Madame Gertrudes



Capítulo 9 – Madame Gertrudes

Apesar de Harry não saber muito bem o que acontecera naquela tarde, achou que não poderia ter sido melhor. O mais provável era que Rony tivesse ficado furioso com ele e Gina por não terem lhe dito nada a respeito do namoro, já que tinha ficado claro que eles já estavam juntos há algum tempo. Entretanto, o que havia acontecido entre ele e Hermione acalmara o rapaz ruivo a tal ponto que, quando os dois casais subiram novamente para a mesa onde haviam almoçado, Rony riu deles e lhe deu até um tapa nas costas, chamando-o de “cunhadinho”. Harry ficou mais aliviado com isso, assim como Gina. Parecia que tudo estava indo às mil maravilhas.

Quando voltaram à mesa, o garçom se aproximou novamente com um sorriso no rosto, aparentemente nem um pouco surpreso com as demonstrações de amor que haviam acontecido ali embaixo. Ofereceu-lhes novamente o cardápio, e cada um escolheu uma sobremesa “por conta da casa” que o restaurante oferecia aos seus clientes. O sorvete foi a escolha geral, e em poucos minutos quatro enormes taças foram colocadas frente aos jovens.

Harry aconchegou sua cadeira ao lado de Gina, abraçando-a com a mão esquerda e acariciando seu rosto com a direita. Rony também fitava Hermione com o rosto apoiado em seu ponho fechado e uma expressão sonhadora, enquanto ela lhe retribuía com um rosto tão vermelho quanto os cabelos dele. Harry serviu-se de uma generosa colher de seu sorvete de baunilha, a qual ofereceu para Gina, que aceitou com um sorriso. Harry também sorriu e beijaram-se novamente, sentindo aquele sabor de baunilha adocicando seus lábios e deixando-a ainda mais saborosa.

Rony também serviu Hermione com seu sorvete de creme com amêndoas, mas não a beijou imediatamente após tomar o sorvete. Ao invés disso, acariciou seus cabelos macios se perguntando como poderia ter imaginado que aqueles cabelos eram ruins. Parecia seda ao toque de seus dedos. Ele lançou-lhe uma piscadela e ela retribuiu com um sorriso ainda maior e mais envergonhado.

Todos se sentiam tão felizes naquela tarde que mal notaram o tempo passar e pequenas nuvens cinzentas começarem lentamente a ocupar o lugar do céu azul. Elas vieram do sul tão sorrateiramente que pareciam estar esgueirando-se pelo céu, espreitando a terra como um enorme tigre espreita sua presa na vegetação até surpreendê-la no bote fatal. Foram se unindo umas às outras, escondendo o céu azul e abafando os raios brilhantes do sol, e quando finalmente decidiram que deveriam avisar os despercebidos bruxos lá embaixo que tinham chegado, soaram um trovão tão alto que tremeu as paredes do restaurante “Rei da Pradaria”. Os quatro bruxos sobressaltaram-se.

- Minha nossa – exclamou Hermione, olhando para o céu que havia se tornado completamente cinzento. O vento começou a soprar tão forte que teria virado a toalha da mesa se Rony rapidamente não a tivesse segurado no lugar – O tempo virou tão rápido que nem percebi! Olha só a tempestade que se formou! Parece que o céu vai cair em cima da gente!

- Acho melhor irmos embora daqui – disse Rony rapidamente, recolhendo seus pertences de cima da mesa num gesto rápido e jogando tudo no bolso – a gente ainda tem que encontrar a loja de artigos para poções.

O garçom apareceu ao lado deles tão rápido que parecia ter aparatado. Entregou para Harry e Rony as contas e fez uma ligeira reverência estendendo a bandeja para acomodar o pagamento. Os dois rapazes despejaram o dinheiro rapidamente na bandeja do rapaz, sem nem ao menos se incomodar com a larga gorjeta que estavam lhe dando, e correram para o lado de fora do restaurante já completamente vazio e mais escuro do que nunca. O garçom lhes agradeceu cordialmente, e assim que saíram fechou as portas, colocando uma placa que dizia que só retornaria às suas atividades no final da tarde.

Os quatro bruxos enveredaram novamente pelas ruas de paralelepípedo escuro, caminhando rapidamente na direção onde tinham visto a loja de artigos para poções. Entretanto, diferente de quando seguiram na direção do restaurante, as ruas agora estavam sombrias e vazias, escurecidas pelas nuvens que havia se amontoado no céu. A cidade agora parecia bem menos acolhedora sob a ameaça da chuva pairando sob suas cabeças. Os trovões reboavam tão ruidosa e intensamente nas paredes e vidraças que elas sacudiam loucamente, e o vento, que aumentara sua força e uivava sombriamente entre as folhas das árvores, sacudia as placas das lojas e carregava folhas soltas de uma edição do Profeta Diário pelo céu.

Harry caminhava rapidamente, mas manteve os olhos fixos no horizonte onde a chuva tinha se formado e avançara em direção a Portville. Viu à distância a grossa cortina cinzenta que se estendia por quilômetros para os lados. Isso indicava já estar chovendo a alguns poucos quilômetros de distância da vila, o que não era nada bom porque a chuva em breve estaria sobre eles. Ao sul, o céu se tornava cada vez mais escuro e as nuvens mais carregadas e ameaçadoras. Um raio cortou o céu negro e espalhou-se em várias direções, iluminando as nuvens escuras com uma claridade azulada e surreal.

