Insônia



12 de Julho de 2000.


_ Você parece ótima, Nymphadora! _ foi a primeira coisa que Andrômeda Tonks notou, assim que abriu a porta.

_ É Tonks, mãe _ ela respondeu, revirando os olhos. O cheiro delicioso de alguma coisa assando no forno entrou pelas narinas; e Tonks fechou os olhos, aspirando com prazer. Era maravilhosa a sensação de estar de volta à casa acolhedora, com a decoração multicolorida e a sala iluminada por incontáveis lâmpadas de luz alaranjada e quente. Tudo bem. Talvez fosse um pouco contra sua personalidade passar as férias na casa dos pais; mas ela havia vendido o antigo apartamento... por causa das lembranças. E tinha tanta coisa planejada praquele mês que mal teria tempo para reparar onde é que estava hospedada, para ser sincera.

_ Tonks _ disse a mãe, envolvendo-a num abraço perfumado _ é o seu sobrenome.

Parecendo exasperada e entregando os pontos (porque a mãe sentia e sentiria até o fim da vida um orgulho absurdo e incompreensível daquele nome ridículo, jamais chamando a filha de outra coisa que não - arrepio - Nymphadora), Tonks se voltou para os braços do pai.

_ Sua mãe tem razão. Você parece muito bem, Dora! Aconteceu alguma coisa?

_ Ah _ Tonks balançou a mão no ar enquanto vasculhava a mente à procura de uma desculpa _ Nada de mais. Só que continuar daquele jeito não ia me levar a nada, não é?

_ Realmente, não ia mesmo _ respondeu a mãe, estreitando os olhos _ Bom ver que pensa assim, minha querida. Porque, por alguns segundos, eu até pensei se não estaria com alguém.

_ Estar com alguém? _ Tonks forçou uma risada _ Que idéia, mãe! Vamos, vamos comer, estou morrendo de fome! _ e, enlaçando o braço da mãe de um lado e o do pai de outro, forçou os dois na direção da sala de jantar.


*


Bem. Talvez ela parecesse mesmo ótima. Mas só parecia.

Claro que Andrômeda não podia saber de nada; mas Tonks podia jurar ter notado alguns olhares desconfiados da mãe durante o jantar. E a mãe a conhecia muito bem, sempre acabara descobrindo as suas escapadelas durante a adolescência. Ou será que ela estaria ficando tão paranóica quanto o velho Moody? Porque, por Merlin, ela era uma ex-auror! Sabia agir sem deixar pistas. Era só tomar cuidado... ou então, finalmente criar coragem e abrir o jogo com os pais, para que ao menos aceitassem Snape. Bom, ela esperava que, depois de um lobisomem, aceitar um ex-Comensal da Morte na família não fosse tarefa assim tão árdua.

Mas não era aquilo o que tirava o seu sono naquela noite.

Era a falta absurda que ela sentia da voz de veludo. Da expressão tão controlada e fria durante 99% do tempo mas que, ela sabia, era apenas uma fachada para um interior intenso e passional. Falta das mãos compridas de dedos longos e finos, dedos que sempre descobriam alguma forma de se insinuar por dentro das roupas dela, fazendo-a arder com ele... e novo da voz macia, agora zombando dela por querer ir rápido demais.

Era absolutamente impossível pegar no sono sem ter que aturar os resmungos dele, sobre como ela se mexia demais na cama, puxando os lençóis e deixando-o descoberto, ou como ela falava demais mesmo que estivesse praticamente inconsciente. Impossível. Aquele seria um longuíssimo mês...

_ Droga. Lumus!

A luz cálida da varinha iluminou o quarto. Sentando-se na cama, Tonks pegou pena e pergaminho e, testa franzida, a língua um tantinho para fora da boca, pôs-se a escrever. Não ia resolver muito, não ia faze-la dormir. Mas pelo menos servia para colocar para fora ao menos uma parte do que ela sentia.


*


_ A gente nunca vai conseguir, cara.

Harry enterrou a face nas mãos, forçando-se a achar uma solução. *Tinha* que haver um jeito. Ele tinha certeza de que Snape estava mesmo usando a poção do Amor em Tonks; aquela era a única explicação plausível para ela ter mudado de atitude daquela forma tão inexplicável. Mas só a certeza dele não bastava para Hermione... que era justamente a peça chave para a produção do antídoto. Enquanto não descobriam as tais provas, ele e os dois Weasley fundiam a cabeça e davam voltas e mais voltas pelo sótão mal-iluminado da Toca, o quartel-general daquela operação.

