,
versos, cartas, minha cara
As horas se passaram, aos poucos a festa foi se esvaziando e, por fim, James também deixou o salão principal. Mas seus pés não o guiaram de volta para a torre dos leões.
Ele sentou-se no chão, apoiando a cabeça na cama em que ela repousava, o copo que não largara por nem um instante, ainda na mão.
- Porque você faz isso comigo? - ele murmurou, observando-a dormir - Porque me dá tudo para, no instante seguinte, tirar toda e qualquer esperança?
Ele bebeu o último gole de seu copo e passou a mão gelada pelo rosto de porcelana dela. Lily não se mexeu.
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado,
Eu trago o peito tão marcado
Das lembranças do passado
E você sabe a razão
Irritado, ele ergueu-se, levantando o copo para atirar contra a parede. Mas antes que o pudesse fazê-lo, duas sombras surgiram na enfermaria. Sirius ergueu a mão do amigo, enquanto Remus o desarmava.
- Eu sabia que ele estaria aqui. - Sirius observou com um certo desalento.
- Me deixem, seus idiotas! - James gritou, tentando se soltar.
Lily se mexeu em seu sono enquanto passos rápidos vieram do aposento contíguo à Ala Hospotalar.
- Você está bêbado. - Remus constatou pelo olhar injetado de amigo e o terrível bafo de álcool.
Antes que a enfermeira aparecesse, os dois marotos conseguiram carregar James por uma de suas conhecidas passagens secretas até o dormitório deles. Sirius largou o amigo sobre a cama, onde James ainda resmungou coisas incompreensíveis antes de cair no sono.
- O amor nos torna patéticos. - Sirius observou, deixando o quarto.
Remus olhou uma última vez para o vulto adormecido do amigo antes de segui-lo.
- Você não tem idéia do quanto, Almofadinhas...
Vou colecionar mais um soneto,
Outro retrato em branco e preto
Pra maltratar meu coração...
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