Para todos eles, a chuva era um péssimo presságio. Harry imaginou que naquele momento, a vinte quilômetros de distância de onde estavam uma chuva torrencial deveria estar caindo bem em cima da propriedade de Morgan. O pátio gramado ao redor da casa deveria agora estar completamente inundado pela chuva que caía, as valetas de escoamento, pequenas valas triangulares de concreto que levavam a água da chuva para longe da casa de campo para evitar que a mesma inundasse, naquele momento deviam estar semelhantes a pequenos rios caudalosos. O vento forte estaria soprando como louco, fazendo as árvores do bosque se torcer e dobrar, rangendo suas juntas como se fossem quebrar a qualquer instante. O dilúvio caía sobre a terra naquelas paragens, uma espessa cortina de água obstruía a visão de objetos distantes, e as janelas de vidro estavam sendo castigadas pelas grossas gotas de chuva que caíam inclementes.

E isso não era o pior. Para os habitantes daquela fazenda há vinte quilômetros de distância, sentados em suas cadeiras em frente à lareira quente e segura, eles estavam num bosque não muito distante, procurando unicórnios. “Pobres crianças”, provavelmente diria a Sra. Morgan, olhando para a chuva intensa que castigava a terra, “perdidas e molhadas no meio do mato, não levaram agasalho de chuva para passearem.” Harry podia ver claramente o rosto de Morgan flutuando à sua frente, com um olhar de visível e sincera preocupação, virando na direção do mordomo de olhar austero que havia buscado os biscoitos no dia anterior. “Charles, por favor, vá buscar as crianças no bosque, elas devem estar desesperadas”. Harry tentou imaginar o que aconteceria com Morgan e Sra. Weasley quando descobrissem que eles não estavam na propriedade. Rapidamente, tentou afastar o pensamento da cabeça. Preferia nem imaginar.

Caminharam por mais cinqüenta metros pela via principal, passando em frente a várias lojas de artigos bruxos que já tinham fechado suas portas por causa da chuva. Quando finalmente chegaram à frente da loja de artigos para poções, tiveram uma decepção. Uma placa de “Fechado” pendia do lado de fora da porta dupla da entrada, suspensa num pequeno prego.

- Caramba, Harry – desabafou Rony, dando um pontapé numa caixa de madeira que estava ao lado da porta de entrada – Será que todo o comércio dessa porcaria de cidade fecha só porque vai ter uma chuvinha?

- É, parece que sim – disse o rapaz, desgostoso, enquanto olhava para os lados na rua em busca e uma nova loja para comprar os ingredientes que precisavam – Desse jeito, vamos ter que voltar de mãos abanando para a mansão. E acreditem, depois de hoje, ninguém vai tornar a deixar a gente sair sozinho por aí sem vigilância. Aposto até que vão colocar aurores na nossa cola.

- Pode apostar – disse Gina, rindo – Afinal, ninguém melhor do que a gente para arrumar encrenca, não é mesmo?

- Bom, falem por vocês – disse Hermione, meio séria meio rindo – Eu não tenho o costume de sair por aí quebrando regras da escola.

Rony tossiu alto algo que lembrava com clareza a palavra “Polissuco”, o que ativou a resposta imediata de Hermione: um estalado tapa no ombro do rapaz. Todos riram com gosto e tornaram a enveredar pela rua em uma direção qualquer, em busca da loja de poções que tão desesperadamente precisavam. As nuvens negras se aproximavam cada vez mais e o forte vento começou a trazer as primeiras gotículas de chuva, deixando o ar mais úmido e enchendo-o com um cheiro de terra molhada e grama. Os bruxos apressaram o passo, subindo uma alameda que se projetava do lado esquerdo deles, como uma rampa. Dos dois lados da estreita alameda, ladeada por um paredão de pedra à esquerda e pequenas casas à direita havia pedaços quebrados de vários artigos como carroças, caixas e vassouras. A alameda fez uma longa e ascendente curva, para por fim acabar num beco sem saída, onda a única coisa que se destacava era uma pequena e engraçada lojinha no final da rua.

Ao vê-la pela primeira vez, Harry achou que a loja parecia uma gigantesca versão do Chapéu Seletor de Hogwarts jogado de qualquer jeito sobre uma construção arredondada. O telhado vermelho-terra espichava-se da casa em forma de cone por quase três metros de altura, mas o tempo e as ventanias tinham feito nele o seu trabalho através dos anos, de forma que o topo havia se inclinado para frente e dobrado em dois pontos, um perto da base e outro perto da ponta. O construtor obviamente não se dera ao trabalho de tentar desentortá-lo, e havia coberto os buracos das dobras com um remendo feito de grossas tábuas de madeira. Na base do telhado havia sido feita uma aba de mais ou menos um metro de largura, menos inclinada que a parte de cima, acentuando ainda mais a aparência de chapéu. No pico do telhado, ainda inclinado de lado, havia um daqueles galos que indica a direção do vento, e que agora girava descontroladamente à mercê da ventania que soprava naquela tarde.

A casa propriamente dita era feita de um material que parecia sapê, mas cuidadosamente protegida conta a umidade com uma camada grossa de betume negro, por cima do qual posteriormente fora aplicada uma tinta amarelo-ovo. Em vários lugares, a tinta já havia cedido às chuvas e descascara, deixando aparecer o betume por debaixo. Bem à frente da casa havia tão enorme quantidade de tralhas que Harry teria achado que aquele lugar fosse algum depósito de lixo abandonado, não fosse pelo fato que ele conseguiu distinguir milagrosamente uma cerca baixa de madeira por detrás dela, já quebrada em vários pontos, e que separava o terreno da casa das porcarias à frente dele.