_ Olhem isso _ disse Gina, apontando um parágrafo no seu exemplar de “Estudos Avançados no Preparo de Poções” _ Os efeitos de qualquer poção do amor duram no máximo alguns dias; então, ele vai *ter* que fazer a Tonks tomar a poção de novo durante as férias. E tem mais: elas também demoram pelo menos uma semana pra ficarem prontas. Então, mesmo que o Snape tenha inventado alguma poção, ele deve ter uma reserva em algum lugar.

_ E se ele tem a Poção preparada... nada mais lógico do que ela estar nas masmorras. Nos domínios dele! _ disse Harry, ficando de pé e parecendo empolgado.

_ Ah, mas isso é perfeito _ resmungou Ron _ Só teremos de dar um jeito de entrar em Hogwarts em plenas férias, encontrar as masmorras vazias e dar uma espiadinha rápida pra ver se a gente acha um caldeirão de Amortentia cozinhando por lá. Realmente muito simples!

_ Mas é mesmo muito simples! Tenho passe livre pra entrar em Hogwarts agora!

Ron franziu a testa e, talvez por passar tanto tempo com a namorada, teve um pequeno surto de hermionice:

_ Harry. Mas você vai ter que tomar muito cuidado... não pode ser visto nem fazer nada que vá atrapalhar seu emprego.

_ Claro que não, relaxa.

_ Certo _ continuou Gina _ Agora, temos que confirmar mais um detalhe: durante esse mês, a Tonks terá de ir a Hogwarts. Temos de ficar de olho nela.

_ Você cuida disso, Gina?

_ Pode deixar comigo.


*


Maldito castelo. Malditas férias. Maldita prisão. Maldito auror bonitão no bar.

Quatro frases que resumiam muito bem toda a confusão que ia dentro dele naquele momento. Todo um esforço, frustrações e conquistas de anos sendo ameaçados. Porque ele estava preso ali. Porque ele não poderia estar com ela no mundo lá fora sem algum auror intrometido do lado. E porque o mundo lá fora estava fervilhando de... pessoas como ela. E como o auror que ela havia encontrado no bar: pessoas muito mais jovens, de boa aparência e que pareciam viver com um cabide dentro da boca.

E não havia nada que ele pudesse fazer; a não ser observar de camarote o relacionamento mais compensador de sua vida se desmoronar. E como ele simplesmente odiava se sentir impotente daquela forma. Oh, como ele gostaria de ter algum poder para impedi-la de ir... Porque Snape não conseguia acreditar (ou tentava não se apegar à esperança) de que ela realmente fosse abrir mão da vida social, amigos e diversão para ir vê-lo. Ele, o morcegão. E graças a isso tudo, lá estava ele agora dando voltas e mais voltas pelo castelo mergulhado na penumbra, porque era patético: ele não conseguia dormir sem Tonks a seu lado, se revirando e repuxando os lençóis; não conseguia mais pegar no sono sem a interminável falação dela, que invariavelmente terminava com balbucios incompreensíveis e, não raro, um travesseiro meio babado.

Maldito castelo. Malditas férias. Maldita prisão. Maldito...

_ Mas q...

Snape ia tão concentrado em suas maldições e pragas que só notou a coruja quando esta planava em frente a seu rosto. Estava quase escuro, mas ainda assim ele reconheceu as penas avermelhadas. E no instante seguinte, enquanto seu coração batia ridiculamente rápido, era impossível não sentir um alívio enorme se espalhando por todas as suas células; alívio mesclado com um friozinho na barriga.

Como ele podia agir daquela maneira adolescente e não se sentir constrangido?


*


Ele apoiou os braços na borda da velha banheira e mergulhou a cabeça, sentindo a água cálida cobrir seu rosto. Contou mentalmente alguns segundos e então, emergiu; as gotinhas escorrendo pelo rosto, pelo pescoço e pelos ombros.

A carta de Tonks o havia deixado um pouco mais aliviado e, quem sabe, com um banho ele finalmente conseguisse pegar no sono. Tonks. Simplesmente *pensar* na carta dela trazia à tona todo tipo de sentimento contraditório: amor, ciúmes, frustração, possessividade e raiva... tudo isso traduzido por um quase-sorriso idiota no rosto. Ela era... especial. Um bálsamo. Era como se houvesse adivinhado seus temores e numas poucas linhas apressadas e espalhafatosas, mandado tudo às favas. Bem, quase tudo. Porque ele, Severus Snape, era um ser estranho, definitivamente; e não sabia amar sem ter de bônus sentimentos complicados e conflitantes.