O terreno era outra lástima. A estranha casa ficava num ponto mais ao lado direito do terreno, deixando de seu lado esquerdo um grande espaço delimitado apenas pela cerca de madeira do lado de fora. Neste espaço havia crescido um denso matagal tão alto quanto os rapazes, e havia tanto mato e árvores que Harry achou que ali deveria ser um atalho para Floresta Proibida de Hogwarts. Havia duas árvores feias e ressecadas crescendo ao lado da cerca, e que eram parcialmente responsáveis pela mesma ainda não estar de pé, já que a haviam empurrado para fora do lugar ao crescer. Atrás delas havia mais uma meia dúzia de árvores de copa frondosa e escura, que aumentavam ainda mais a escuridão já proporcionada pelo tempo de chuva.

Quase imperceptível meio ao matagal que tomara todo o terreno, havia uma estreita estrada de tijolos vermelhos que levava até um alpendre localizado na lateral da estranha moradia. Olhando por entre as enormes touceiras de mato que cobriam seu campo de visão, Harry pôde distinguir uma estreita chaminé de metal que se projetava pela lateral da casa circular como um chifre. Ao lado da chaminé, suspensa por apenas uma das duas amarras que um dia a haviam sustentado no lugar, havia uma placa gasta de madeira com o desenho de um caldeirão e os seguintes dizeres “Artigos Bruxos de Madame Gertrudes” em tinta vermelha e gasta. O alpendre dava para uma porta de madeira gasta e retorcida, com uma pequena portinhola na parte superior, mas que estava entreaberta e deixava escapar para o alpendre uma luminosidade alaranjada e bruxuleante.

O céu se iluminou novamente com o clarão de um relâmpago e lembrou Harry que estavam no meio da rua, esperando uma tempestade para dali a alguns minutos. Gina e Hermione olhavam perplexas para a casa à frente, e Rony ria baixinho olhando o telhado com formato de chapéu que cobria a casa. Frente à cerca havia um portão de madeira caído no chão, quase indistinguível das porcarias que já o cobriam, e pendurado no pequeno poste onde estivera o portão havia um pequeno sino de latão com uma fita vermelha presa ao badalo. Harry avançou na direção dela e foi detido pela mão de Rony em seu ombro.

- Espera só um minutinho, chapa, você não está pensando em entrar aí dentro, está? – perguntou o amigo, com uma expressão de total incredulidade no rosto.

- Pode apostar que sim – disse Harry, virando-se para o amigo. As duas bruxas haviam se aproximado e agora ladeavam seus companheiros – Deve ser a única loja aberta na vila inteira, e vou ver se eles têm o que eu vim buscar. Não tenho a menor intenção de voltar pra mansão com as mãos abanando.

- Harry, essa talvez seja a única vez que concordo com o Rony – disse Hermione, preocupada. Rony olhou para ela, meio reprovador meio sorridente – Não acho que vamos encontrar o que viemos buscar aí dentro. Esse lugar me dá uma má impressão...

- Que é isso, gente – disse Gina, colocando as mãos na cintura e olhando para o irmão com cara feia – vão amarelar agora, que estamos encrencados até o pescoço? Agora que já chegamos até aqui não podemos desistir.

- Ninguém falou em amarelar – disse Rony, defendendo-se – só acho que essa casa deve ser habitada por um vampiro, ou sei lá o quê... Podemos encontrar essa erva em algum outro lugar.

- Se esse é o único lugar aberto, então é aí que vamos encontrá-la – disse Harry, irredutível, cruzando os braços e encarando o amigo – Eu vou entrar, quem vai comigo?

Rony e Hermione se entreolharam brevemente, analisando a situação. A chuva se aproximava cada vez mais e eles estavam ali, no meio de uma cidade desconhecida a mais de vinte quilômetros de casa, sem nenhum outro lugar para encontrar os ingredientes que precisavam. Não estavam numa situação onde podiam ficar escolhendo demais o que fazer.

- Beleza, vamos entrar com você – disse Rony, encolhendo os ombros com um suspiro – mas vamos logo, temos que voltar para casa antes que dêem pela nossa falta.

- Acho que já é tarde demais para isso – disse Hermione contrariada, aproximando-se da cerca e badalando energicamente a sineta – já deve ter meio mundo atrás da gente.

- Só espero que não tenham chamado o Moody para nos procurar – disse Rony, estremecendo ao imaginar em que espécie de inseto ele os transformaria quando descobrisse o que acontecera. Depois pensou em algo mais terrível ainda e estremeceu ainda mais – Pensando bem, espero que a mamãe tenha ido pro Alasca, senão ela vai mandar o que sobrar de mim para lá numa caixinha de fósforos.

Da direção da porta entreaberta, veio um som que parecia uma espécie de rosnado baixo e grave, que soou por alguns segundos antes de parar abruptamente. A porta se abriu lentamente com um rangido longo e a fresta da porta se alargou, deixando passar mais claridade para o lado de fora. Harry teve a impressão de ver um vulto grande e escuro passar rapidamente para dentro, como se flutuasse, vindo do matagal que rodeava a casa.

Hermione se adiantou aos outros, pisando por sobre o portão de madeira e avançando sobre a estreita trilha de tijolos avermelhados à frente. Ela precisou afastar o mato alto com as mãos para que ele não tocasse seu rosto, mas isso não a impediu de continuar seu caminho. Não tinha andado nem cinco passos, quando avançar ficou praticamente impossível. O mato alto se entrelaçava à frente dela como uma enorme rede verde, tornando impossível seguir sem cortá-las. Hermione tentou desembaraçá-las com as mãos, mas quanto mais puxava mais apertados ficavam os nós que a seguravam no lugar. Após alguns segundos de tentativas infrutíferas, virou-se para os amigos, pensativa.

- Já tinha ouvido falar desse tipo de vegetação, mas não consigo me lembrar qual é o seu nome – disse Hermione para os amigos, enquanto se esforçava para lembrar – ela é aparentada ao Visgo do Diabo, sabem? Aquela planta que quase nos enforcou no primeiro ano?

- É, eu me lembro daquilo – disse Harry, sorrindo para a amiga e se aproximando do mato alto – Como era o lance, mesmo? Tinha que afastá-la com luz, não era?

Hermione concordou com a cabeça e Harry se adiantou a eles, apontando a varinha na direção da massa verde à sua frente. Pronunciou “Lumus Maxima” e a ponta de sua varinha se iluminou com uma luz intensa, iluminando as plantas ao redor deles com um brilho branco. Imediatamente os altos tufos de mato começaram a se mover, mas diferente do que Harry estava esperando, elas não se afastaram da fonte de luz. Ao contrário, começaram a se mover em direção a ela com a velocidade de um raio. As folhas compridas e verdes começaram a se entrelaçar ao redor dos bruxos, segurando-os com uma força inacreditável.

Hermione foi pega pelas pernas e derrubada de costas no caminho de tijolos com um baque surdo, o que fez com que sua varinha escorregasse de sua mão e caísse em meio ao mato, fora de seu alcance. Gina foi enrolada pela cintura com as folhas esverdeadas, que também seguraram suas mãos e agarraram a varinha, tentando retirá-la das mãos da bruxa. Harry, que era a fonte de toda luz, foi quase imediatamente envolvido pelo mato que se erguia ao seu redor. As folhas se enrolaram em torno de sua mão formando um casulo de folhas, e outras agarraram a sua cabeça e começaram a puxá-lo para trás, em direção ao meio do mato. Harry usava toda a sua força na tentativa de resistir à força das folhas, mas parecia que quanto mais força fazia mais firme elas o agarravam.

O único que havia escapado do ataque das plantas havia sido Rony, que tinha ficado por último na fila a entrar no mato. Estava parado perto do pequeno sino na cerca, olhando estupefato para a confusão de folhas e gritos à sua frente.

- Rony, caramba, faça alguma coisa! - gritou Harry, desesperado, tentando em vão escapar do abraço das plantas – Qualquer coisa, mas faça já!

Gina já havia desaparecido debaixo da confusão verde que se formara na estrada que levava à loja. Hermione ainda lutava, mas as plantas tinham se enrolado sobre a sua boca, de forma que ela não conseguia executar feitiço algum para se libertar. Harry se debatia desesperadamente contra a muralha que tentava envolvê-lo. As folhas se agitavam como chicotes na direção deles e parecia que o quintal inteiro se transformara num mar de serpentes que tentavam lhes dar o bote.

Rony levantou a varinha em direção às plantas que haviam coberto o caminho, ainda surpreso com a rapidez do ataque das plantas, e pronunciou o único feitiço que veio em sua mente naquele momento.

- Iter Libera! - gritou, girando a varinha em padrões espirais em direção ao mato.

Quase imediatamente à pronúncia do feitiço, as altas touceiras de mato que seguravam seus amigos torceram suas folhas para fora do caminho deles, desembaraçando-se e soltando os nós como se um forte vento começasse a ser soprado do ponto onde estava Rony. Hermione foi a primeira a se libertar completamente quando as folhas deixaram seu corpo e sua boca, caindo de joelhos no chão de tijolos e ofegando, tentando recuperar a respiração. Gina quase havia sido puxada para dentro do mato, mas metade dela ainda estava no caminho de forma que ela se arrastou, tossindo, de volta à estrada. Harry foi solto por último, e quando finalmente se libertou das plantas Rony pode ver que o rapaz tinha vergões vermelhos por todo o corpo, onde o mato havia se enrolado como tenazes de ferro. Rony sorriu sem graça para os amigos, xingando-se por não ter reagido a tempo e impedido as plantas de os machucarem.

- Foi mal aí, gente – disse ele, encabulado – acho que esse mato me pegou de surpresa.

- Não diga, jura? - caçoou Gina, batendo o pó da roupa e massageando a cintura onde as plantas a haviam segurado – Achei que estava se divertindo vendo a gente ser morto.

- Não seja idiota, Gina – disse Rony, de cara amarrada.

- Não vamos culpar o Rony – disse Hermione, sorrindo meio dolorida – Não podemos exigir que ele tenha reflexos tão rápidos assim... ele já é meio lerdinho, coitado...

- Ah, muito obrigado, Hermione – disse ele, ainda mais furioso – isso ajudou muito! Devia escrever um livro de auto-ajuda, com essa habilidade de animar as pessoas. Tenho certeza que ia fazer um sucesso!

- Deixa para lá, Rony – disse Harry, mancando até onde eles estavam parados. Uma das plantas havia feito um corte na sua perna esquerda – Ainda bem que vocês estavam atrás de todo mundo, amigão! Sem você a gente tinha ido pro beleléu!

- Pode crer, Harry – disse Rony, mais aliviado, virando-se novamente para Hermione – Mas que diabo é esse mato aí?

- É Erva da Escuridão, eu deveria ter percebido – disse ela, dando um tapa na própria cabeça – A Profa. Sprout comentou sobre elas no primeiro ano, junto com o Visgo do Diabo. Diferente do visgo, a Erva adora a luz, envolvendo-a e tentando ao máximo se aproximar dela. Por isso elas são tão altas.

- E você, hein, Rony? - disse Gina, já um pouco mais calma – Feitiço de Liberar o Caminho?