Ele era, também, um belo de um acomodado que não se adaptava facilmente a mudanças. Porque ela tinha de estar longe? Ele a queria exatamente ali, com ele, naquele instante. O vazio que ele sentia pela ausência dela era quase física. Era engraçado como Tonks simplesmente não se importava com seu passado, sua rabugice, a crueldade eventual, o romantismo quase nulo, a quase incapacidade de expressar sentimentos. E com isso, às vezes; e cada vez mais, o fazia se esquecer também. Era tão piegas aquilo, mas ela fazia dele uma pessoa melhor.

E era tão bonita...

Snape ficou de pé e colocou uma perna para fora da banheira; a água escorreu e formou uma pequena poça no chão. Estendeu a mão em busca da toalha. Sim, ela era linda. Depois de muita insistência da parte dele, Tonks finalmente havia se mostrado tal como era: cabelos castanho-escuro ondulados, olhos cinzentos. E tediosa demais, na opinião dela. Tediosa. Snape sorriu. Oh sim. Aquela aparência não combinava em nada com a personalidade exuberante de Tonks. Mas ele ainda podia insistir com ela e conseguir, de vez em quando, vê-la em sua forma natural, tão clássica e não devendo em nada às qualidades de seus antepassados.

Tão linda.

Enquanto que ele... Snape estudou atentamente sua imagem refletida no espelho. O rosto comprido e ossudo, os olhos negros e intensos. Dentes meio tortos. Aquele nariz e... o cabelo que, mesmo ainda bastante úmido, já começava a mostrar sinais da maldita oleosidade. Ah, diabos. O cabelo era, na verdade, a única parte dele que Tonks tentava às vezes mudar. Vivia insistindo com ele o quanto a cor era bonita, o quanto a textura era perfeita e o quanto ficaria ainda melhor se ele cuidasse um pouquinho mais. Até parece que ele ia ficar se preocupando com vaidades. E Severus sempre fazia questão absoluta de recordar que já tinha sim, dado um jeito no cabelo uma vez e ela sequer havia notado... e ignorava a vozinha que dizia que, se Tonks não havia reparado, havia sido pura e simplesmente por causa da raiva que sentia por ele então.

_ Inferno.

Ele se enxugou lentamente, desejando que fossem as mãos dela a tocarem seu corpo. Suspirou de saudade, sentindo lá no fundo, por trás da grande onda de amor, as velhas melancolia e raiva queimando dentro de si. Pendurou a toalha e pegou o roupão.Foi quando pôs os pés no quarto que ele sentiu. Havia uma corrente de ar que não devia estar ali... mas não tinha tanta certeza se havia fechado a porta, embriagado que estaca com a cara dela. Snape se apressou pelo quarto, trancou a porta com um aceno de varinha e acendeu todas as velas e lâmpadas. Estava só. Devia ter sido mesmo distração. Estava ficando velho e mole. Um tolo romântico. Bem, que se danasse. Aquele tolo romântico dormiria com o bilhete bem ao lado, no criado-mudo, naquela noite.

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Oi, pessoas! Finalmente a atualização =)

Desculpem a demora, mas tive um bloqueio geral pra escrever durante esse tempo. E ainda estou, pra falar a verdade. Não to satisfeita com o esquema que fiz pra essa fic, mas não me sinto capaz de fazer outra coisa. E o cara mala continua enchendo, não ando conseguindo desligar dessa situação. O horror! Vontade de tomar uma medida drástica. Falta pouco pra isso, aliás. Bom, de qualquer forma, simplesmente parar com tudo não faz meu tipo, então, me obriguei a escrever alguma coisa. Espero que tenha ficado um capítulo pelo menos satisfatório ;D

Tadinho do Snape. Incrível como ele é inseguro e neurótico , e ficou todo “awww” só com o bilhete tosco da Tonks. Ele precisa de muito amor e carinho ainda :~

Aaaah sim, gostaria que vocês me dissessem se gostam desse tipo de texto, mais introspectivo e tal, ou se acham isso muito chato e não deve ser colocado em hipótese alguma =/ eu gosto de escrever isso, não sei se o pessoal curte ler.

Agradecimentos: morgana, vinola (escreve logo sua fic, mulher! To ficando louca aqui ;D), hannah, miguel, camis, nie, vansnape, Lara... ui, espero não ter esquecido ninguém. Quem atualizou fic esses dias, to indo ler agora ;D

Por último, eu to montando um arquivo (site) de fics lupin/tonks em português (não, não tem nada pronto ainda). Se algum leitor meu quiser ter suas histórias desse ship arquivadas lá, é só entrar em contato comigo ;D

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