- Lembrei que a gente usava isso para passear naquele bosque perto da Toca – disse Rony, explicando encabulado – Lá tinha bastante cipós entre as árvores, e era terrível de caminhar entre eles. Daí a gente usava esse feitiço para que eles saíssem do caminho sem que a gente tivesse que cortá-los. Lembro de ter usado algumas vezes no meu quarto para caminhar no meio da bagunça.

- Bom, seja o que for, serviu direitinho para nos ajudar – disse Hermione, olhando para o mato que havia se afastado do caminho e balançava tranqüilamente dos dois lados da estrada – Genial, Rony!

Rony se empertigou orgulhoso de seu feito, e recebeu em troca um beijo caloroso de Hermione. Harry e Gina se viraram novamente em direção à loja à frente e recomeçaram a andar na direção dela, acompanhados de perto por Rony e Hermione, ambos de varinha na mão. Agora sem o mato para atrapalhar, chegaram facilmente ao alpendre que abrigava a porta onde tinham visto o vulto escuro entrar. A porta havia se aberto mais do que antes, mas ainda bloqueava a visão deles do interior da casa, de forma que Harry se adiantou aos amigos e com a mão esquerda empurrou a porta para que ela se abrisse ainda mais, segurando a varinha com sua mão livre. De dentro da casa veio o cheiro estranho de temperos, misturado com um cheiro de mofo e coisas velhas embaladas em potes coloridos. Harry lembrou-se imediatamente do cheiro estranho que dominava o armário de ingredientes de poções do Prof. Snape.

A porta da entrada dava acesso diretamente a um aposento também redondo, mas muito maior que a casa, o que fez Harry assumir imediatamente que o local possuía alguma magia para fazê-la ser muito maior por dentro do que por fora. Suspenso no teto havia um lustre de ferro com aparência bastante pesada, sustentando quatro pequenos archotes acesos, que eram a fonte da bruxuleante luz alaranjada que iluminava todo o salão. Uma das quatro correntes que sustentavam o lustre havia se partido devido à enorme quantidade de ferrugem que se acumulava por todo o massivo objeto e pendia melancolicamente abaixo do mesmo. Isso fazia com que ele ficasse penso para o lado direito, dando a horrível impressão que iria cair a qualquer momento e esmagar o que houvesse debaixo dele.

O interior da loja era exatamente aquilo que Harry estivera imaginando desde que a viu pelo lado de fora. Diretamente à frente deles havia um enorme tapete circular que ocupava quase todo o chão da loja, com padrões coloridos que se entrelaçavam em padrões muito similares aos antigos nós celtas, entrelaçando-se uns nos outros na forma de animais correndo ao redor de uma imensa flor ao centro. O colorido do tapete há muito já se fora, deixando apenas tons mais ou menos visíveis de verde e cinza que se misturavam a manchas de diversos tipos espalhadas sobre a sua superfície. Os pêlos do tapete também já haviam se desgastado com o tempo, deixando de ser espessos e fofos e restando apenas uma fina camada de pelagem rasteira, como um caminho que é muito utilizado e faz desaparecer os tufos mais altos de grama e deixam apenas uma minúscula e rasteira vegetação.

As paredes do local eram forradas com estantes que estavam atulhadas de toda sorte de objetos das mais estranhas utilidades, e os bruxos tiveram a impressão de que alguém estivera pegando os objetos jogados no portão da casa e os havia amontoado nas estantes do interior. Não havia ordem alguma, e objetos às vezes grandes demais para caberem nas estantes haviam ou sido socados nela até se espremerem entre as tábuas ou haviam sido jogadas aos pés da estante, fazendo um amontoado confuso de objetos. Estranhamente, os objetos espalhados pareciam combinar com o aspecto desgrenhado da casa, dando a eles uma estranha impressão de conforto mesmo no meio de tanta bagunça.

A primeira coisa que chamou a atenção de Harry entre todos os objetos jogados aleatoriamente pelo chão foi uma enorme bicicleta prateada jogada bem ao lado da porta de entrada. O selim da bicicleta já há muito tempo perdera seu forro e tudo o que restara era a parte de ferro onde se acomodara a espuma. Nas laterais do selim ainda pendiam uma dúzia de franjas vermelhas, descansando após agitarem-se ao vento por muitos anos. O guidão da bicicleta, do tipo “chifre de boi”, ainda mantinha os manetes inteiros apesar de bastante gastos, mas a ferrugem já começava a levar a melhor sobre a pintura prateada que cobria a bicicleta, derretendo a pintura e expondo o ferro velho por debaixo. Os pedais também já há muito tinham desaparecido, restando apenas os eixos onde eles deveriam se fixar e rodar. O mesmo fim havia levado os cabos dos freios, também desaparecidos. Na parte traseira da bicicleta havia um bagageiro de metal que havia perdido as suas porcas de fixação, de forma que ele encostava-se ao pára-lama traseiro, entortando-o para baixo em direção à roda. Harry notou que seria impossível andar com um garupa com a bicicleta neste estado, porque o peso do garupa frearia a bicicleta, impedindo-a de andar.

Não que Harry fosse um grande admirador de bicicleta. Não tivera muita oportunidade de andar nelas durante a infância, porque os tios nunca tinham lhe dado nenhuma nem o primo jamais se interessara por qualquer objeto que incentivasse a prática de esportes. Mesmo assim, tendo andado poucas vezes de bicicleta provaram para Harry que aquele não era seu veículo preferido, e quando entrou em Hogwarts essa impressão se transformou em certeza. Preferia mil vezes voar numa vassoura que pedalar essa geringonça, suado e cansado. Ainda assim a bicicleta prateada, mesmo com sua aparência velha e desgastada além do reparo, fez Harry imaginar-se pedalando feliz numa tarde ensolarada, refletindo os raios de sol na pintura nova e sentindo o vento despentear ainda mais seus cabelos. Esse pensamento o fez sorrir gentilmente para a velha bicicleta abandonada.

Gina, por outro lado, espantou-se com algo mais adiante da bicicleta prateada que chamara a atenção de Harry. A pelo menos uns três metros de distância de onde estavam os garotos, havia fixado na parede entre duas estantes algo que a fez cair o queixo. Presa num suporte de madeira, da mesma forma que os caçadores trouxas fixavam as cabeças de leões, tigres e outros animais como troféus, havia a cabeça de um enorme dragão.

Não que imaginar a cabeça de um dragão presa à parede fosse algo além da imaginação de Ginevra Weasley. Infelizmente, assim pensava ela, já tivera experiência suficiente com as outras bruxas na escola e descobrira que caçar dragões não era um passatempo incomum no mundo bruxo. A caça predatória aos dragões só fora abolida na Grã-Bretanha nos últimos séculos, de forma que foi necessária a criação de reservas especiais para aqueles que haviam sobrevivido a séculos de perseguição. A cabeça dos dragões era, ao lado das cabeças de quimeras, o mais prezado tesouro que um caçador bruxo poderia desejar em sua parede.

O que poucas pessoas sabiam, entretanto, era que nem todas as espécies de dragões eram como os Rabos-Córneos-Húngaros, ou os Meteoros Chineses que haviam visitado Hogwarts há dois anos para o Torneio Tribruxo. Aquelas espécies de dragões eram terríveis, violentas e extremamente territoriais, mas era o menor problema dos bruxos, porque eram previsíveis em suas ações com relação à invasão de suas terras e às ameaças a suas crias. Não, estes não eram problema algum.

A cabeça de dragão que estava na parede pertencia a uma espécie de dragão que ela havia estudado há dois anos atrás por sugestão de Carlinhos após ter reclamado que aquelas criaturas estavam entre as mais terríveis que já vira na vida, bem em meio à empolgação do Torneio Tribruxo. Quando recebeu um exemplar de “O Mundo Secreto dos Dragões” pelo correio coruja, presente do irmão, a moça ficara surpresa ao descobrir que muitos dragões eram extremamente inteligentes, mais até do que a maioria dos bruxos. Não eram capazes de usar varinhas, mas tinham a sua própria magia e ela era extremamente poderosa. Em geral, eles utilizavam apenas para proteger seus ninhos ou enfrentar seus inimigos, mas já houvera relatos de dragões inteligentes atacando cidades ou liderando exércitos na idade média. Era isso que a Ordem estava combatendo naquele exato momento, enquanto eles se arriscavam tolamente fora da redoma de segurança que seus pais haviam trabalhado tão arduamente para construir.

A cabeça do dragão em questão deveria medir aproximadamente um metro de comprimento e meio metro de altura, possuindo a cabeça em formato ovalado, diferente da maioria das espécies, que tinham a cabeça em formato de cone. Suas poderosas mandíbulas se fechavam como as de um crocodilo, com sua fileira ameaçadora de presas pontiagudos e amarelados se encaixando pelo lado de fora da mandíbula, deixando as maiores visíveis do lado de fora da bocarra. Logo acima estavam as narinas, dois orifícios do tamanho de bolas de beisebol dentro dos quais Gina poderia facilmente encaixar a sua mão. Um pouco mais acima da cabeça estavam olhos, que se acomodavam numa parte mais funda do crânio como os olhos humanos, diferente da maioria dos lagartos, que tem os olhos saltados. Cada olho ficava de um lado da cabeça, como os olhos de um cavalo, dando a ele uma visão periférica, mas ligeiramente menos efetiva para alvos diretamente à sua frente. Os olhos do dragão estavam fechados, mas Gina pôde imaginar o brilho maldoso e cruel que encontraria neles. Por fim, no meio da cabeça entre os dois olhos havia um chifre longo e grosso, que acabava abruptamente numa ponta irregular, como um chifre de unicórnio malfeito. Um pequeno pedaço do pescoço ligava a cabeça à tábua do troféu, e era coberto de escamas largas e azuladas, assim como a cabeça.

Por mais que a cabeça fosse impressionante e ameaçadora, não foram essas características que impressionaram Gina. Não fora a poderosa mandíbula, ou as escamas azuladas, ou o poderoso chifre que havia chamado a atenção da bruxa, mas sim o fato de que a cabeça movia-se lentamente, para cima e para baixo, com os olhos fechados numa expressão ameaçadora, mas tranqüila. O dragão não estava morto, por mais incrível que isso parecesse, mas na verdade dormia tranqüilamente em seu apoio de madeira. E os olhos se mexiam, como se ele estivesse sonhando! O dragão mexeu-se em seus sonhos, sejam quais fossem, e uma pequena fagulha elétrica saltou de sua boca, iluminando o ar à sua frente num estalo.

Por mais incrível que fosse aquela visão, a cabeça decepada e viva do dragão que Gina estava vendo não fora o que chamara a atenção do irmão. Não que o dragão não fosse algo portentoso e ameaçador, muito pelo contrário, como Gina mais tarde descobriria. Apesar de ser algo realmente estranho numa vila bruxa, a bicicleta de Harry não era lá grande coisa, mesmo que provavelmente impressionasse o Sr. Weasley. O que chamara a atenção de Rony era muito melhor do que dragões ou bicicletas prateadas, pelo menos no que dizia respeito às opiniões do rapaz.

Do lado completamente oposto ao qual Harry e Gina estavam olhando, havia caída no meio de uma pilha de entulhos algo que Rony mais tarde descreveria como sendo uma das melhores coisas que já tinha encontrado em toda a sua vida. No momento que a encontrou, não poderia fazer a menor idéia do para que aquilo lhe fosse nem vagamente útil, mas mesmo assim ela atraiu a sua atenção como uma luz forte atrai a mariposa à noite. Jogada no meio de uma pilha de objetos estranhos, que incluíam um despertador metálico e um pijama de bolinhas, Rony pôde distinguir quase imediatamente o cabo longo de uma espada.

A primeira coisa que Rony pensou quando viu a enorme pilha de entulho no interior da loja foi em quão maravilhado ficaria seu pai se visse todas aquelas quinquilharias empilhadas. Havia tantos objetos interessantes ali que ele poderia passar o resto do século apenas desmontando as porcarias que cobriam o que realmente tinha chamado a sua atenção. Rony deu alguns passos hesitantes em direção à espada, aproximando-se para enxergá-la melhor.

A espada talvez fosse a única coisa dentro daquela loja de velharias que não estava num estado de deplorável abandono. Muito pelo contrário, parecia ter sido cuidadosamente polida a tal ponto que Rony podia ver a luz dos archotes refletida perfeitamente na superfície do cabo. A empunhadura era dourada, e ao redor dela fora enrolada uma faixa de tecido azul-cobalto para evitar que a mão de seu portador tocasse o frio metal. A parte inferior do cabo terminava numa estrela azul que emitia uma luz fraca como a luz do luar, mas visível mesmo na luz bruxuleante do aposento. A lâmina da espada não era visível, pois estava guardada numa bainha larga de metal, feita com o mesmo tecido azulado da empunhadura, com pequenos detalhes dourados por toda a sua extensão. Havia a figura de um pequeno dragão em vôo, fabricada com o mesmo metal dourado, afixada na lateral da bainha.

Não era como se nunca tivesse visto uma espada em sua vida. Pelo menos em Hogwarts, havia espadas por todos os lados, normalmente afixadas nas centenas de armaduras espalhadas pelos corredores do castelo ou em suportes nos salões comunais e de festas. Haviam espadas para todos os gostos, comuns de ferro frio, de prata, de ouro, decorativas ou não, adornadas com pedras preciosas como a do fundador da Grifinória, que haviam visto no segundo ano. Sim, todas aquelas espadas eram espadas, armas letais que haviam servido a alguma guerra de tempos passados ou tinham sido forjadas com propósitos inteiramente decorativos e não possuíam fio. Espadas mortas, por assim dizer. Espadas tinham apenas um propósito na cabeça de Rony: matar. Espadas forjadas com propósitos diferentes deste eram apenas pedaços de ferro no formato de espadas.

Aquela, entretanto, parecia completamente diferente de todas as espadas que o bruxo já havia visto em sua vida. Mesmo não sendo adornada com pedras preciosas como rubis e diamantes, a espada lhe dava uma impressão imponente, quase mítica. Rony não sabia dizer como, mas podia sentir que a espada havia pertencido a um grande general, ou algum grande rei de outrora. Podia ver claramente uma figura imponente cavalgando seu grande corcel, o cabelo longo esvoaçando com o vento. Tinha a espada afixada na lateral de seu corpo, batendo na coxa com um baque surdo, conforme avançava rapidamente pela campina.

Além disso, Rony sabia que a espada não tinha nada de morta, muito pelo contrário. A luz prateada que ela emanava era apenas uma vaga lembrança do que um dia aquele brilho havia significado, e Rony percebia que a luz não havia se apagado, mas apenas abrandado numa dormência tranqüila, aguardando seu próximo portador. Alguém que estivesse à altura de seu antigo senhor e mestre, que fora uma pessoa muito importante, mas que caíra no esquecimento assim como a espada que jazia numa pilha de tralhas. Mas a espada aguardava obedientemente, tranqüilamente, através dos séculos. Enquanto Rony olhava percebeu, maravilhado, que a espada emanou um brilho mais forte, como se estivesse despertando com a chegada de seu mestre. Imaginar a si mesmo no lugar do poderoso general a cavalo portando a espada o fez abrir um sorriso ainda maior.

Hermione, por outro lado, não se deixou distrair por essas quinquilharias que os outros observavam. Hermione nunca fora uma pessoa que se deixasse distrair por qualquer porcaria, ainda mais quando tinha um objetivo fixo em sua mente. A mente disciplinada não admite distrações, não se deixa confundir e Hermione tinha orgulho de saber que a sua a havia deixado na mão muitas poucas vezes. Talvez seja por esse motivo que Hermione mais tarde teria vergonha de admitir que sua atenção houvesse sido tão abalada com o que vira, a ponto de por alguns instantes esquecer completamente o que viera fazer naquele lugar.

O objeto que havia chamado a atenção de Hermione parecia, à primeira vista, algo bastante comum. Era uma espécie de adereço para a cabeça, como uma pequena coroa, mas de fabricação fina e leve. Tinha a forma de finos ramos de roseira que se entrelaçavam em padrões circulares ao redor de pequenas pedras azuis, enfeitadas com pequenas folhas prateadas. No centro, havia uma pequena estrela azulada feita de cristal. Era um adereço delicado e parecia bastante frágil. Estava opaco pela exposição ao tempo, mas ainda mantinha a sua beleza simples mesmo estando jogada no meio de um punhado de tênis e sapatos sujos e esburacados.

Hermione já tinha isto muitas tiaras em sua vida, é claro, afinal era uma garota e ela própria tinha algumas em seu porta-jóias, presentes de sua mãe ou amigas. A garota nunca se interessara muito pela própria aparência, e preferia ficar horas estudando algum assunto extremamente difícil a passar o mesmo tempo se arrumando em frente ao espelho. Ainda que prezasse sua boa aparência o suficiente para não ser uma largada, não tinha muita predileção por adereços chamativos.

Entretanto, não fora a beleza da peça, ou seu provável valor que havia atraído a sua atenção, mas principalmente o símbolo no centro da tiara, porque ele era terrivelmente familiar. Era o mesmo símbolo que vira no anel que Lothian tinha em sua mão.

Não que isso fosse uma enorme descoberta, afinal estavam numa espécie de ferro-velho de Portville e Lothian havia certa vez comentado que houvera alguns parentes dele que haviam morado naquela região. Era completamente possível que alguns pertences de sua família tivessem parado naquele ferro-velho, sendo passados de mãos em mãos até que tivessem sido abandonados naquele lugar. O mais impressionante, na opinião de Hermione, é que a tiara prateada parecia ser algum tipo de relíquia de família há muito perdida.

Poderia parecer estranho se ela tentasse explicar, mas a tiara parecia emanar um aura não de imponência ou de respeito, mas de sabedoria e compaixão. Os galhos de roseira cuidadosamente trabalhados e os detalhes das pequenas e delicadas folhas tinham sido trabalho de um artesão cuidadoso e dedicado, e não pareciam ser algo do tipo que se veria num déspota ou na cabeça de um Comensal da Morte. O trabalho lembrava demais a luz para que se pudesse imaginar algo do tipo com alguém que venerasse as Artes das Trevas.

Hermione já sabia que a família de Lothian não tinha sido a família mais feliz do mundo bruxo nos séculos anteriores. Sabia que eles tinham se metido até o pescoço nas artes das trevas e que toda a história dos “Cavaleiros das Sombras” de certa forma pareciam encaixar no estranho comportamento que o rapaz exibia para todos que quisessem ver. Hermione tinha lá as suas dúvidas a respeito da lealdade dele para com a Ordem da Fênix, mas não duvidava nem por um segundo que sua família tinha servido algum grande bruxo das trevas no passado.

E era por esse motivo que por mais estranho que parecesse, a tiara lhe dava uma clara impressão de que fora utilizada por alguém nobre e sábio, completamente diferente de qualquer coisa que já tivesse imaginado na família dele. É claro que podia muito bem imaginar que houvera alguma “ovelha branca” na família de Lothian, e pensando desta forma talvez até fizesse mais sentido encontrar um objeto como aquele ali, jogado para o esquecimento. Talvez fosse alguém do passado que a família se recusasse a lembrar, mais ou menos como Sirius e sua família.

Subitamente, um trovão mais alto que todos os outros ecoou do lado de fora da loja de Madame Gertrudes, iluminando todo o salão circular com uma luz branca e tirando todos os quatro bruxos do torpor hipnótico que haviam sido lançados por aqueles estranhos e maravilhosos objetos. O trovão que se seguiu reboou tão alto que tremeu todo o salão, fazendo cair alguns objetos menores de seus lugares nas prateleiras que rodeavam o salão. Quando o raio terminou, foram necessários alguns segundos para que os olhos bruxos se recuperassem da súbita claridade, e quando isso aconteceu puderam notar que havia uma coisa dentro daquele salão que não estava ali até um momento atrás. Ou pelo menos ninguém tinha prestado atenção nela ainda.

Do lado oposto do salão, virada na direção da porta de entrada da loja, havia uma poltrona alta e larga, feita de vime trançado. O encosto era arredondado e descia num arco gracioso, fazendo uma curva para frente e transformando-se lentamente nos apoios para os braços. Sobre o encosto, havia uma toalha triangular feita de crochê verde-bandeira, em cuja ponta havia um enfeite de franjinhas de linha, como um pompom de cortina. Sentada sobre uma almofada enorme também verde-bandeira, e fumando graciosamente um cachimbo comprido e estreito como uma zarabatana estava Madame Gertrudes.

A primeira impressão que tiveram da velha bruxa era que ela deveria ter perto de seus noventa e poucos anos. A bruxa deveria ter, no máximo, um metro e meio de altura, de forma que sentada daquela forma na enorme poltrona de vime ela ficava com os pés pelo menos trinta centímetros acima do chão. Tinha o corpo encurvado para frente como uma enorme lagarta que se apóia na parte de trás de seu corpo, e suas mãos pequeninas e ossudas seguravam um bordão feito de ossos de uma criatura que os jovens preferiram nem tentar identificar, e em cuja ponta havia um minúsculo crânio de lagarto. Usava um vestido longo e tinha um xale verde sobre os ombros, amarrados na parte da frente da roupa e preso com um broche em formato de escaravelho egípcio. Usava um óculos imenso, maior ainda do que o da Profa. Sibila, atrás dos quais ficavam os olhos negros e atentos que se moviam como dois pequenos besouros, fixando-se neles. O cabelo branco era preso num coque delicado com uma agulha de tricô. A bruxa correu os olhos de Harry para Gina, passando por Rony e Hermione, e sorriu sombriamente para eles com seus dentes brancos e bem alinhados.

Um calafrio percorreu a espinha dos quatro bruxos, enquanto eles encaravam a velha bruxa sorrir para eles. A sensação de que levariam daquele lugar algo mais do que as ervas que tinham vindo buscar invadiu o coração dos quatro, e eles tiveram a impressão de que não iriam querer saber quais surpresas os aguardavam naquele lugar sombrio e estranho.

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